Teologia: Deus o Filho

Lição 01 – A Centralidade da Pessoa de Cristo








O destino de uma pessoa é revelado pela forma como ele pensa sobre Cristo. Dependendo do grau e maneira de desvio da revelação bíblica, sustentar um falso ponto de vista sobre Cristo pode resultar em condenação eterna. Portanto, devemos estudar a doutrina bíblica de Cristo com cuidado e reverência, rejeitando toda posição que comprometa ou distorça o que a Escritura ensina sobre ele.

A PESSOA DE CRISTO
O cristianismo bíblico afirma que Cristo possui duas naturezas, que ele é tanto divino quanto humano. Ele existe junto com Deus Pai na eternidade como a segunda pessoa da Trindade, mas tomou a natureza humana na ENCARNAÇÃO. O que resulta disso não compromete nem confunde, seja a natureza divina, seja a humana, de modo que Cristo era totalmente Deus e totalmente homem, e permanecerá nessa condição para sempre. Às duas naturezas de Cristo subsistindo em uma pessoa dá-se o nome de UNIÃO HIPOSTÁTICA.
Algumas pessoas alegam que tal doutrina gera uma contradição; logo, antes de fornecermos respaldo bíblico para ela, vamos primeiro defender sua consistência lógica.
Recordemos nossas primeiras discussões sobre a Trindade. A formulação doutrinária histórica da Trindade diz: “Deus é um em essência e três em pessoa”. Essa proposição não acarreta contradição nenhuma. Para haver uma contradição nós precisamos afirmar que “A é não-A”. Em nosso caso, isso se traduz assim: “Deus é um em essência e três em essência”, ou “Deus é um em pessoa e três em pessoa”. Afirmar que Deus é um e três (não um) ao mesmo tempo e no mesmo sentido é autocontraditório. Porém, nossa formulação da doutrina diz que Deus é um em um sentido e três em um outro diferente: “Deus é um em essência e três em pessoa”. Além disso, embora cada uma das três pessoas participe na Divindade única, a doutrina não se torna um triteísmo visto que ainda há um único Deus, não três. 
A “essência” na formulação acima se refere aos atributos divinos, ou à própria definição de Deus, de forma que todas as três pessoas da Divindade preenchem completamente a definição de deidade. Mas isso não faz supor um triteísmo, pois a própria definição de deidade inclui o atributo ontológico da Trindade, de modo que cada membro não é um Deus independente. O Pai, o Filho e o Espírito são “pessoas” distintas porque representam três centros de consciência dentro da Divindade. Logo, embora todos os três participem completamente da essência divina de modo a fazê-los um só Deus, esses três centros de consciência resultam em três pessoas dentro dessa Divindade única. 
De modo similar, a formulação doutrinária da pessoalidade e encarnação de Cristo diz que ele é um num sentido e dois num outro diferente. Ou seja, ele é um em pessoa, mas dois em naturezas.
Para esclarecer essa formulação doutrinária, nós precisamos definir os termos e relacioná-los à formulação doutrinária da Trindade. O modo com que o termo “natureza” é usado na formulação doutrinária da encarnação é similar ao com que “essência” o é na da Trindade. Eles se referem à definição de algo, e a definição de algo, por seu turno, muda de acordo com os atributos ou propriedades dele. Pessoalidade é novamente definido pela consciência ou intelecto. Ora, a definição de Deus inclui o atributo ontológico da Trindade e, por conseguinte, existe um só Deus, embora haja três pessoas divinas que compartilham completa e igualmente os mesmo atributos que definem a deidade. 
Na encarnação, Deus Filho tomou sobre si a natureza humana; isto é, ele acrescentou à sua pessoa o conjunto dos atributos que definem o homem. Ele fez isso sem misturar as duas naturezas, de maneira que ambos os atributos permaneceram independentes. Assim, sua natureza divina não foi diminuída pela humana, e essa não foi deificada por aquela. Essa formulação também protege a imutabilidade de Deus Filho, uma vez que a natureza humana não modifica em nada a sua outra divina. 
A objeção de que os atributos divino e humano necessariamente se contradizem quando possuídos por uma mesma pessoa erra em não levar em conta que os dois são independentes em Deus Filho. Por exemplo, Cristo não era onisciente segundo seus atributos humanos, mas o era em relação aos divinos, e isso é verdade ainda hoje. Esses não deificaram seus atributos humanos. 
Essa formulação doutrinária da encarnação é imune à acusação de contradição, visto não afirmarmos que Cristo é um e dois ao mesmo tempo e no mesmo sentido. O que asseveramos é que Cristo é uma pessoa com dois conjuntos de atributos. Visto que essa formulação gera uma contradição lógica, ela se prova verdadeira se pudermos demonstrar que Cristo é tanto Deus quanto homem através de exegese bíblica. 
Consideraremos primeiro várias passagens que indicam a DEIDADE de Cristo. No início de seu Evangelho, o apóstolo João refere-se a Jesus Cristo como o logos , ou a Palavra :
“No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus. Ele estava com Deus no princípio. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe teria sido feito.” (João 1.1-3)
O versículo 1 começa afirmando a pré-existência de Cristo, dizendo que ele existira antes do evento da criação. O próprio Cristo confessou sua pré-existência em João 8, dizendo, “Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou” (v. 58) A palavra Deus (grego: theos) nesse verso se refere ao Pai, e “a Palavra estava com Deus” indica que Cristo não é idêntico ao Pai em termos de sua pessoalidade. Contudo, ele não é menos que Deus em termos de seus atributos, pois o verso continua a dizer, “a Palavra era Deus.” Essa é uma indicação explícita da atribuição de deidade a Jesus Cristo. As palavras, “Ele estava com Deus no princípio”, no verso 2, novamente afirmam sua pré-existência e o fato de que ele é distinguível do Pai. 
O verso 3 fala de Cristo como o agente da criação, dizendo, ‘Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe teria sido feito”. Isso concorda com a cristologia de Paulo, que escreveu em Colossenses 1.16, “Pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis,sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades;todas as coisas foram criadas por ele e para ele”. Cristo não somente é o criador do universo, mas presentemente está sustentando própria existência desse. Paulo diz que “nele tudo subsiste” (v. 17). Foi através dele que Deus “fez o universo” e é também Cristo que “sustenta todas as coisas por sua palavra poderosa” (Hebreus 1. 2,3). 
Colossenses 2.9 diz, “Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade”. Tito 2.13 diz, “aguardamos a bendita esperança: a gloriosa manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo”. Em Hebreus 1.3 lemos, “O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser”. Hebreus 1.8 faz uma aplicação messiânica do Salmo 45.6-7, quando Deus diz a Cristo: “O teu trono, ó Deus, subsiste para todo o sempre; cetro de eqüidade é o cetro do teu Reino”. Assim, Deus Pai mesmo declara que Jesus é Deus, e diz que seu domínio é “para todo o sempre”. Finalmente, Paulo escreve em Filipenses 2.6 que Cristo, “embora existindo na forma de Deus,” tomou sobre si atributos humanos. 
Veremos agora algumas passagens que indicam a HUMANIDADE de Cristo. Após afirmar fortemente a deidade de Cristo, o apóstolo João escreve em seu Evangelho: “A Palavra tornou-se carne e viveu entre nós” (João 1.14). Hebreus 2.14 diz, “Portanto, visto que os filhos são pessoas de carne e sangue, ele também participou dessa condição humana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da morte...”. Paulo é muito explícito a respeito da humanidade de Cristo quando escreve em 1 Timóteo 2.5: “Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus”. 
Várias passagens na Bíblia indicam que, em sua natureza humana, Jesus tinha verdadeiras limitações. Por exemplo, ele esteve “cansado da viagem” em João 4.6, faminto em Mateus 21.18 e sedento em João 19.28. E o mais significativo, “ele sofreu a morte” (Hebreus 2.9) para comprar a salvação para os seus eleitos. 
Algumas passagens na Bíblia afirmam ou fazem supor tanto a divindade quanto a humanidade de Cristo. Por exemplo, João 5.18 diz que os judeus procuravam matar a Jesus porque ele “estava dizendo que Deus era seu próprio Pai, igualando-se a Deus”. Eles o viram como um homem, mas ele reivindicava ser Deus. João 8.56-59 descreve outro conflito semelhante a esse:
‘Abraão, pai de vocês, regozijou-se porque veria o meu dia; ele o viu e alegrou-se'. Disseram-lhe os judeus: ‘Você ainda não tem cinqüenta anos, e viu Abraão?'. Respondeu Jesus: ‘Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou!'. Então eles apanharam pedras para apedrejá-lo, mas Jesus escondeu-se e saiu do templo. 
As pessoas reconheceram que em sua vida humana, Jesus não tinha ainda cinqüenta anos de idade e afirmava conhecer pessoalmente a Abraão. Aqueles que o ouviram não contestaram sua humanidade, mas entenderam que suas palavras continham uma reivindicação de divindade. 
Mateus 22.41-45 também afirma que Jesus é tanto Deus quanto homem:
Estando os fariseus reunidos, Jesus lhes perguntou: “O que vocês pensam a respeito do Cristo? De quem ele é filho?”. “É filho de Davi”, responderam eles. Ele lhes disse: “Então, como é que Davi, falando pelo Espírito, o chama ‘Senhor'? Pois ele afirma: ‘O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo de teus pés'. Se, pois, Davi o chama ‘Senhor', como pode ser ele seu filho?”.
Os fariseus reconheceram que o Cristo seria o filho de Davi, e tal, seria humano. Contudo, enquanto estava “falando pelo Espírito”, de modo que não poderia estar errado, Davi chamou-o de “Senhor”, como uma designação de deidade. Portanto, o Cristo seria tanto o descendente humano e quanto o divino Senhor de Davi –seria Deus e homem ao mesmo tempo. 

A VIDA DE CRISTO
Jesus Cristo foi milagrosamente concebido na virgem Maria. Como Mateus 1.18 explica: “Foi assim o nascimento de Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo Espírito Santo”. O versículo 20 enfatiza que ela não foi engravidada por um homem, mas que a criança veio “do Espírito Santo”. Cristo “nasceu de uma mulher” (Gálatas 4.4), mas em vez de ser concebido pela união de um homem e uma mulher, ele foi concebido pelo “poder do Altíssimo” (Lucas 1.35). Assim, a pessoa nascida era tanto divina como humana.
Diferente de todos os outros seres humanos após Adão, Jesus não tinha culpa imputada ou corrupção herdada. Ora, a Bíblia não diz que a culpa imputada e a corrupção herdada venham somente do pai, e nós sabemos também que Maria era pecadora assim como o resto da humanidade. Embora a concepção virginal testifique que ele não era um ser humano ordinário, por si mesma ela era insuficiente para proteger a criança de toda contaminação. Portanto, a impecabilidade de Cristo não pode ser devido à concepção virginal somente, mas foi o decreto soberano de Deus de que nenhuma culpa seria imputada sobre Cristo e que nenhuma corrupção seria herdada por ele. O “poder do Altíssimo” não somente causou a concepção de Cristo sem um pai humano, mas também guardou a criança tanto da culpa legal de Adão como da natureza corrupta resultante do pecado. Isso foi assim para que a criança pudesse ser corretamente chamada de “o santo” (Lucas 1.35). 
Algumas pessoas argumentam que Cristo deve ter sido sujeito tanto ao erro como ao pecado simplesmente por ser uma pessoa humana; a imunidade completa ao pecado significaria que ele não era genuinamente humano. As tendências a incorrer em enganos e cometer pecados parecem ser intrínsecas ao que significa ser humano. Logo, dizer que ele era humano significa que ele também era propenso ao erro e ao pecado. Se Cristo não fosse sujeito a esses defeitos, ele não teria sido humano. Afinal de contas, tais pessoas afirmam: “Errar é humano”. Contudo, essa opinião esquece do fato que toda a raça humana existe num estado depravado que é diferente da condição original do homem. Adão e Eva não foram criados pecadores e, todavia, eles eram plenamente humanos. Isso significa que a pecaminosidade não é um atributo humano essencial. Que o nosso estado pecaminoso é um fator universal da vida humana impede alguns de verem que esse é um fato anormal. Em outras palavras, é possível ser um ser humano sem culpa imputada e corrupção herdada; entretanto, somente Adão, Eva e Jesus nasceram sem pecado.
Isso se relaciona ao que Paulo diz sobre Cristo como o “último Adão” ou o “segundo homem” (1 Coríntios 15.45, 47). O “primeiro homem”, Adão, como um cabeça federal representando todo membro pertencente ao grupo de pessoas atribuídas a ele na mente de Deus, a saber, a raça humana. O “segundo homem”, Jesus, também foi um cabeça federal, e representou todo membro pertencente ao grupo de pessoas atribuídas a ele na mente divina, a saber, os eleitos.
Quanto ao ministério de Jesus, ele foi caracterizado pela pregação, ensino e cura:
Jesus foi por toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas deles, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças entre o povo. (Mateus 4.23)
Jesus ia passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças. (Mateus 9.35)
Mas ele disse: “É necessário que eu pregue as boas novas do Reino de Deus noutras cidades também, porque para isso fui enviado”. (Lucas 4.43)
Sua pregação e seus milagres trouxeram crescente hostilidade de seus inimigos. Após vários anos de ministério, ele foi traído por seu discípulo Judas, e entregue às mãos daqueles que desejavam matá-lo. Após um período de tratamento severo e injusto pelas autoridades judaicas e pelos soldados romanos, ele foi sentenciado por Pilatos à morte por crucificação. Jesus morreu na cruz, e até mesmo sua morte testificou o que ele era: “Quando o centurião que estava em frente de Jesus ouviu o seu brado e viu como ele morreu, disse: ‘Realmente este homem era o Filho de Deus!’ ” (Marcos 15.39).
Jesus tinha um corpo humano real, e sua morte foi literal e física. Os evangelhos deixam claro que ele morreu de fato:
Vieram, então, os soldados e quebraram as pernas do primeiro homem que fora crucificado com Jesus e em seguida as do outro. Mas quando chegaram a Jesus, constatando que já estava morto, não lhe quebraram as pernas. Em vez disso, um dos soldados perfurou o lado de Jesus com uma lança, e logo saiu sangue e água* . Os soldados romanos eram bem-treinados, e sem dúvida tinham realizado diversas crucificações antes dessa; eles poderiam ter facilmente determinado se suas vítimas estavam mortas ou vivas. Quando eles descobriam que Jesus “já estava morto” (João 19.33), não viram nenhuma necessidade de quebras suas pernas para apressar a sua morte. Mas apenas para se certificar, um dos soldados perfurou o seu lado, do qual “saiu sangue e água” (João 19.34), provando sua morte de um ponto de vista médico. 
Assim como a morte de Cristo foi literal e física, assim o foi sua ressurreição. A Bíblia registra que ele ressuscitou dentre os mortos ao terceiro dia. Ressuscitou com o mesmo corpo que tinha antes, mas transformado e aprimorado. Paulo escreve que os cristãos também receberão tal corpo quando Jesus retornar e ressuscitar os mortos: “Assim será com a ressurreição dos mortos. O corpo que é semeado é perecível e ressuscita imperecível” (1 Coríntios 15.42). Em todo caso, o corpo ressurreto ou “glorificado” ainda poderia manifestar funções no mundo físico, de forma que, quando Jesus apareceu aos seus discípulos, ele lhes disse: “Vejam as minhas mãos e os meus pés. Sou eu mesmo! Toquem-me e vejam; um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho” (Lucas 24.39).
Após sua ressurreição, Jesus apareceu aos seus discípulos diversas vezes num período de quarenta dias, mostrando-lhes “muitas e infalíveis provas” (Atos 1.3) de que estava vivo. Depois, a Bíblia registra que ele foi elevado ao céu e que lhe foi dada uma posição de autoridade pelo Pai: “Tendo dito isso, foi elevado às alturas enquanto eles olhavam, e uma nuvem o encobriu da vista deles” (Atos 1.9); “Depois de lhes ter falado, o Senhor Jesus foi elevado aos céus e assentou-se à direita de Deus” (Marcos 16.19).


A Supremacia de Cristo - John Piper


Lição 02 – Introdução ao Estudo da Cristologia










Confissão de Fede Westminster
CAPÍTULO VIII
DE CRISTO O MEDIADOR
I. Aprouve a Deus em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do Mundo; e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.
Isa. 42: 1; I Ped. 1: 19-20; I Tim. 2:5; João 3:16; Deut. 18:15; At. 3:20-22; Heb. 5:5-6; Isa. 9:6-7; Luc. 1:33; Heb. 1:2; Ef. 5:23; At. 17:31; II Cor.5:10; João 17:6; Ef. 1:4; I Tim. 2:56; I Cor. 1:30; Rom.8:30.

II. O Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma substância do Pai e igual a ele, quando chegou o cumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas as suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem Maria e da substância dela. As duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas - a Divindade e a humanidade - foram inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão composição ou confusão; essa pessoa é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem.
João 1:1,14; I João 5:20; Fil. 2:6; Gal. 4:4; Heb. 2:14, 17 e 4:15; Luc. 1:27, 31, 35; Mat. 16:16; Col. 2:9; Rom. 9:5; Rom. 1:3-4; I Tim. 2:5.

III. O Senhor Jesus, em sua natureza humana unida à divina, foi santificado e sem medida ungido com o Espírito Santo tendo em si todos os tesouros de sabedoria e ciência. Aprouve ao Pai que nele habitasse toda a plenitude, a fim de que, sendo santo, inocente, incontaminado e cheio de graça e verdade, estivesse perfeitamente preparado para exercer o ofício de Mediador e Fiador. Este ofício ele não tomou para si, mas para ele foi chamado pelo Pai, que lhe pôs nas mãos todo o poder e todo o juízo e lhe ordenou que os exercesse.
Sal. 45:5; João 3:34; Heb. 1:8-9; Col. 2:3, e 1:9; Heb. 7:26; João 1: 14; At. 10:38; Heb. 12:24, e 5:4-5; João 5:22, 27; Mat. 28:18.

IV. Este ofício o Senhor Jesus empreendeu mui voluntariamente. Para que pudesse exercê-lo, foi feito sujeito à lei, que ele cumpriu perfeitamente; padeceu imediatamente em sua alma os mais cruéis tormentos e em seu corpo os mais penosos sofrimentos; foi crucificado e morreu; foi sepultado e ficou sob o poder da morte, mas não viu a corrupção; ao terceiro dia ressuscitou dos mortos com o mesmo corpo com que tinha padecido; com esse corpo subiu ao céu, onde está sentado à destra do Pai, fazendo intercessão; de lá voltará no fim do mundo para julgar os homens e os anjos.
Sal. 40:7-8; Heb. 10:5-6; João 4:34: Fil. 2-8; Gal. 4:4; Mat. 3:15 e 5:17; Mat. 26:37-38; Luc.22:24; Mat. 27.46; Fil 2:8; At. 2:24, 27 e 13:37; I Cor.15:4; João 20:25-27; Luc. 24:50-51; II Ped. 3:22; Rom. 8:34; Heb. 7:25; Rom. 14:10: At. 1:11, João5:28-29; Mat. 13:40-42.

V. O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a Deus uma só vez, satisfez plenamente à justiça do Pai. e para todos aqueles que o Pai lhe deu adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança perdurável no Reino dos Céus.
Rom. 5: 19 e :25-26; Heb. 10: 14; Ef. 1: 11, 14; Col.1:20; II Cor.5: 18; 20; João 17:2; Heb.9:12,15.

VI. Ainda que a obra da redenção não foi realmente cumprida por Cristo senão depois da sua encarnação; contudo a virtude, a eficácia e os benefícios dela, em todas as épocas sucessivamente desde o princípio do mundo, foram comunicados aos eleitos naquelas promessas, tipos e sacrifícios, pelos quais ele foi revelado e significado como a semente da mulher que devia esmagar a cabeça da serpente, como o cordeiro morto desde o princípio do mundo, sendo o mesmo ontem, hoje e para sempre.
Gal. 4:45; Gen. 3:15; Heb. 3:8.

VII. Cristo, na obra da mediação, age de conformidade com as suas duas naturezas, fazendo cada natureza o que lhe é próprio: contudo, em razão da unidade da pessoa, o que é próprio de uma natureza é às vezes, na Escritura, atribuído à pessoa denominada pela outra natureza.
João 10:17-l8; I Ped. 3:18; Heb. 9:14; At. 20:28; João3:13

VIII. Cristo, com toda a certeza e eficazmente aplica e comunica a salvação a todos aqueles para os quais ele a adquiriu. Isto ele consegue, fazendo intercessão por eles e revelando-lhes na palavra e pela palavra os mistérios da salvação, persuadindo-os eficazmente pelo seu Espírito a crer e a obedecer, dirigindo os corações deles pela sua palavra e pelo seu onipotente poder e sabedoria, da maneira e pelos meios mais conformes com a sua admirável e inescrutável dispensação.
João 6:37; 39 e10:15-16; I João 2:1; João 15:15; Ef. 1:9; João 17:6; II Cor. 4:13; Rom. 8:9, 14 e 15:18-19; João 17:17; Sal. 90:1; I Cor. 15: 25-26; Col. 2:15; Luc. 10: 19.





Lição 03 – Os Nomes de Cristo








Os Nomes de Cristo

Há especialmente cinco nomes que requerem breve consideração neste ponto. Descrevem em parte Suas naturezas, em parte Sua posição oficial, e em parte a obra para a qual Ele veio ao mundo.
1. O NOME JESUS. O nome Jesus é a forma grega do hebraico Jehoshua, Joshua, Js. 1.1; Zc 3.1, ou Jeshua (forma normalmente usada nos livros históricos pós-exílicos), Ed 2.2. A derivação deste nome tão comum do Salvador oculta-se na obscuridade. A opinião geralmente aceita é que deriva da raiz yasha’, hiphil hostia’, salvar, mas não é fácil explicar como foi que Jehoshua’tornou-se Jeshua’. Provavelmente Hoshea’, derivado do infinitivo, foi a forma original (cf. Nm 13.8, 16; Dt 32.44), expressando meramente a idéia de redenção. O yod, que é o sinal do imperfeito, pode ter sido acrescentado para expressar a certeza da redenção. Isto se harmonizaria melhor com a interpretação do nome dado em Mt 1.21. Quanto a uma outra derivação, de Jeho (Jehovah) e shua, socorro (Gotthilf), cf. Kuyper, Dict. Dogm.[1] O nome foi dado a dois bem conhecidos tipos de Jesus do Velho Testamento.
2. O NOME CRISTO. Se Jesus é o nome pessoal, Cristo é o nome oficial do Messias. É o equivalente de Mashiach do Velho Testamento, (de maschach, ungir) e, assim, significa “o ungido”. Normalmente os reis e os sacerdotes eram ungidos, durante a antiga dispensação, Ex 29.7; Lv 4.3; Jz 9.8; 1 Sm 9.16; 10.1; 2 Sm 19.10. O rei era chamado “o ungido de Jeová”, 1 Sm 24.10. Somente um exemplo de unção de profeta está registrado, 1 Rs 19.16, mas provavelmente há referências a isto em Sl 105.15 e Is 61.1. O óleo usado na unção desses oficiais simbolizava o Espírito de Deus, Is 61.1; Zc 4.1-6, e a unção representava a transferência do Espírito para a pessoa consagrada, 1 Sm 10.1, 6, 10; 16.13, 14. A unção era sinal visível de (a) designação para um ofício; (b) estabelecimento de uma relação sagrada e o resultante caráter sacrossanto da pessoa ungida, 1 Sm 16.13; cf. também 2 Co 1.21, 22. O Velho testamento se refere à unção do Senhor em Sl 2.2; 45.7, e o Novo testamento em At 4.27 e 10.38. Referências anteriores acham-se em Sl 2.6 e Pv 8.23, mas hebraístas atuais asseveram que a palavra nasak, empregada nestas passagens, significa “instalar”, “estabelecer”, e não “ungir”. Mas, mesmo assim, a palavra indica a realidade da primeira coisa simbolizada pela unção, cf. também Is 11.2; 42.1. Cristo foi instalado em Seus ofícios, ou designado para estes, desde a eternidade, mas historicamente a Sua unção se efetuou quando Ele foi concebido pelo Espírito Santo, Lc 1.35, e quando recebeu o Espírito Santo, especialmente por ocasião do Seu batismo, Mt 3.16; Mc 1.10; Lc 3.22; Jo 1.32; 3.34. Serviu para qualifica-lo para a Sua grande tarefa. Primeiro, o nome “Cristo” foi aplicado ao Senhor como um substantivo comum, com o artigo, mas gradativamente se desenvolveu e se tornou um nome próprio, sendo então usado sem artigo.
3. O NOME FILHO DO HOMEM. No Velho Testamento este nome se acha em Sl 8.4; Dn 7.13 e muitas vezes na profecia de Ezequiel. Acha-se também nos apócrifos Enoque 46 e 62 e 2 Esdras 13. Admite-se geralmente agora que o uso que o Novo testamento faz dele depende da citada passagem de Daniel, embora naquela profecia a expressão seja apenas uma frase descritiva, e não ainda um título. A transição daquela para este deu-se posteriormente e, ao que parece, já era um fato consumado quando o livro de Enoque foi escrito. Era a maneira mais comum de Jesus tratar-se a Si próprio. Ele aplicou o nome a Si mesmo em mais de quarenta ocasiões, ao passo que os outros evitavam emprega-lo. A única exceção nos evangelhos está em Jo 12.34, onde o nome aparece numa citação indireta de uma palavra de Jesus; e no restante do Novo testamento somente Estevão e João o empregam, At 7.56; Ap 1.13; 14.14.
Em sua obra sobre A Auto-revelação de Jesus (The Self-disclosure of Jesus), o dr. Vos divide as passagens em que ocorre o nome e quatro classes; (a) passagens que se referem claramente à vinda escatológica do Filho do homem, como, por exemplo, Mt 16.27, 28; Mc 8.38; 13.26, etc. e paralelas; (b) passagens que falam particularmente dos sofrimentos, morte e (às vezes) ressurreição de Jesus, como por exemplo, Mt 17.22; 20.18, 19, 28; 12.40, etc. e paralelas. (c) passagens do quarto evangelho em que o lado super-humano, celestial, e a preexistência de Jesus são salientados, como, por exemplo, 1.51; 3.13, 14; 6.27, 53, 62; 8.28, e outras. (d) Um pequeno grupo de passagens nas quais Jesus considera a Sua natureza humana, Mc 2.27, 28; Jo 5.27; 6.27, 51, 62. É difícil determinar por que Jesus preferiu este nome como forma de auto-tratamento. Anteriormente o homem era em geral considerado como um título criptico, com o uso da qual Jesus tencionava velar antes que revelar a Sua messianidade. Esta explicação foi posta de lado quando se deu mais atenção ao elemento escatológico dos evangelhos, e ao uso do nome na literatura apocalíptica dos judeus. Dalman reviveu a idéia e voltou a considerar o título como “um ocultamento intencional do caráter messiânico sob um título que afirma a humanidade de Quem o leva”.[2] A suposta prova disto acha-se em Mt 16.13; Jo 12.34. mas a prova é duvidosa; esta última passagem até mostra que o povo entendia messianicamente o nome. O dr. Vos é de opinião que provavelmente Jesus preferiu este nome porque ele fica bastante afastado de toda e qualquer prostituição judaica do ofício messiânico. Chamando-se a Si próprio Filho do homem, Jesus infundiu à messianidade o Seu espírito centralizado nas realidades celestiais. E as alturas a que assim Ele elevou a Sua pessoa e a Sua obra bem podem ter tido algo que ver com a hesitação dos Seus primeiros seguidores quanto a chamá-lo pelo mais celestial de todos os títulos.[3]
4. O NOME FILHO DE DEUS. O nome “Filho de Deus” foi variadamente aplicado no Velho testamento: (a) ao povo de Israel, Ex. 4.22; Jr 31.9; Os 11.1; (b) a oficiais de Israel, especialmente ao prometido rei da casa de Davi, 2 Sm 7.14; Sl 89.27; (c) a anjos, Jó 1.6; 2.1; 38.7; Sl 29.1; 89.6; e (d) a pessoas piedosas em geral, Gn 6.2; Sl 73.15; Pv 14.26. Em Israel o nome adquiriu significação teocrática. No Novo Testamento vemos Jesus apropriando-se do nome, e outros também atribuindo-o a Ele. O nome é aplicado a Jesus em quatro sentidos diferentes, nem sempre mantidos em distinção na Escritura, mas às vezes combinados. O nome é-lhe aplicado:
a. No sentido oficial ou messiânico, mais como uma descrição do ofício que da natureza de Cristo. O Messias pode ser chamado Filho de Deus como herdeiro e representante de Deus. Os demônios evidentemente entenderam no sentido messiânico o nome quando p aplicaram a Jesus. Parece ter sido esse também o sentido em Mt 24.36; Mc 13.31. mesmo o nome, como proferido pela voz, na ocasião do batismo de Jesus e quando da Sua transfiguração. Mt 3.17; 17.5; Mc 1.11; 9.7; Lc 3.22; 9.35, pode ser interpretado desse modo, mas com toda a probabilidade, tem um sentido mais profundo. Há várias passagens em que o sentido messiânico é combinado com o sentido trinitário, cf. abaixo, no item b.
b. No sentido trinitário. Às vezes o nome é utilizado para indicar a divindade essencial de Cristo. Como tal, ele indica uma filiação preexistente, que transcende absolutamente a vida humana de Cristo e Sua vocação oficial como o Messias. Acham-se exemplos deste uso em Mt 11.27; 14.28-33; 16.16, e paralelas; 21.33-46, e paralelas; 22.41-46; 26.63, e paralelas. Nalguns destes casos a idéia de filiação messiânica também entra, mais ou menos. Vemos a filiação ontológica e a filiação messiânica entrelaçadas também em várias passagens joaninas, nas quais Jesus dá a entender claramente que Ele é o Filho de Deus, conquanto não use o nome, como em 6.69; 8.16, 18, 23; 10.15, 30; 14.20,etc. Nas epístolas, Cristo é designado muitas vezes como o Filho de Deus no sentido metafísico, Rm 1.3; 8.3; Gl 4.4; Hb 1.1, e muitas outras passagens. Na teologia modernista é comum negar-se a filiação metafísica de Cristo.
c. No sentido natalício. Cristo é também chamado Filho de Deus e virtude do Seu nascimento sobrenatural. O nome é assim aplicado a Ele na bem conhecida passagem do Evangelho Segundo Lucas, na qual a origem da Sua natureza humana é atribuída à direta e sobrenatural paternidade de Deus, a saber, Lc 1.35. O dr. Vos vê indicações deste sentido do nome também é negado pela teologia modernista, que não crê nem no nascimento virginal nem na concepção sobrenatural de Cristo.
d. No sentido ético-religioso. É neste sentido que o nome “filhos de Deus” é aplicado aos crentes no Novo Testamento. É possível que tenhamos um exemplo da aplicação do nome “Filho de Deus”a Jesus nesse sentido ético-religioso em Mt 17.24-27. isto depende da questão sobre se Pedro é aí apresentado também como isento do imposto do templo. É especialmente neste sentido que a teologia modernista atribui o nome a Jesus. Ela entende que a filiação de Jesus é unicamente uma filiação ético-religiosa, um tanto elevada, é certo, mas não essencialmente diferente da dos Seus discípulos.
5. O NOME SENHOR (Kyrios). O nome “Senhor” é aplicado a Deus na Septuaginta, (a) como equivalente de Jeová; (b) como tradução de Adonai; e (c) como versão de um título honorífico aplicado a Deus (principalmente Adon), Js 3.11; Sl 97.5. No Novo Testamento vemos uma aplicação tríplice do nome a Cristo, um tanto parecida com a o Velho Testamento, (a) como uma forma polida e respeitosa de tratamento, Mt 8.2; 20.33; (b) como expressão de posse e autoridade, sem nada implicar quanto ao caráter e autoridade divinas de Cristo, Mt 21.3; 24.42; e (c) com a máxima conotação de autoridade, expressando um caráter exaltado e, de fato, praticamente equivalendo ao nome “Deus”, Mc 12.36, 37; Lc 2.11; 3.4; At 2.36; 1 Co 12.3; Fp 2.11. nalguns casos é difícil determinar a conotação exata do título. Indubitavelmente, depois da exaltação de Cristo, o nome era geralmente aplicado a Ele no sentido mais exaltado. Mas, há exemplos do seu uso mesmo antes da ressurreição, onde evidentemente já se alcançara o valor especificamente divino do título, como em Mt 7.22; Lc 5.8; Jo 20.28. Há grande diferença de opinião entre os estudiosos com respeito à origem e desenvolvimento deste título, em sua aplicação a Jesus. A despeito de tudo quanto foi antecipado em contraposição, não há razão para não acreditar que o uso do termo, quando aplicado a Jesus, tem suas raízes no Velho testamento. Há um elemento constante na história do conceito em foco, o elemento, de posse com autoridade. As epistolas de Paulo sugerem a idéia adicional de que se trata de uma autoridade e posse com base em direitos antecedentemente adquiridos. É duvidoso se este elemento já está presente nos evangelhos.


[1] De Christo I, p. 56,57.
[2] Words of Jesus, p. 253.
[3] Ithe Self Disclosure of Jesus, p. 251 em diante.
Lição 04 – As Naturezas de Cristo





As Duas Naturezas de Cristo: Natureza Humana e A Natureza Divina

Desde os primeiros tempos, e mais particularmente desde o Concílio de Calcedônia, a igreja confessa a doutrina das duas naturezas de Cristo. O concílio não solucionou o problema apresentado por uma pessoa que era ao mesmo tempo divina e humana, mas somente procurou afastar algumas das soluções que tinham sido oferecidas e que eram claramente reconhecidas como errôneas. E a igreja aceitou a doutrina das duas naturezas numa pessoa, não porque tivesse completa compreensão do mistério, mas porque viu claramente nela um mistério revelado pela palavra de Deus. Para a igreja ela foi e continuou sendo sempre um artigo de fé, muito acima da compreensão humana. Não faltaram ataques racionalistas à doutrina, mas a igreja permaneceu firme na confissão desta verdade, apesar do fato de ser repetidamente declarada contrária à razão. Nesta confissão os católicos romanos e os protestantes vão ombro a ombro. Mas da última parte do século dezoito em diante, esta doutrina tornou-se alvo de persistentes ataques. A idade da razão iniciou-se e se declarou que era indigno do homem aceitar, pela autoridade da escritura, o que era claramente contrário à razão humana. Aquilo que não se recomendasse a este novo árbitro era simplesmente declarado errôneo. Filósofos e teólogos tentaram individualmente resolver o problema apresentado por Cristo, para poderem oferecer à igreja um substituto da doutrina das duas naturezas. Tomaram o seu ponto de partida no Jesus humano, e mesmo depois de um século de afanosa pesquisa, viram em Jesus nada mais que um homem dotado de um elemento divino. Não puderam elevar-se ao reconhecimento dele como seu Senhor e seu Deus. Schleiermacher falava de um homem com suprema consciência de Deus, Ritschil, de um homem com o valor de Deus, Wendt, de um homem que estava em continuada e íntima comunhão de amor com Deus, Beyschlag, de um homem cheio de Deus, e Sanday, de um homem com uma invasão do divino no sub consciente; – mas, para eles, Cristo é e continuará sendo mero homem. A escola modernista representada por Harnack, a escola escatológica de Weiss e Schweitzer, e mais recentemente a escola de religiões comparadas, chefiada por Bousset e Kirsopp Lake, concordam todos em despir Cristo de Sua verdadeira divindade e em reduzi-lo a dimensões humanas. Para a primeira, nosso Senhor é apenas um grande mestre de ética; para a segunda, um vidente apocalíptico; e para a terceira, um inigualável guia rumo a um destino exaltado. Consideram o Cristo da igreja como criação do helenismo, ou do judaísmo, ou de ambos combinados. Hoje, porém, toda a epistemologia do século passado é posta em questão, e a suficiência da razão humana para a interpretação da verdade última é seriamente questionada. Há uma nova ênfase à revelação. E os teólogos influentes como Barth e Brunner. Edwin Lewis e Nathaniel Micklem, não hesitam em tornar a confessar sua fé na doutrina das duas naturezas. É da máxima importância manter esta doutrina, nos termos em que foi formulada pelo Concílio de Calcedônia e consta dos nossos padrões confessionais.[1]*
1. PROVAS BÍBLICAS DA DIVINDADE DE CRISTO. Em vista da generalizada negação da divindade de Cristo, é da máxima importância ser inteiramente versado nas provas bíblicas em seu favor. As provas são tão abundantes que todos os que aceitam a Bíblia como a infalível palavra de Deus, não podem ter qualquer dúvida sobre este ponto. Quanto à classificação comum das provas bíblicas derivadas dos nomes divinos de Cristo, dos Seus atributos divinos, das Suas obras divinas e da honra divina a Ele atribuída, remetemos o leitor ao capítulo que trata da doutrina da Trindade. Seguimos aqui um arranjo um tanto diferente, em vista da tendência recente da crítica histórica.
a. No Velho testamento. Alguns demonstram certa inclinação para negar que o Velho testamento tenha predições de um Messias divino, mas essa negação é completamente insustentável em vista de passagens como Sl 2.6-12 (hB 1.5); 45.6, 7 (Hb 1.8, 9); 110.1 (hb 1.13); Is 9.6; Jr 23.6; Dn 7.13; Mq 5.2; Zc 13.7; Mt 3.1 Vários dos mais recentes especialistas em história insistem vigorosamente no fato de que a doutrina de um messias super-humano era coisa natural para o judaísmo pré-cristão. Alguns até acham nisso a explicação da cristologia sobrenatural de partes do Novo Testamento.
b. Nos escritos de João e Paulo. Tem-se visto que é impossível negar que tanto João como Paulo ensinam a divindade de Cristo. No Evangelho segundo João acha-se o mais elevado conceito da pessoa de Cristo, como se vê nas seguintes passagens: Jo 1.1-3. 14, 18; 2.24, 25; 3.16-18, 35, 36; 4.14, 15; 5.18, 20-22, 25-27; 11.41-44; 20.28; 1 Jo 1.3; 2.23; 4.14, 15; 5.5, 10-13, 20. Um conceito semelhante acha-se nas epistolas paulinas e na Epistola aos Hebreus, Rm 1.7; 9.5; 1 Co 1.1-3; 2.8; 2 Co 5.10; Gl 2.20; 4.4; Fp 2.6; Cl 2.9; 1 Tm 3.16; Hb 1.1-3, 5,8; 4.14; 5.8, etc. Os eruditos críticos procuram escapar da doutrina claramente ensinada nesses escritos de várias maneiras, como, por exemplo, negando a historicidade do Evangelho segundo João e a autenticidade de várias epístolas de Paulo; considerando as exposições de João, Paulo e Hebreus como interpretações infundadas, no caso de João e Hebreus, especialmente sob a influencia de seus conceitos judaicos, pré-cristãos; ou atribuindo a Paulo um conceito inferior ao que se acha em João, a saber, o de Cristo como homem preexistente e divino.
c. Nos Sinóticos. Alguns sustentam que somente os sinóticos nos dão um retrato verdadeiro de Cristo. Eles, segundo se diz, retratam o Jesus humano, o verdadeiro Jesus histórico, em contraste com a descrição idealizada do quarto evangelho. Mas é mais que evidente que o Cristo dos sinóticos é tão verdadeiramente divino quanto o Cristo de João. Do começo ao fim Ele sobressai como uma pessoa super-natural, como o Filho do homem e o Filho de Deus. Seu caráter e Suas obras justificam Sua reivindicação. Notem-se particularmente as seguintes passagens: Mt 5.17; 9.6; 11.1-6, 27; 14.33; 16.16, 17; 28.18; 25.31-46; Mc 8.38, e outras passagens similares, bem como as passagens paralelas. A obra do dr. Warfield sobre O Senhor da Glória (The Lord of Glory) é muito elucidativa sobre este ponto.
d. A consciência própria de Jesus. Nos últimos anos tem havido a tendência de recorrer à consciência própria de Jesus e negar que Ele estivesse cônscio de que era o Messias ou Filho de Deus. Naturalmente, não é possível ter qualquer conhecimento da consciência própria de Jesus, a não ser por meio de Suas palavras, nos termos em que elas estão registradas nos evangelhos; e será sempre possível negar que elas expressam corretamente o pensamento de Jesus. Para os que aceitam o testemunho dos evangelhos, não pode haver dúvida de que Jesus estava consciente de que era o próprio filho de Deus. As seguintes passagens atestam isto: Mt 11.27 (Lc 10.22); 21.37, 38 (Mc 12.6; Lc 20.13); 22.41-46 (Mc 13.35-37; Lc 20.41-44); 24.36 (Mc 13.32); 28.19. Algumas destas passagens atestam a consciência messiânica de Jesus; outras, o fato de que Ele estava cônscio de que era o Filho de Deus no sentido mais elevado, Em Mateus e Lucas há várias passagens nas quais Ele fala da primeira pessoa da Trindade como “meu Pai”, Mt 7.21; 10.32, 33; 11.27; 12.50; 15.13; 16.17; 18.10, 19, 35; 20.23; 25.34; 26.29, 53; Lc 2.49; 22.29; 24.49. No evangelho segundo João a consciência que Jesus Tinha de que era o próprio Filho de Deus é ainda mais palpável em passagens como Jo 3.13; 5.17, 18, 19-27; 6.37-40, 57; 8.34-36; 10.17, 18, 30, 35, 36, e outras passagens mais.
2. PROVAS BÍBLICAS DA VERDADEIRA HUMANIDADE DE CRISTO. Houve tempo em que a realidade (gnosticismo) e a integridade natural (docetismo, apolinarismo) da natureza humana de Cristo eram negadas, mas no presente ninguém questiona seriamente a verdadeira humanidade de Jesus Cristo. Na verdade, há hoje em dia uma excessiva ênfase à Sua verdadeira humanidade, um crescente humanismo quanto a Cristo. A única divindade que muitos ainda atribuem a Cristo é simplesmente a de Sua humanidade perfeita. Sem dúvida, essa tendência moderna é, em parte, um protesto contra a ênfase unilateral à divindade de Cristo. Em sua reverencia pelo Cristo divino, às vezes os homens se esquecem do Cristo humano. É muito importante afirmar a realidade e a integridade da humanidade de Jesus, admitindo o Seu desenvolvimento humano e as Suas limitações humanas. Não se deve salientar o esplendor da Sua divindade a ponto de obscurecer a Sua verdadeira humanidade. Jesus chamou-se homem a Si próprio, e assim foi chamado por outros, Jo 8.40; At 2.22; Rm 5.15; 1 Co 15.21. A mais comum forma de auto-tratamento de Jesus, “o Filho do homem”, seja qual for a conotação que tenha, por certo indica também a verdadeira humanidade de Jesus. Além disso, diz a Bíblia que o Senhor veio ou foi manifestado na carne, Jo 1.14; 1 Tm 3.16; 1 Jo 4.2. Nestas passagens o termo “carne” denota natureza humana. A Bíblia indica claramente que Jesus possuía os elementos essenciais da natureza humana, isto é, um corpo material e uma alma racional, Mt 26.26, 28, 38; Lc 23.46; 24.39; Jo 11.33; Hb 2.14. Há também passagens que mostram que Jesus estava sujeito às leis ordinárias do desenvolvimento humano, e aos sofrimentos e necessidades humanos, Lc 2.40, 52; Hb 2.10, 18; 5.8. Há demonstrações minuciosas de que Ele passou pelas experiências normais da vida humana, Mt 4.2; 8.24; 9.36; Mc 3.5; Lc 22.44; Jo 4.6; 11.35; 12.27; 19.28, 30; Hb 5.7.
3. PROVAS BÍBLICAS DA IMPECABILIDADE DA HUMANIDADE DE CRISTO. Atribuímos a Cristo não somente integridade natural, mas também moral, ou perfeição moral, isto é, impecabilidade. Significa não apenas que Cristo pode evitar o pecado (potuit non peccare), e que de fato evitou, mas também que Lhe era impossível pecar (non potuitpeccare), devido à ligação essencial entre as naturezas humana e divina. A impecabilidade de Cristo foi negada por Martineau, Irving, Menken, Holsten e Pfleiderer, mas a Bíblia dá claro testemunho dela nas seguintes passagens: Lc 1.35; Jo 8.46; 14.30; 2 Co 5.21; Hb 4.15; 9.14; 1 Pe 2.22; 1 Jo 3.5. Apesar de Jesus ter-se feito pecado judicialmente, todavia, eticamente estava livre tanto da depravação hereditária como do pecado fatual. Ele jamais se fez confissão de erro moral; tampouco se juntou aos Seus discípulos na oração: “perdoa as nossas dívidas” (os nossos pecados). Ele pôde desafiar os Seus inimigos a convencê-lo de pecado. A Escritura até O apresenta como pessoa em quem se realizou o ideal moral, Hb 2.8, 9; 1 Co 15.45; 2 Co 3.18; Fp 3.21. Além disso, o nome “Filho do Homem”, do qual se apropriou, parece dar a entender que Ele correspondeu ao perfeito ideal de humanidade.
4. A NECESSIDADE DAS DUAS NATUREZAS DE CRISTO . Transparece do que acima foi dito que, nos dias atuais, muitos não reconhecem a necessidade de admitir duas naturezas em Cristo. Para eles Jesus é apenas um ser humano; contudo, ao mesmo tempo se sentem constrangidos à atribuir-lhe valor de Deus, ou a reivindicar divindade para Ele em virtude da imanência de Deus nele, ou da permanência do Espírito nele. A necessidade das duas naturezas de Cristo decorre daquilo que é essencial à doutrina escriturística da expiação.
a. Necessidade de Sua humanidade. Desde que o homem pecou, era necessário que o homem sofresse a penalidade. Além disso, o pagamento da pena envolvia sofrimento de corpo e alma, sofrimento somente cabível ao homem, Jo 12.27; At 3.18; Hb 2.14; 9.22. Era necessário que Cristo assumisse a natureza humana, não somente com todas as suas propriedades essenciais, mas também com todas as debilidades a que está sujeita, depois da Queda, e, assim, devia descer às profundezas da degradação em que o homem tinha caído, Hb 2.17, 18. Ao mesmo tempo, era preciso que fosse um homem sem pecado, pois um homem que fosse, ele próprio, pecador e que estivesse privado da sua própria vida, certamente não poderia fazer uma expiação por outros, Hb 7.26. Unicamente um Mediador verdadeiramente humano assim, que estivesse conhecimento experimental das misérias da humanidade e se mantivesse acima de todas as tentações, poderia entrar empaticamente em todas as experiências, provações e tentações do homem, Hb 2.17, 18; 4.15-5.2, e ser um perfeito exemplo humano para os Seus seguidores, Mt 11.29; Mc 10.39; Jo 13.13-15; Fp 2.5-8; Hb 12.2-4; 1 Pe 2.21.
b. Necessidade de Sua Divindade. No plano divino de salvação era absolutamente essencial que o Mediador fosse verdadeiramente Deus. Era necessário que (1) Ele pudesse apresentar um sacrifício de valor infinito e prestar perfeita obediência à lei de Deus; (2) Ele pudesse sofrer a ira de Deus redentoramente, isto é, para livrar outros da maldição da lei; e (3) Ele pudesse aplicar os frutos da Sua obra consumada aos que O aceitassem pela fé. O homem, com a sua vida arruinada, não pode nem cumprir a pena do pecado, nem prestar perfeita obediência a Deus. Ele pode sofrer a ira de Deus e, exceto pela graça redentora de Deus, terá que sofrê-la eternamente, mas não pode sofrê-la de molde a abrir um caminho de livramento, Sl 49.7-10; 130.3.


[1] Confissão Belga, Art. XIX; Catecismo de Heidelberg, Perg. 15-18; Cânones de Dort II, Art, IV.
* Cf. também a Confissão de Fé Presbiteriana (Wetmisnter), CapítuloVIII. Nota do tradutor.



Lição 05 – O Estado de Humilhação







I. O Estado de Humilhação

Com base em Fp 2.7, 8, a teologia reformada (calvinista) distingue dois elementos na humilhação de Cristo, a saber, (1) a kenósis (esvaziamento, exinanitio), que consiste em renunciar Ele à Sua majestade do supremo Governador do universo, e assumir a natureza humana na forma de um servo; e (2) a tapeinosis (humiliatio), que consiste em haver-se Ele feito sujeito às exigências e à maldição da lei, e em toda a Sua vida ter-se feito obediente em ações e em sofrimento, até ao próprio limite de uma morte ignominiosa. Com base na referida passagem de Filipenses, pode-se dizer que o elemento essencial e central do estado de humilhação acha-se no fato de que Ele, que era o Senhor de toda a terra, o supremo Legislador, colocou-se debaixo da lei para desincumbir-se das Suas obrigações federais e penais a favor do Seu povo. Ao fazê-lo, Ele se tornou legalmente responsável por nossos pecados e sujeitos à maldição da lei. Este estado do Salvador, concisamente expresso nas palavras de Gl 4.4, “nascido sob a lei”, reflete-se na condição que lhe é correspondente e que é descrita nos vários estágios da humilhação. Enquanto a teologia luterana fala em nada menos que oito estágios da humilhação de Cristo, a teologia reformada geralmente enumera cinco, a saber: (1) encarnação; (2) sofrimento); (3) morte; (4) sepultamento; e (5) descida ao hades.
1. A ENCARNAÇÃO E O NASCIMENTO DE CRISTO. Sob este título geral, vários pontos merecem atenção.
a. O sujeito da encarnação. Não foi o trino Deus, mas a segunda pessoa da Trindade que assumiu a natureza humana. Por essa razão, é melhor dizer que o Verbo se fez carne, do que dizer que Deus se fez homem. Ao mesmo tempo, devemos lembrar que cada uma das pessoas divinas agiu na encarnação, Mt 1.20; Lc 1.35; Jo 1.14; At 2.30; Rm 8.3; Gl 4.4; Fp 2.7. Quer dizer também que a encarnação não foi uma coisa que simplesmente aconteceu com o Logos, mas foi uma ativa realização da parte dele. Ao se falar de encarnação em distinção do nascimento do Logos, dá-se ênfase à Sua participação ativa neste fato histórico, e se pressupõe a Sua preexistência. Não é possível falar da encarnação de alguém que não teve existência prévia. Esta preexistência é claramente ensinada na Escritura: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”, Jo 1.1. “eu desci do céu”, Jo 6.38. “Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que pela sua pobreza vos tornásseis ricos”, 2 Co 8.9. “pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens”, Fp 2.6, 7. “Vindo, pois, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho”, Gl 4.4. O preexistente Filho de Deus assume a natureza humana e se reveste de carne e sangue humanos, um milagre que ultrapassa o nosso limitado entendimento. Isto mostra claramente que o infinito pode entrar em relações finitas, e de fato entra, e que, de algum modo, o sobrenatural pode entrar na vida histórica do mundo.
b. A necessidade da encarnação. Desde os dias do escolasticismo, tem-se debatido a questão sobre se a encarnação deve ser considerada como envolvida na idéia da redenção, ou como já envolvida na idéia da criação. Popularmente exposta, a questão era se o Filho de Deus poderia ter vindo em carne mesmo que o homem não tivesse caído em pecado. Rupert de Deutz foi o primeiro a afirmar clara e positivamente que Ele se encarnaria independentemente do pecado. Seu conceito foi compartilhado por Alexandre de hales e Duns Scotus, mas Tomaz de Aquino tomou a posição de que a razão da encarnação está na entrada do pecado no mundo. Os reformadores partilham este conceito, e as igrejas da Reforma ensinam que a encarnação foi tornada necessária pela queda do homem. Contudo, alguns especialistas luteranos e reformados (calvinistas), como Osiander, Rothe, Dorner, Lange, Van Oosterzee, Martensen, Ebrad e Westcott, tinham a opinião contrária. Os argumentos aduzidos por eles eram como se segue: Um fato estupendo como a encarnação não pode ser contingente, e não pode ter a sua causa no pecado como um ato acidental e arbitrário do homem. Deve ter sido incluído no plano original de Deus. A religião anterior e posterior à Queda não pode ser essencialmente diferente. Se é necessário um Mediador agora, deve ter sido necessário também antes da Queda. Além disso, a obra realizada por Cristo não se limita à expiação e às suas operações salvíficas. Ele é o mediador, mas também o Chefe, a Cabeça; é n!ao somente o arché (princípio), mas também o telos (fim) da criação, 1 Co 15.45-47; Ef 1.10, 21-23; 5.31, 32; Cl 1.15-17.
Todavia, deve-se notar que a escritura invariavelmente representa a encarnação como condicionada pelo pecado humano. Não se pode eliminar facilmente a força de passagens como Lc 19.10; Jo 3.16; Gl 4.4; 1 Jo 3.8; Fp 2.5-11. A idéia às vezes expressa de que a encarnação era em si mesma conveniente e necessária para Deus, pode levar à noção panteísta de uma auto-revelação eterna de Deus no mundo. A dificuldade ligada ao plano de Deus, dificuldade que se supõe pesar sobre este conceito, não existirá se considerarmos o assunto sub specie aeternitatis (na perspectiva da eternidade). Não há senão um só plano de Deus, e este plano inclui, desde o início último, o pecado do homem e a encarnação do Verbo. Em última análise, como é natural, a encarnação, como também toda a obra de redenção, dependia, não do pecado, mas do beneplácito de Deus. Não é preciso negar que Cristo tem também significação cósmica, mas esta não se acha ligada à Sua significação redentora, em Ef 1.10, 20-23; Cl 1.14-20.
c. A mudança efetuada na encarnação. Quando se nos diz que o Verbo se fez carne, não significa que o Verbo deixou de ser o que era antes. Quanto ao Seu Ser essencial, o Logos era exatamente o mesmo, antes e depois da encarnação. O verbo egeneto, em Jo 1.14 (o Verbo se fez carne), certamente não significa que o Logos se transformou em carne, alterando assim a Sua natureza essencial, mas simplesmente que Ele contraiu aquele caráter particular, que Ele adquiriu uma forma adicional, sem de modo algum mudar a Sua natureza original. Ele continuou sendo o infinito e imutável Filo de Deus. Ademais, a afirmação de que o Verbo se fez carne não significa que Ele se revestiu de uma pessoa humana, nem, por outro lado, que Ele apenas se revestiu de uma pessoa humana, nem, por outro lado, que Ele apenas se revestiu de um corpo humano. A palavra sarx (carne) aqui denota a natureza humana, que consiste de corpo e alma. A palavra é empregada num sentido um tanto similar em Rm 8.3; 1 Tm 3.16; 1 Jo 4.2; 2 Jo 7 (comp. Fp 2.7).
d. A encarnação fez de Cristo um membro da raça humana. Em oposição aos ensinos dos anabatistas, a nossa Confissão afirma que Cristo assumiu a Sua natureza humana da substancia da Sua mãe. A opinião predominante entre os anabatistas era que o Senhor trouxe do céu a Sua natureza humana, e que Maria foi apenas o conduto ou canal pelo qual a natureza humana passou. Segundo este conceito, a Sua natureza humana foi realmente uma nova criação, semelhante à nossa, mas não organicamente ligada à nossa. Logo se verá a importância de opor-nos a esse conceito. Se a natureza humana de Cristo não derivou do mesmo tronco que a nossa, mas apenas se assemelhou a ela, não existe aquela relação entre nós e Ele que é necessária para tornar a Sua mediação eficaz para o nosso bem.
e. A encarnação efetuada por uma concepção sobrenatural e um nascimento virginal. A nossa Confissão afirma que a natureza de Cristo foi “concebida no ventre da bendita virgem Maria pelo poder do Espírito Santo, sem o concurso do homem”. Isto salienta o fato de que o nascimento de Cristo absolutamente não foi um nascimento comum, mas, sim, um nascimento sobrenatural, em virtude do qual Ele foi chamado “Filho de Deus”. O elemento mais importante, com relação ao nascimento de Jesus, foi a operação sobrenatural do Espírito Santo, pois só por este meio foi possível o nascimento virginal. A Bíblia se refere a esta característica em Mt 1.18-20; Lc 1.34, 35; Hb 10.5. A obra do Espírito Santo concernente à concepção de Jesus foi dupla: (1) Ele foi a causa eficiente do que foi concebido no ventre de Maria, e assim excluiu a atividade do homem como fator eficiente. Isso está em completa harmonia com o fato de que a pessoa que nasceu não era uma pessoa humana, mas a pessoa do Filho de Deus que, como tal, não estava incluída na aliança das obras e estava livre da culpa do pecado. (2) Ele santificou a natureza humana de Cristo logo no início, e assim a manteve livre da corrupção do pecado. Não podemos dizer exatamente como pó Espírito realizou esta obra santificadora, porque até hoje não se sabe bem como a corrupção do pecado passa ordinariamente de pai para filho. Deve-se notar, porém, que a influencia santificante do Espírito Santo não se limitou à concepção de Jesus, mas teve continuidade por toda a Sua vida, Jo 3.34; Hb 9.14.
Foi somente pela sobrenatural concepção de Cristo que Ele pôde nascer de uma virgem. A doutrina do nascimento virginal baseia-se nas seguintes passagens da Escritura: Is 7.14; Mt 1.18, 20; Lc 1.34, 35, e também é favorecida por Gl 4.4. Esta doutrina foi confessada na igreja desde os primeiros tempos. Já a encontramos mas formas originais da confissão apostólica e, posteriormente, em todas as grandes confissões das igrejas protestantes e do catolicismo romano. Sua rejeição atual não se deve à falta de provas bíblicas, nem à falta de sanção eclesiástica, mas à corrente aversão geral pelo sobrenatural. As passagens da Escritura em que se baseia a doutrina são simplesmente repudiadas com bases críticas que estão longe de convincentes; e isso a despeito do fato de que a integridade das narrativas está comprovadamente fora e além de contestação; e se admite gratuitamente que o silêncio dos outros escritores do Novo testamento com relação ao nascimento virginal prova que eles nada saibam do suposto fato do nascimento virginal prova que eles nada sabiam do suposto fato do nascimento miraculoso. Todas as espécies de tentativas engenhosas são feitas para explicar como o conto do nascimento virginal surgiu e conquistou aceitação geral. Alguns buscam a explicação nas tradições dos hebreus, outros, nas dos gentios. Não podemos entrar numa discussão deste problema aqui, e, portanto, meramente nos reportamos a obras como as seguintes: Marchen, The Virgin Birth of Christ (O nascimento Virginal de Cristo); Orr, The Virgin Birth of Christ; Sweet, The Birth and Infancy of Jesus Christ (O Nascimento e a Infância de Jesus Cristo); Cooke, Did Paul Know the Virgin Birth? Será que Pulo Sabia do nascimento Virginal?), Knowling, The Virgin Birth.
Às vezes perguntam se o nascimento virginal é matéria de importância doutrinária. Brunner declara que não tem o mínimo interesse pelo assunto. Ele rejeita a doutrina do nascimento milagroso de Cristo e sustenta que foi puramente natural, mas não está suficientemente interessado em defender extensamente a sua opinião. Além disso, ele diz: “A doutrina do nascimento virginal teria sido abandonada há muito tempo, não fosse o fato de, ao que parece, haver interesses dogmáticos preocupados com a sua manutenção”.[3] Barth reconhece o milagre do nascimento virginal, e vê nele um sinal do fato de que Deus estabeleceu criadoramente um novo princípio condescendendo em fazer-se homem.[4] Ele vê também no nascimento virginal importância doutrinária. Segundo ele, a “herança do pecado”é transmitida pelo pai, de modo que Cristo pode assumir a “criaturidade” nascendo de Maria e, ao mesmo tempo, escapar da “herança do pecado”pela eliminação do pai humano.[5] Em resposta à indagação se o nascimento virginal tem importância doutrinária, pode-se dizer que é inconcebível que Deus fizesse Cristo nascer desse modo tão extraordinário, se isto não atendesse a algum propósito. Pode-se expor o seu propósito doutrinário como se segue: (1) Era mister que Cristo se constituísse o Messias e o messiânico Filho de Deus. Conseqüentemente, era necessário que Ele nascesse de mulher, mas também que não fosse fruto da vontade do homem, mas nascesse de Deus. O que é nascido da carne é carne. Com toda a probabilidade, este maravilhoso nascimento de Jesus estava na mente de João quando ele escreveu o que está em Jo 1.13. (2) Se Cristo fosse gerado por um homem, seria uma pessoa humana, incluída na aliança das obras, e, como tal, partilharia da culpa comum da humanidade. Mas, visto que o Seu sujeito, o Seu ego, a Sua pessoa, não provém de Adão, Ele não está na aliança das obras e está livre da culpa do pecado. E estando livre da culpa do pecado, a Sua natureza também pôde ser mantida livre da corrupção do pecado, antes e depois do Seu nascimento.
f. A encarnação propriamente dita, uma parte da humilhação de Cristo. Será a encarnação uma parte da humilhação de Cristo, ou não? Os luteranos, com a sua distinção entre a incarnatio e a exinanitio, negam que o seja, e baseiam a sua negação no fato de que a humilhação de Cristo limitou-se à Sua existência terrena, ao passo que a Sua humanidade continua no céu. Ele tem ainda a sua natureza humana e todavia, não se acha mais num estado de humilhação. Havia alguma diferença de opinião sobre este ponto mesmo entre os teólogos reformados (calvinistas). Ao que parece, esta questão deve ser resolvida com discriminação. Pode-se dizer que a encarnação, totalmente no abstrato, o mero fato de que Deus em Cristo assumiu a natureza humana, apesar de ser um ato de condescendência, não foi em si mesma uma humilhação, embora Kuyper ache que foi.[6] Mas certamente constitui humilhação o fato de o Logos assumir a “carne”, isto é, a natureza humana como esta é desde a Queda, enfraquecida e sujeita ao sofrimento e à morte, embora isenta da mancha do pecado. Isto parece estar implícito em passagens como Rm 8.3; 2 Co 8.9; Fp 2.6, 7.
2. OS SOFRIMENTOS DO SALVADOR. Vários pontos devem ser salientados com relação aos sofrimentos de Cristo.
a. Ele sofreu durante toda a Sua vida. Em vista do fato de que Jesus começou a falar dos Seus sofrimentos vindouros quando já se aproximava o fim da Sua vida, muitas vezes somos inclinados a julgar que as Suas agonias finais constituem os Seus sofrimentos completos. Contudo, toda a Sua vida foi uma vida de sofrimentos. Foi uma vida de servo, a do Senhor dos Exércitos, a vida do único ser humano sem pecado, na diária companhia de pecadores, e a vida do Santo num mundo amaldiçoado pelo pecado. O caminho da obediência foi para Ele, ao mesmo tempo, um caminho de sofrimento. Ele sofreu com as repetidas investidas de Satanás, com o ódio e a incredulidade do Seu povo, e com a perseguição dos Seus inimigos. Visto que Ele pisou sozinho o lagar, a Sua solidão só tinha que ser deprimente e o Seu senso de responsabilidade, esmagador. Seu sofrimento foi um sofrimento consagrado, e cada vez mais atroz, conforme o fim se aproximava. O sofrimento iniciado na encarnação, chegou finalmente ao clímax na passio magna (grande paixão) no fim da Sua vida. Foi quando pesou sobre Ele toda a ira de Deus contra o pecado.
b. Sofreu no corpo e na alma. Houve tempo em que a atenção geral se fixava exclusivamente nos sofrimentos corporais do Salvador. Não foi uma simples dor física, como tal, que constitui a essência do Seu sofrimento, mas essa dor acompanhada de Angústia de alma e da consciência mediatária do pecado da humanidade que pesava sobre Ele.l mais tarde se tornou costumeiro subestimar a importância dos sofrimentos corporais, uma vez que achavam que, a natureza espiritual, só podia ser expiado por sofrimentos puramente espirituais. Esses conceitos unilaterais devem ser evitados. Tanto o corpo como a alma foram afetados pelo pecado, e a punição tinha que atingir ambos. Além disso, a Bíblia ensina claramente que Cristo sofreu em ambos. Ele agonizou no jardim, onde a Sua alma esteve “profundamente triste até a morte”, e também Ele foi esbofeteado, açoitado e crucificado.
c. Seus sofrimentos resultaram de várias causas. Em última análise, todos os sofrimentos de Cristo resultaram do fato de que Ele tomou o lugar dos pecadores vicariamente. Mas podemos discernir várias causas próximas, como: (1) O fato de que Ele , que era o Senhor do Universo, teve que ocupar uma posição subalterna, sim, a posição de servo cativo, ou escravo, e Aquele que tinha inerentemente o direito de exercer mando, ficou com a obrigação de obedecer. (2) O fato de que Aquele que era puro e santo, teve que viver numa atmosfera pecaminosa e corrupta, diariamente na companhia de pecadores, e os pecados do Seus contemporâneos constantemente O lembravam da enormidade da culpa que pesava sobre Ele. (3) Sua perfeita noção e clara antecipação, desde o início da Sua vida, dos sofrimentos extremos que, por assim dizer, o esmagariam no fim. Ele sabia exatamente o que estava para vir, e a perspectiva estava longe de ser animadora. (4) Finalmente, também as privações da vida, as tentações do diabo, o ódio e rejeição do povo, e os maus tratos e perseguições a que esteve sujeito.
d. Seus sofrimentos foram únicos. Às vezes falamos dos sofrimentos “ordinários” ou “comuns” de Cristo quando pensamos naqueles sofrimentos que resultaram das causas ordinárias das misérias do mundo. Mas devemos lembrar-nos de que essas causas são muito mais numerosas para o Salvador que para nós. Além disso, mesmo estes sofrimentos comuns tinham um caráter extraordinário no caso dele, e, portanto, foram únicos, singulares. A Sua capacidade para o sofrimento era proporcional ao caráter da Sua humanidade, à Sua perfeição ética e ao Seu senso de justiça, santidade e verdade. Ninguém poderia sentir como Jesus sentia a dureza da dor, da tristeza e do mal moral. Mas, além destes sofrimentos mais comuns, havia também os sofrimentos causados pelo fato de que Deus fez com que as nossas iniqüidades viessem sobre Ele qual torrente. Os sofrimentos do Salvador não eram puramente naturais, mais também o resultado de uma ação positiva de Deus, Is 53.6, 10. Juntamente com os sofrimentos mais extraordinários do Salvador devem ser computadas as tentações no deserto e as agonias no Getsêmani e no Gólgota.
e. Seus sofrimentos nas tentações. As tentações de Cristo são parte integrante dos Seus sofrimentos. Essas tentações se acham na vereda do sofrimento, Mt 4.1-11 (e paralelas); Lc 22.28; Jo 12.27; Hb 4.15; 5.7,8. Seu primeiro público iniciou-se com um período de tentação, e mesmo após esse período as tentações se repetiam, a intervalos, culminando no trevoso Getsêmani. Só penetrando empaticamente nas provações dos homens em suas tentações, Jesus poderia ser o Sumo Sacerdote compassivo que foi e atinge as culminâncias da perfeição provada e triunfante, Hb 4.15; 5. 7-9. Não podemos pôr em dúvida a realidade das tentações de Jesus como o último Adão, por mais difícil que seja conceber que alguém que não podia pecar fosse tentado. Várias sugestões têm sido feitas para dirimir a dificuldade, como, por exemplo, que na natureza humana de Cristo, como na do primeiro Adão, havia a nuda possibilitas peccandi, a possibilidade puramente abstrata de pecar (Kuyper); que a santidade de Jesus era santidade ética, que tinha que se desenvolver altamente por meio da tentação e em meio a esta manter-se (bavinck); e que as coisas com as quais Cristo foi tentado eram em si mesmas perfeitamente legítimas, e exerciam atração sobre instintos e apetites perfeitamente naturais (Vos). Mas, a despeito disso tudo, permanece o problema: Como foi possível que Aquele que, in concreto,isto é, como Ele era realmente constituído, não podia pecar, não podia sequer ter alguma inclinação para pecar, e, não obstante esteve sujeito a verdadeira tentação?
3. MORTE DO SALVADOR. Os sofrimentos do Salvador culminaram finalmente em Sua morte. Neste contexto devemos dar ênfase aos seguintes pontos:
a. A extensão da Sua morte. É simplesmente natural que, quando falamos da morte de Cristo neste contexto, temos em mente primeiro e acima de tudo a morte física, isto é, a separação de corpo e alma. Ao mesmo tempo, devemos lembrar que isto não esgota a idéia da morte apresentada na Escritura. A Bíblia faz uma conceituação sintética da morte, e considera a morte física apenas como uma das suas manifestações. A morte é a separação de Deus, mas esta separação pode ser vista de duas maneiras diversas. O homem se separa de Deus pelo pecado, e a morte é o resultado natural, de modo que até se pode dizer que o pecado é a morte. Mas não dessa maneira que Jesus se tornou sujeito à morte, visto que Ele não tinha nenhum pecado pessoal. Com relação a isto, deve-se ter em mente que a morte não é meramente a conseqüência natural do pecado, mas é, acima de tudo, a punição do pecado, punição judicialmente imposta e infligida. É a ação pela qual Deus se retira do homem com todas as bênçãos de vida e felicidade, e visita o homem com ira. É segundo este ponto de vista judicial que se deve considerar a morte de Cristo. Deus impôs judicialmente a sentença de morte ao Mediador, desde que Este se incumbiu voluntariamente de cumprir a pena do pecado da raça humana. Uma vez que Cristo assumiu a natureza humana com todas as suas fraquezas, como ela existe desde a Queda, e assim se fez semelhante a nós em todas as coisas, com a exceção única do pecado, segue-se que a morte operou nele desde o princípio e se manifestou em muitos dos sofrimentos aos quais Ele esteve sujeito. Ele era um homem de dores e sabia o que é padecer. O catecismo de Heidelberg diz acertadamente que “todo o tempo em que Ele viveu na terra, mas especialmente no fim da Sua vida, Ele suportou, no corpo e na alma, a ira de Deus contra o pecado de toda a raça humana”.[7] Estes sofrimentos foram seguidos por Sua morte na cruz. Mas isso não foi tudo; Ele esteve sujeito, não somente à morte física mas também à morte eterna, se bem que sofreu esta intensiva, e não extensivamente, quando agonizou no jardim e quando bradou na cruz, “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Num curto período de tempo, Ele suportou a ira infinita contra o pecado até o fim, e saiu vitorioso. Isto somente Lhe foi possível graças à sua natureza exaltada. Neste ponto, porém, devemos resguardar-nos contra algum entendimento errôneo. No caso de Cristo, a morte eterna não consiste numa abrogação da união do Logos com a natureza humana, nem num abandono da natureza divina por parte de Deus, nem em retirar o pai o Seu divino amor ou o Seu beneplácito da pessoa do mediador. O Logos permaneceu unido à natureza humana, mesmo quando o corpo estava no túmulo; a natureza divina absolutamente não podia ser desamparada por Deus; e a pessoa do Mediador foi e continuou sendo sempre objeto do favor divino. A morte eterna revelou-se na consciência humana do Mediador como um sentimento do desamparo de Deus. Isto implica que a natureza humana perdeu por um momento divino, bem como a percepção do amor divino, e esteve dolorosamente cônscia da plenitude da ira divina que pesava sobre ela. Contudo, não houve desespero, pois, mesmo na hora mais trevosa, enquanto exclama que está desamparado, dirige Sua oração a Deus.
b.O caráter judicial de Sua morte. Era deveras essencial que Cristo não sofresse morte natural, nem acidental, e que não morresse pelas mãos de um assassino, mas sob sentença judicial. Ele tinha que ser contado com os transgressores e condenado como criminosos. Além disso, Deus dispôs providencialmente que o Mediador fosse julgado e sentenciado por um juiz romano. Os romanos tinham talento para a lei e a justiça, e representavam o poder judicial mais alto do mundo. Poder-se-ia esperar que o julgamento perante um juiz romano serviria para demonstrar claramente a inocência de Jesus, o que de fato aconteceu, para que ficasse absolutamente claro que Ele não foi condenado por nenhum crime cometido por Ele. Isto dá testemunho do fato de que, como diz o Senhor, Ele “foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo foi ele ferido”. E quando o juiz romano, não obstante, condenou o inocente, ele é verdade, também se condenou a justiça humana como ele a aplicara, mas, ao mesmo tempo, impôs sentença a Jesus na qualidade de representante do mais elevado poder judicial do mundo, exercendo as suas funções pela graça de Deus e ministrando a justiça em nome de Deus. A sentença de Pilatos foi também sentença de Deus, embora sobre bases inteiramente diferentes. É também significativo que Jesus não foi decapitado, nem mortalmente apedrejado. A crucificação não era uma forma judaica de castigo, mas, sim, romana. Era considerada tão infame e ignominiosa, que não podia ser aplicada a cidadãos romanos, mas somente à escória da humanidade, aos escravos e criminosos mais indignos. Sofrendo esse tipo de morte, Jesus satisfez as extremas exigências da lei. Ao mesmo tempo, padeceu morte amaldiçoada, e assim provou que se fez maldição por nós, Dt 21.23; Gl 3.13.
4. O SEPULTAMENTO DO SALVADOR. Poderia parecer que a morte de Cristo foi o derradeiro estágio da Sua humilhação, principalmente em vista de uma das suas últimas palavras na cruz: “Está consumado”. Mas, com toda a probabilidade, esse pronunciamento se refere ao Seu sofrimento ativo, isto é, ao sofrimento no qual Ele teve parte ativa. Este de fato se consumou quando Ele morreu. É evidente que o Seu sepultamento também fez parte de Sua humilhação. Note-se especialmente o seguinte: (a) Voltar o homem ao pó, do qual fora tomado, é descrito na escritura como parte da punição do pecado, Gn 3.19; (b) Diversas declarações da escritura implicam que a permanência do Salvador na sepultura foi uma humilhação, Sl 16.10; At 2.27, 31; 13.34, 35. Foi uma descida ao hades, em si mesmo sombrio e lúgubre, lugar de corrupção, se bem que ele foi guardado da corrupção; (c) Ser sepultado é ir para baixo, e, portanto, uma humilhação. O sepultamento dos cadáveres foi ordenado por Deus para simbolizar a humilhação do pecador. Há um certo acordo entre os estágios da obra objetiva de redenção e a ordem da aplicação subjetiva da obra de Cristo. A Bíblia fala do pecador sendo sepultado com Cristo. Pois bem, isso tem que ver com o despojamento do homem velho, e não do revestimento do novo, cf. Rm 6.1-6. Conseqüentemente, o sepultamento de Jesus também faz parte da Sua humilhação. Além disso, o sepultamento de Jesus não serve apenas para provar que Jesus estava realmente morto, mas também para remover os terrores do sepulcro para os remidos e santifica-lo para eles.
5. A DESCIDA DO SALVADOR AO HADES.
a. Esta doutrina na Confissão Apostólica (Credo). Depois de mencionar os sofrimentos, a morte e o sepultamento do Senhor, a Confissão prossegue com estas palavras: “Desceu ao inferno (hades)”. Esta afirmação não é um artigo tão antigo nem tão universal do Credo como os demais. Foi usada pela primeira vez na forma do Credo de Aquiléia (cerca de 390 A. D.), “descendit in inferna”. Entre os gregos, alguns traduziram “inferno” por “hades”, e outros por “partes inferiores”. Algumas formas de Credo, nas quais se acham essas palavras, não mencionam o sepultamento e omitem a descida ao hades. Rufino observa que elas contêm a idéia da descida nas palavras “foi sepultado”. Mais tarde, porém, a forma romana do Credo acrescentou o artigo em questão após sua menção do sepultamento. Calvino argumenta acertadamente que para aqueles que as acrescentaram após a expressão “foi sepultado”, elas só tinham que denotar uma coisa adicional.[8] Deve-se ter em mente que essas palavras não se acham na escritura, e não se baseiam em proposições diretas da Bíblia como se dá com os restantes artigos do Credo.
b. Base Bíblica para a expressão. Há especialmente quatro passagens que entrarão em consideração aqui. (1) Ef. 4.9, “Ora, que quer dizer subiu, senão que também havia descido até às regiões inferiores da terra? Os que procuram apoio nesta passagem tomam a expressão “regiões inferiores da terra” como equivalente de “hades”. Mas esta é uma interpretação duvidosa. O apóstolo argumenta que a subida de Cristo pressupõe uma descida. Ora, o oposto da ascensão é a encarnação, cf. Jo 3.13. Daí, a maioria dos comentadores entende que a expressão se refere simplesmente à terra. A expressão pode derivar de Sl 139.15 e se refere mais particularmente à encarnação. (2) 1 Pe 3.18, 19, que fala de Cristo como estando “morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão”. Supõe-se que esta passagem se refere à descida ao hades e visa a declarar o propósito dessa descida. O espírito ali referido é então entendido como sendo a alma de Cristo, e a pregação mencionada terá que ter tido lugar entre a Sua morte e a Sua ressurreição. Mas, tanto uma coisa como a outra são impossíveis. O Espírito mencionado não é a alma de Cristo, mas o Espírito vivificante, e foi com esse mesmo Espírito que dá vida que Cristo pregou. A interpretação comum que os protestantes fazem desta passagem é que, no Espírito, Cristo pregou por meio de Noé aos desobedientes que viveram antes do dilúvio, que eram espíritos em prisão quando Pedro escreveu, podendo ele, pois, denomina-los desse modo. Bavinck considera isso insustentável e interpreta a passagem como se referindo à ascensão, que ele considera uma rica, triunfante e poderosa pregação aos espíritos em prisão.[9] (3) 1 Pe 4.4-6, particularmente o versículo 6, redigido como segue: “Pois, para este fim foi o evangelho pregado também a mortos, para que, mesmo julgados na carne segundo os homens, vivam no espírito segundo Deus”. Neste contexto o apóstolo admoesta os leitores a que não vivam o restante de suas vidas na carne para as luxúrias dos homens, mas para a vontade de Deus, mesmo que com isso ofendam os seus ex-companheiros e sejam ultrajados por eles, visto que eles terão que prestar contas dos seus feitos a Deus, que está pronto a julgar os vivos e os mortos. Os “mortos” a quem o Evangelho foi pregado, evidentemente não estavam mortos ainda quando ouviram a sua pregação, visto que o propósito dessa pregação era, em parte, que fossem “julgados na carne segundo os homens”. Isso só poderia acontecer durante a vida deles na terra. Com toda a probabilidade, o escritor se refere aos mesmos espíritos dos quais fala no capítulo anterior. (4) Sl 16.8-10 (comp. At 2.25-27, 30, 31). É especialmente o versículo 10 que entra em consideração aqui: “Pois não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção”. Desta passagem Pearson conclui que a alma de Cristo esteve no inferno (hades) antes da ressurreição, pois se nos diz que ela não foi deixada lá.[10]
Mas devemos notar o seguinte: (a) A palavra nephesh (alma) é muitas vezes empregada no hebraico pelo pronome pessoal, e sheol, pelo estado de morte. (b) Se entendermos assim essas palavras aqui, teremos um claro paralelismo sinonímico. A idéia expressa seria a de que Jesus não foi deixado sob o poder da morte. (c) Isso está em perfeita harmonia com a interpretação feita por Pedro em At 2.30, 31, e por Paulo em At 13.34, 35. Em ambos os casos o Salmo é citado para provar a ressurreição de Jesus.
c. Diferentes interpretações da expressão do Credo. (1) A Igreja Católica Romana a entende no sentido de que, após a Sua morte, Cristo foi para o Limbus Patrum (Limbo dos pais), onde os santos do Velho Testamento estavam aguardando a revelação e aplicação da Sua obra redentora, pregou-lhes o Evangelho e os levou para o céu. (2) Os luteranos consideram a descida ao hades como o primeiro estágio da exaltação de Cristo. Cristo foi ao mundo inferior para revelar e consumar a Sua vitória sobre Satanás e sobre os poderes das trevas, e para pronunciar a sentença de condenação deles. Alguns luteranos localizam essa marcha triunfal entre a morte de Cristo e Sua ressurreição; outros, após a ressurreição. (3) A Igreja da Inglaterra sustenta que, enquanto o corpo de Cristo estava no túmulo, a alma foi ao hades, mais particularmente ao paraíso, a habitação das almas dos justos, e lhes fez uma exposição mais completa da verdade. (4) Calvino interpreta a frase metaforicamente, [11] entendendo que se refere aos sofrimentos penais de Cristo na cruz, onde Ele sofreu realmente as angústias do inferno. A interpretação do catecismo de Heidelberg é parecida.[12] Segundo a posição reformada (calvinista) usual, as palavras se referem não somente aos sofrimentos de Cristo na cruz, mas também às agonias do Getsêmani. (5) A Escritura certamente não ensina uma descida literal ao inferno. Além disso, há sérias objeções a esse conceito. Ele não pode ter descido ao inferno quanto ao corpo, pois este se achava no sepulcro. Se Ele desceu realmente ao inferno, só pode ter sido quanto à Sua alma, o que significaria que somente a metade da Sua natureza humana teve participação nesse estágio da Sua humilhação (ou exaltação). Ademais, enquanto Cristo não ressurgisse dos mortos, não teria chegado ainda a ocasião para a marcha triunfal, como os luteranos supõem. E, finalmente, na hora da Sua morte Cristo encomendou Seu espírito ao Seu Pai. Isto parece indicar que Ele esteve passivo, e não ativo, desde a hora da Sua morte até quando saiu do túmulo. De modo geral, parece melhor combinar dois pensamentos: (a) que Cristo sofreu as angústias do inferno antes da Sua morte, no Getsêmani e na cruz; e (b) que Ele adentrou a mais profunda humilhação do estado de morte.



[1] Cf. Kuyper, Dict. Dogm., De Christo II, p. 59 e segtes.
[2] Cf. McPherson, Chr. Dogm.,p. 322; Valentine, Chr. Theol.II, p.88.
[3] The Mediator,p. 324.
[4] The doctrine of the Word of God, p. 556; Credo, p. 63 e segtes.; Revelation, p. 65,66.
[5] Credo, p. 70,71.
[6] De Christo II, p. 68 e segtes.
[7] Perg. 37.
[8] Inst., Livro II. XVI, 8; cf. também Pearson, ON the Creed.
[9] Geref. Dogm III, p. 547. para mais outra interpretação, cf. Brow, Comm. On Peter, in loco.
[10] Expos. Of the Creed, in loco.
[11] Inst., Livro II, XVI, 8 e segtes.
[12] Perg. 44.

Lição 06 – O Estado de Exaltação




B. Os Estágios do Estado de Exaltação.

1. A RESSURREIÇÃO.
a. Natureza da ressurreição. A ressurreição de Cristo não constituiu no mero fato de que Ele retornou à vida, dando-se a reunião do corpo e a alma. Se isso fosse tudo que ela envolveu, Cristo não poderia ser chamado “as primícias dos que dormem”, 1 Co 15.20, nem “o primogênito de entre os mortos”, Cl 1.18; Ap 1.5, dando que outros foram devolvidos à vida antes dele. Sua ressurreição consistiu, antes, em que nele a natureza humana, o corpo e a alma, foi restaurada à sua prístina força e perfeição e até mesmo elevada a um nível superior, enquanto que o corpo e a alma foram reunidos num organismo vivo. Da analogia da mudança que, de acordo com a escritura, ocorre no corpo de cada crente na ressurreição geral, podemos deduzir algo quanto à transformação que deve ter-se dado com Cristo. Diz-nos Paulo em 1 Co 15.42-44 que os corpos futuros dos crentes serão incorruptíveis, isto é, não terão possibilidade de sofrer decadência; gloriosos,o que significa que esplenderão de fulgor celestial; poderosos,isto é, cheios de energia e, talvez, de novas faculdades; e espirituais, o que não significa imateriais ou etéreos, mas adaptados aos seus respectivos espíritos, cada corpo sendo um perfeito instrumento do espírito. Da narrativa dos evangelhos, aprendemos que o corpo de Jesus passou por notável mudança, de modo que Ele não podia ser facilmente reconhecido e podia aparecer e desaparecer de repente, de maneira surpreendente, Lc 24.31; 36; Jo 20.13, 19; 21.7; mas era, não obstante, um corpo material e muito real, Lc 24.39. Isto não entra em conflito com 1 Co 15.50, pois “carne e sangue” é uma descrição da natureza em seu atual estado material, mortal e corruptível. Mas a mudança que se dá nos crentes não é somente corpórea, mas também espiritual. Semelhantemente, não houve apenas uma mudança física em Cristo, mas também uma mudança psíquica. Não podemos dizer que ocorreu nele alguma mudança religiosa ou ética; mas Ele foi revestido de novas qualidades, perfeitamente ajustadas ao Seu futuro ambiente celestial. Por intermédio da ressurreição, Ele se tornou o espírito vivificante, 1 Co 15.15. A ressurreição de Cristo tem significação tríplice: (1) Constituiu uma declaração do pai de que o último inimigo tinha sido vencido, a pena tinha sido cumprida, e tinha sido satisfeita a condição em que a vida fora prometida; 2) Foi um símbolo daquilo que estava destinado a suceder aos membros do corpo místico de Cristo em sua justificação, em seu nascimento espiritual e em sua bendita ressurreição futura, Rm 6.4, 5, 9; 8.11; 1 Co 6.14; 15.20-22; 2 Co 4.10, 11, 14; Cl 2.12; 1 Ts 4.14; (3) relacionou-se também instrumentalmente com a justificação, a regeneração e a ressurreição final dos crentes, Rm 4.25; 5.10; Ef 1.20; Fp 3.10; 1 Pe 1.3.
b. O autor da ressurreição. Em distinção dos outros que ressuscitaram dos mortos, Cristo ressurgiu por Seu próprio poder. Ele falou de Si mesmo como a ressurreição e a vida, Jo 11.25, declarou que tinha o poder de entregar a Sua vida e de retoma-la, Jo 10.18, e até predisse que reedificaria o templo do Seu corpo, Jo 2.19-21. Mas a ressurreição não foi uma realização unicamente de Cristo; freqüentemente é atribuída, na escritura, ao poder de Deus em geral, At 2.24; 32; 3.26; 5.30; 1 Co 6.14; Ef 1.20, ou mais particularmente, ao pai, Rm 6.4; Gl 1.1; 1 Pe 1.3. E se a ressurreição pode ser chamada obra de Deus, segue-se que o Espírito Santo também agiu nela, pois todas as opera ad extra (obras divinas externas à Trindade) são obras do Trino Deus. Ademais, em Rm 8.11 isso também está implícito.
c. Objeções à doutrina da ressurreição. Uma grande objeção à doutrina da ressurreição física de Cristo é que após a morte o corpo se desintegra, e as várias partículas das quais se compõe entram na composição doutros corpos – vegetais, animais e humanos. Daí é impossível devolver essas partículas a todos os corpos dos quais, no transcurso do tempo, fizeram parte. Macintosh pergunta: “Que houve com os átomos de carbono, oxigênio, nitrogênio, hidrogênio e outros elementos que compunham o corpo de Jesus?”[4] Ora, admitimos que a ressurreição desafia a sua explicação. É um milagre. Mas, ao mesmo tempo, devemos ter em mente que a identidade de um corpo ressurreto com o corpo que descera à tumba não exige que ambos sejam compostos exatamente das mesmas partículas. A composição dos nossos corpos muda constantemente, e, todavia eles, conservam a sua identidade. Paulo, e, 1 Co 15, sustentava a identidade essencial do corpo que desce à sepultura com aquele que ressuscita, mas também declara enfaticamente que a forma sofre mudança. O que semeia no solo passa por um processo de morte, e depois é vivificado; mas, quanto à forma, o grão que ele enterra não é o mesmo que ele vem a colher no devido tempo. Deus dá a cada semente um corpo que lhe é próprio. É assim também na ressurreição dos mortos. Pode ser que haja algum núcleo, algum germe, que constitui a essência do corpo e preserva a sua identidade. A argumentação de Paulo em 1 Co 15.35-38 parece implicar algo dessa ordem.[5] Deve-se ter em mente que a real, a fundamental objeção à ressurreição, é o caráter sobrenatural desta. O que se interpõe no caminho da sua aceitação não é a falta de prova, mas sim, o dogma fundamental de que os milagres não podem acontecer. Mesmo eruditos modernistas admitem que nenhum fato tem melhor atestado que a ressurreição de Cristo – embora, naturalmente, outros o neguem. Diz o dr. Rasdall: “Fosse o testemunho cinqüenta vezes mais forte do que é, qualquer hipótese seria mais possível do que essa”. Contudo, no presente, muitos cientistas eminentes declaram que não se acham em condições de dizer que os milagres não podem acontecer.
d. Tentativas de explicar o fato da ressurreição, negando-a Em sua negação, os anti-supernaturalistas sempre vão contra a narrativa da ressurreição nos evangelhos. A narrativa do túmulo vazio e das aparições de Jesus após a ressurreição apresenta-lhes um desafio, e eles o aceitam e tentam explicar esses fatos sem aceitar o fato da ressurreição. Eis algumas das mais importantes tentativas:
(1) Teoria da falsidade. Pretende que os discípulos praticaram fraude deliberada, roubando o corpo do túmulo e depois declarando que o Senhor ressuscitara. Os soldados que vigiavam o sepulcro foram instruídos para fazer circular aquela história, e Celso já recorreu a ela para explicar o túmulo vazio. É claro que esta teoria impugna a veracidade das primeiras testemunhas – os apóstolos, as mulheres, os quinhentos irmãos, e outros. Mas é extremamente improvável que os desanimados discípulos tivesses a coragem de impingir tal falsidade ao mundo hostil. É impossível acreditar que tivessem perseverando em meio aos sofrimentos, com uma crua falsidade como essa. Além disso, só o fato da ressurreição de Cristo. Estas considerações logo levaram ao abandono dessa idéia.
(2) A teoria do desmaio. Segundo essa teoria, Jesus não morreu de fato, mas apenas desfaleceu, conquanto se pensasse que Ele estava realmente morto. Mas, naturalmente isto levanta diversas perguntas difíceis de responder. Como se pode explicar que tanta gente se enganou, e que o golpe da lança não matou Jesus? Como é que Jesus, em Seu estado de exaustão, pôde fazer rolar a pedra que tapava o túmulo e depois ir de Jerusalém a Emaús e voltar? Como se explica que os discípulos não O trataram como uma pessoa doente, mas viram nele o poderoso Príncipe da vida? E o que foi feito de Jesus depois disso? Se se eliminar a ressurreição, naturalmente a ascensão também será eliminada. Terá Ele voltado para algum lugar desconhecido, passando em segredo o resto d Sua vida? Tantas são as improbabilidades que pesam sobre essa teoria, que o próprio Strauss a ridicularizava.
(3) Teoria da visão. Esta se apresenta em duas formas: (a) Alguns falam de visões puramente subjetivas. Na excitação do seu estado mental, os discípulos se fixavam tanto no Salvador e na possibilidade do Seu retorno a eles, que por fim pensaram realmente que O viram. A faísca foi lançada pela temperamental e excitável Maria Madalena, e logo a chama se acendeu e se espalhou. Faz tempo que essa teoria vem sendo a favorita, mas ela também está prenhe de dificuldades. Como poderiam surgir essas visões, se os discípulos não esperavam a ressurreição? Como podiam aparecer, quando os discípulos estavam empenhados em suas ocupações comuns, e não estavam entregues à oração ou à mediação? Seria possível o rapto ou êxtase requerido para a produção de visões subjetivas ter começado logo no terceiro dia? Em tais visões, os discípulos não teriam visto Jesus circundando por um halo de glória celestial, ou então exatamente como O tinham conhecido, e desejoso de reatar o companheirismo com eles? Será que alguma vez as visões subjetivas se apresentam simultaneamente a várias pessoas? Como explicar as conversas visionárias? (b) Em vista da extrema fraqueza dessa teoria, alguns eruditos apresentaram uma versão diferente dela. Alegam que os discípulos tiveram visões objetivas reais, miraculosamente enviadas por Deus, para persuadi-los a ir avante com a pregação do Evangelho. Isto de fato evita algumas das dificuldades apresentadas, mas se defronta com outras. Admite o sobrenatural; e, se isso é necessário, pro que não concede a ressurreição, que certamente explica todos os fatos? Além disso, essa teoria nos pede que acreditemos que estas visões enviadas por Deus foram tais, que enganaram os apóstolos. Será que Deus procura realizar os Seus fins por meio de ilusões?
(4) Teorias míticas. Passou a existir uma nova escola mítica que descarta, ou ao menos dispensa, as teorias da visão e da aparição, e procura explicar a “: lenda” da ressurreição com o auxílio de concepções importadas da babilônia e doutros países orientais pelo judaísmo. Essa escola alega, na somente que a mitologia das antigas religiões orientais contém analogias da narrativa da ressurreição, mas também que essa narrativa é realmente oriunda de mitos pagãos. Essa teoria foi elaborada em várias formas, mas é igualmente infundada, em todas as suas formas. É caracterizada por uma grande arbitrariedade em forjar uma relação da narrativa dos evangelhos com mitos pagãos, e não teve êxito em juntá-los. Além disso, demonstra extrema desconsideração para com os fatos, como se acham na escritura.
e. O suporte doutrinário da ressurreição. Surge a questão: Fará alguma diferença crer na ressurreição física de Cristo ou apenas numa ressurreição ideal? Para a teologia modernista, a ressurreição de Jesus não tem nenhuma importância real para a fé cristã, exceto no sentido de uma sobrevivência espiritual.A crença na ressurreição corporal não é essencial, e pode muito bem ser retirada sem afetar a religião cristã. Barth e Brunner são de diferente opinião. Eles crêem no fato histórico da ressurreição, mas sustentam que, como tal, é matéria da história apenas, com a qual o historiador pode lidar com o máximo da sua capacidade, e não como matéria de fé. O elemento importante é que, na ressurreição, o divino irrompe no curso da história, que nela o incógnito de Jesus é retirado, e Deus se revela. O historiador não pode descrever isto, mas o crente o aceita pela fé.
É indubitável que a ressurreição tem suportes doutrinários. Não podemos negar a ressurreição física de Cristo sem impugnar a veracidade dos escritores da escritura, visto que, sem dúvida, eles a descreve como um fato. Quer dizer que afeta a nossa crença na fidedignidade da Escritura. Além disso, a ressurreição de Cristo é descrita como tendo valor de prova. É a prova culminante de que Cristo foi um mestre enviado por Deus (o sinal de Jonas), e de que Ele é o verdadeiro Filho de Deus, Rm 1.4. É também o supremo atestado do fato da imortalidade. Mais importante ainda, a ressurreição entra como um elemento constitutivo da própria essência da obra de redenção e, portanto, do Evangelho. É uma das grandes pedras do alicerce d igreja de Deus. Se, afinal, a obra expiatória de Cristo devia ser eficaz, tinha que terminar, não na morte, mas na vida. Ademais, foi o selo do pai aplicado à obra consumada de Cristo, foi a declaração de que Ele a aceitou. Nela, Cristo saiu de sob a lei. Finalmente, foi Seu ingresso numa nova vida, como ressurreta e exaltada Cabeça da igreja e Senhor universal. Isto O habilitou a fazer aplicação dos frutos da Sua obra redentora.
2. A ASCENSÃO.
a. A ascensão não aparece nas páginas da escritura de maneira tão patente como se dá com a ressurreição. Deve-se isto provavelmente ao fato de que a ressurreição foi o verdadeiro ponto decisivo da vida de Jesus, e não a ascensão. Em certo sentido pode-se dizer que a ascensão foi o complemento e a consumação da ressurreição. A transição de Cristo para a vida superior na glória começou na ressurreição e foi aperfeiçoada na ascensão. Não significa que a ascensão é destituída de significado independente. Mas, embora as provas bíblicas da ascensão não sejam tão abundantes como as da ressurreição, são mais que suficientes. Lucas a relata duas vezes, Lc 24.50-53 e At 1.6-11. Marcos se refere a ela em 16.19, mas esta passagem é contestada. Jesus falou muitas vezes dela, antes da Sua morte, Jo 6.62; 14.2, 12; 16.5, 10, 17, 28; 17.5; 20.17. Paulo se refere repetidamente a ela, Ef 1.20; 4.8-10; 1 Tm 3.16; e a Epístola aos Hebreus chama a atenção para os eu significado, 1.3; 4.14; 9.24.
b. A natureza da ascensão. Pode-se descrever a ascensão como a subida visível da pessoa do mediador da terra ao céu, segundo Sua natureza humana. Foi uma transição local, de um lugar para outro. Naturalmente, sito implica que o céu, como a terra , é um lugar. Mas a ascensão de Jesus não foi apenas uma transição de um lugar para outro; incluiu também mais uma mudança da natureza humana de Cristo. Essa natureza passou então para a plenitude da glória celeste e foi perfeitamente adaptada à vida do céu. Alguns estudiosos de tempos recentes consideram que o céu é uma condição, e não um lugar, e daí não concebem a ascensão em termos locais.[6] Eles admitem que houve um elevar-se momentâneo de Cristo aos olhos dos doze, mas consideram isto somente como um símbolo da elevação da nossa humanidade a uma ordem espiritual muito superior à nossa vida presente. A concepção local, porém, é favorecida pelas seguintes considerações: (1) O céu é descrito na Escritura como um lugar de habitação de seres criados (anjos, santos, a natureza humana de Cristo). Todos estes seres se relacionam de algum modo com o espaço; somente Deus está acima de todas as relações espaciais. Por certo, as leis utilizadas no espaço celestial podem diferir das que se utilizam no espaço terrestre. (2) O céu e a terra são repetidamente colocados em justaposição na escritura. Deste fato parece que se pode inferir que, se um deles é um lugar, o outro terá que ser um lugar também. Seria absurdo colocar um lugar e uma condição em justaposição dessa maneira. (3) A Bíblia nos ensina a pensar no céu como um lugar. Várias passagens dirigem o nosso pensamento para cima, ao céu, e para baixo, ao inferno, Dt 30.12; Js 2.11; Sl 139.8; Rm 10.6,7. Isto não teria sentido, se ambos não devessem ser considerados como locais, nalgum sentido da palavra, (4) O ingresso do Salvador no céu é retratado como uma subida. Os discípulos vêem Jesus ascendendo até que uma nuvem o intercepta e O oculta da vista deles. O mesmo colorido local está presente na mente do escritor de Hebreus, em 4.14.
c. A concepção luterana da ascensão. A concepção luterana da ascensão difere da dos reformados (calvinistas). Consideram-na, não como uma transição local, mas como uma mudança de condição, pela qual a natureza humana de Cristo entrou no pleno gozo e no pleno exercício das perfeições divinas, a ela comunicados na encarnação e assim passou as ser permanentemente onipresente, Em conexão com a idéia de que Cristo iniciou a Sua sessão à destra de Deus quando da ascensão, eles sustentam que a referida destra (que é apenas um símbolo de poder) está em toda parte. Mas nem todos os luteranos pensam igualmente sobre a questão da ubiqüidade da natureza humana de Cristo. Alguns a negam totalmente, e outros acreditam que, conquanto a ascensão resultasse na ubiqüidade de Cristo, também inclui um movimento local, pelo qual Cristo retirou da terra a Sua presença visível.
d. A significação doutrinária da ascensão. Diz Barth que se pode indagar por que a ascensão deve ocupar lugar entre os principais artigos da fé cristã, vendo-se que ela é mencionada menos freqüentemente e menos enfaticamente que a ressurreição, e onde é mencionada aparece somente como uma transição natural da ressurreição para a sessão à mão direita de Deus. É exatamente nesta transição que ele Vê a real significação da ascensão. Daí, ele não se preocupa em salientar a ascensão como uma exaltação visível, uma “elevação vertical no espaço” diante dos olhos dos discípulos, visto que evidentemente não foi este o meio conducente à sessão à destra de Deus, que não é um lugar. Exatamente como os fatos históricos do nascimento virginal e da ressurreição são considerados por ele como simples sinais de uma revelação de Cristo, assim também a ascensão, como sinal e milagre, é apenas um “indicador da revelação, ocorrida na ressurreição, de Jesus Cristo como portador de todo o poder no céu e na terra”.[7]
Pode-se dizer que a ascensão tem tríplice significação: (1) a ascensão encarnou claramente a declaração de que o sacrifício de Cristo foi um sacrifício oferecido a Deus e, como tal, tinha que ser apresentado a Ele no santuário mais recôndito; de que o Pai considerou suficiente a obra mediatária de Cristo e, por conseguinte, admitiu-o na glória celestial; e de que o reino do mediador não era um reino dos judeus, mas um reino universal. (2) A ascensão também foi exemplar, no sentido de que foi uma profecia da ascensão de todos os crentes, que já estão com Cristo nos lugares celestiais, Ef 2.6, e estão destinados a permanecer com Ele para sempre, Jo 17.24; e também no sentido de que revelou o restabelecimento da realeza original do homem, Hb 2.7, 9. (3) Finalmente, a ascensão também serviu de instrumento para a necessidade de ir Ele para o pai, a fim de preparar lugar para os Seus discípulos, Jo 14.2, 3.
3. A SESSÃO À DESTRA DE DEUS.
a. Provas bíblicas da sessão. Quando Cristo estava diante do sumo sacerdote, predisse que se assentaria “à direita do Todo-poderoso”, Mt 26.64. Pedro fez menção disto em seus sermões, At 2.33-36; 5.31. nestas duas passagens,o dativo tei dexiai pode ser entendido em seu sentido instrumental, que é o usual, embora na primeira delas a citação que consta no versículo 34, favoreça a interpretação local. Também se faz referência à sessão de Cristo em Ef 1.20-22; Hb 10.12; 1 Pe 3.22; Ap 3.21; 22.1. Além dessas passagens, há várias outras que falam de Cristo como Rei a exercer o Seu governo real, Rm 14.9; 1 Co 15.24-28; Hb 2.7, 8.
b. A significação da sessão. Naturalmente, a expressão “direita de Deus”é antropomórfica e não pode ser entendida literalmente. A expressão, como é empregada neste contexto, é derivada do Sl 110.1, “Assenta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés”. Estar assentado à destra do rei podia ser apenas um sinal de honra, 1 Rs 2.19, mas também podia denotar participação no governo e, conseqüentemente, na honra e na glória. No caso de Cristo, era indubitavelmente uma indignação do fato de que o mediador recebeu as rédeas do governo sobre a igreja e sobre o universo e foi feito participante da glória correspondente. Não significa que Cristo não tinha sido Rei de Sião antes desse tempo, mas sim, que aí Ele foi publicamente empossado como Deus e homem e, nesta qualidade, recebeu o governo da igreja, do céu e da terra, e entrou solenemente na administração real e concreta do poder a Ele confiado. Isso está em plena harmonia com o que diz Calvino, a saber, que a declaração de que Cristo assentou-se à destra de Deus equivale a dizer “que Ele foi instalado no governo de céus e terra, e foi formalmente admitido na posse da administração a Ele confiada, e não somente admitido por uma vez, mas para continuar até quando Ele descer para o juízo”.[8] É mais que evidente que seria um erro inferir do fato de que a Bíblia fala da ação de “assentar-se” à destra de Deus, que a vida para a qual o Senhor ressurreto ascendeu é uma vida de repouso. É e continuará sendo uma vida de constante atividade. As declarações da escritura variam. Cristo não é somente representado como assentado à destra de Deus, mas também simplesmente como estado à destra, Rm 8.34; 1 Pe 3.22, ou de pé ali, At 7.56, e até mesmo,andando no meio dos sete candeeiros de ouro, Ap. 2.1. E seria igualmente errôneo concluir, da ênfase à dignidade real e ao governo real de Cristo, naturalmente sugerida pela idéia de estar Ele assentado à destra de Deus, que a obra na qual ele está engajado durante a Sua sessão celestial é exclusivamente governamental, não sendo, portanto, nem profética nem sacerdotal.
c. A obra que Cristo realiza durante a Sua sessão à destra de Deus. Merece ênfase o fato de que Cristo, enquanto está assentado à destra de Deus, não é apenas um recebedor passivo do domínio e do poder, majestade e glória divinos, mas está ativamente engajado na continuação da Sua obra mediatária.
(1) Desde que a Bíblia relaciona com muita freqüência a sessão com o governo real de Cristo, é natural pensar primeiramente na obra que Ele realiza como Rei. Ele governa e protege a sua igreja por Seu Espírito, e também a governa por meio dos Seus oficiais, por Ele designados. Ele tem também os poderes do céu sob o Seu comando; os anjos são Seus mensageiros, sempre prontos a comunicar Suas bênçãos aos santos, e a protege-los dos perigos circundantes. Ele exerce autoridade sobre as forças da natureza e sobre todos os poderes hostis ao reino de Deus; e assim continuará a reinar, até sujeitar o último inimigo.
(2) Contudo, a obra que realiza não se limita ao Seu governo real. Ele é sacerdote para sempre, sendo a ordem de Melquisedeque. Quando Cristo bradou na cruz, “Está consumado!”, não quis dizer que terminara a Sua obra sacerdotal, mas somente que tinha chegado ao fim o Seu sofrimento ativo. A Bíblia relaciona também a obra sacerdotal com a sessão de Cristo à mão direita de Deus, Zc 6.13; Hb 4.14; 7.24, 25; 8.1-6; 9.11-15, 24-26; 10.19-22; 1 Jo 2.2. Cristo está apresentado continuamente o Seu sacrifício consumado ao pai como a base suficiente para a concessão da graça perdoadora de Deus. Ele está aplicando constantemente a Sua obra sacrificial e fazendo-a eficaz na justificação e santificação dos pecados. Além disso, ele está sempre fazendo intercessão pelos que Lhe pertencem, rogando pela aceitação deles com base em Seu sacrifício consumado, e por sua segurança no mundo, e ainda tornando as suas orações e os seus serviços aceitáveis a Deus. Os luteranos acentuam o fato de que a intercessão de Cristo é vocalis et realis (vocal e real), ao passo que os reformados (calvinistas) salientam o fato de que ela consiste primariamente da presença de Cristo na natureza humana ante o Pai, e que as orações devem ser consideradas como a apresentação de reivindicações legais, e não súplicas.
(3) Cristo continua Sua obra profética também por meio do Espírito Santo. Antes de separa-se dos Seus discípulos, Ele lhes prometeu o Espírito Santo, que iria ajudar suas recordações, ensinar-lhes novas verdades, guia-los em toda a verdade e enriquecê-los com a plenitude de Cristo, Jo 14.26; 16.7-15. A promessa foi cumprida no dia de Pentecostes; e daquele dia em diante Cristo, mediante o Espírito, agiu e age como o nosso grande Profeta de diversas maneiras: na inspiração da escritura; na pregação dos apóstolos e dos ministros da palavra; na direção da igreja, fazendo dela a coluna e o baluarte da verdade; e dando eficácia a verdade nos corações e nas vidas dos crentes.
4. O REGRESSO FÍSICO DE CRISTO.
a. O regresso como um estágio da exaltação. Às vezes se omite a volta de Cristo na consideração dos estágios da Sua exaltação, como se a sessão à destra de Deus fosse o ponto culminante. Mas isto não está certo. O ponto supremo não será alcançado enquanto Aquele que sofreu nas mãos do homem não voltar na qualidade de juiz. Ele mesmo indicou isto como uma prerrogativa mediatária, Jo 5.22, 27, e o mesmo fizeram os apóstolos, At 10.42; 17.31. Além das passagens que falam da designação de Cristo como juiz, existem várias que se referem à Sua atividade judicial, Mt 19.28; 25.31-34; Lc 3.17; Rm 2.16; 14.9; 1 Co 5.10; 2 Tm 4.1; Tg 5.9.
b. Termos bíblicos sobre o retorno de Cristo. Diversos termos empregados para designar a futura vinda de Jesus Cristo. O termo parousia é o mais comum deles. Em primeiro lugar, significa simplesmente “presença”, mas também serve para designar uma vinda precedendo uma presença. Este é o sentido comum do termo quando empregado com relação à volta de Jesus Cristo, Mt 24.3, 27, 37, 39; 1 Co 15.23; 1 Ts 2.19; 3.13; 4.15; 5.23; 2 Ts 2.1; Tg 5.7, 8; 2 Pe 3.4. Um segundo termo é apocalypsis, que acentua o fato de que a volta de Jesus Cristo será um ato revelador dele. Indica o desvendar de algo anteriormente oculto, neste caso, o desvendar da oculta glória e majestade de Jesus Cristo, 2 Ts 1.7; 1 Pe 1.7, 13; 4.13. Um terceiro termo é epiphaneia, o glorioso aparecimento do Senhor – Sua gloriosa manifestação. Está implícito que aquilo que é o posto a descoberto é algo glorioso, 2 Ts 2.8; 1 Tm 6.14; 2 Tm 4.1-8; Tt 2.13.
c. A maneira do regresso de Cristo. Alguns situam o regresso de Cristo no passado, alegando que a promessa da Sua volta foi cumprida quando ele retornou no Espírito Santo. Referem-se eles à promessa registrada em Jo 14-16, e interpretam a palavra parousia como significando simples presença.[9] Pois bem, pode-se dizer que, num sentido, Cristo retornou no Espírito Santo e, como tal, está presente na igreja. Mas este foi um retorno espiritual, ao passo que a Bíblia nos ensina a ter em vista um retorno físico e visível de Cristo, At 1.11. Mesmo depois do Pentecoste, somos instruídos a esperar anelantes a vinda de Cristo, 1 Co 1.7; 4.5; 11.26; Fp 3.20; Cl 3.4; 1 Ts 4.15-17; 2 Ts 1.7-10; Tt 2.13; Ap 1.7.
d. O propósito do Seu regresso. A segunda vinda de Cristo se dará com o propósito de julgar o mundo e aperfeiçoar a salvação do Seu povo. Anjos e homens, vivos e mortos, comparecerão perante Ele para serem julgados segundo o registro que deles terá sido guardado, Mt 24.30, 31; 25.31, 32. Será uma vinda com terríveis sentenças sobre os ímpios, mas também com bênçãos de eterna glória para os santos, Mt 25.33-46. Enquanto que ele sentenciará os ímpios ao castigo eterno, justificará publicamente os Seus e os conduzirá ao perfeito gozo do Seu reino eterno. Isto assinalará a vitória completa de Jesus Cristo.



[1] Theology as na Empirical Science, p. 77, 78.
[2] Realites of Christian Theology, p. 138.
[3] Christianity in Its Modern Expression, p. 144.
[4] Theology as Empirical Science, p. 77
[5] Cf. Kuyper, E Voto II, p. 248 3 segtes.; Milligan, The Ressurrection of the Dead, p. 117 e segtes.
[6] Cf. Milligan, The Ascension and Heavenly Priesthood of our Lord, p. 24 e segtes.; Swete, The Ascended Christ, p. 8, 9; Gore,  The Reconstruction of Belief, p. 272, 273.
[7] Credo,p. 113.
[8]  Inst., Livro II.XVI. 15.
[9] Warren, The parousia; J. M. Campbell, The Second Coming of Christ.


Lição 07 – O Ofício Profético






A. Observações Introdutórias Sobre os Ofícios em Geral.

1. A IDÉIA DOS OFÍCIOS NA NATUREZA. É costume falar de três ofícios com relação à obra de Cristo, a saber, os ofícios profético, sacerdotal e real. Embora alguns dos chamados pais primitivos da igreja já falassem dos diferentes ofícios de Cristo, Calvino foi o primeiro a reconhecer a importância de distinguir os três ofícios d Mediador e chamar a atenção para isto num capítulo específico das suas Institutas.[1] Entre os luteranos , Gerhard foi o primeiro a desenvolver a doutrina dos três ofícios, e Quenstedt considerava a distinção tríplice como deveras não essencial e chamou a atenção para o fato de que alguns teólogos luteranos distinguiam somente dois ofícios, juntando o profético ao sacerdotal. Desde os dias da |Reforma, a distinção foi aceita em geral como um dos lugares comuns da teologia, embora não houvesse acordo geral quanto à importância relativa dos ofícios, nem quanto à sua interrelação. Uns colocavam em primeira plano o oficio profético, outros o sacerdotal, e ainda outros o real. Houve quem lhes aplicasse a idéia de sucessão cronológica, entendendo que Cristo agiu como profeta durante o Seu ministério público aqui na terra, como sacerdote em Seus sofrimentos finais e em sua morte na cruz, e como rei age agora, que está assentado à mão direita de Deus. Outros, porém, salientavam acertadamente o fato de que se deve entender que Ele agiu e age em Sua tríplice capacidade em Seu estado de humilhação e em Seu estado de exaltação. Os socinianos, na verdade, reconheciam só dois ofícios: Cristo agiu como profeta na terra, e age como rei no céu. Apesar de falarem também de Cristo como sacerdote, incluíam subordinadamente a Sal obra sacerdotal em Sua obra real e, portanto, não reconheciam o Seu sacerdócio terreno.
Surgiu na Igreja Luterana considerável oposição à doutrina dos três ofícios de Cristo. Ernesti dá um sumário das objeções que apareceram Segundo ele, a divisão dos ofícios é puramente artificial; os termos profeta, sacerdote e rei não são empregados na Escritura no sentido presente nessa divisão; é impossível discriminar com clareza uma função em relação ass outras, na obra realizada por Cristo; e os termos, como utilizados na Escritura, só são aplicados num sentido figurado e, portanto, não devem ter significados precisos a eles afixados, designando partes particulares da obra de Cristo. Em resposta a isso, pode-se dizer que há pouca força na crítica ao uso dos termos, visto que são utilizados em todo o Velho Testamento como designativos daqueles que, nos ofícios de profeta, sacerdote e rei, tipificavam Cristo. A única critica realmente significativa se deve ao fato de que em Cristo os três ofícios estão agrupados numa pessoa. O resultado é que não podemos discriminar agudamente entre as diferentes funções constitutivas da obra oficial de Cristo. A obra mediatária é sempre realizada pela pessoa completa; nem uma só obra pode ser limitada a qualquer dos ofícios. Dos teólogos luteranos mais recentes, Reinhard, Doederlein, Storr e Bretschneider rejeitaram a distinção. Ritschl também lhe fez objeção, e afirmou que o termo “vocação” deveria tomar o lugar da palavra “oficio”, que se presta a mal entendidos. Disso, ele considerava a função ou atividade real de Cristo como primordial, e as funções profética e sacerdotal como secundárias e subordinadas, esta indicando a relação do homem com o mundo, e aquela, a sua relação com Deus. Ademais, ele acentuava o fato de que se deve afirmar o exercício da realeza profética e sacerdotal igualmente nos estados de humilhação e de exaltação. Haering segue a Titchl em sua negação dos três ofícios e em sua ênfase à vocação. A teologia modernista é avessa à idéia toda, em parte porque não gosta da terminologia das escolas, e em parte porque se nega a pensar em Cristo como uma personalidade oficial. Ela tem tanta apreciação por Cristo como o “Homem” ideal, o Ajudador amoroso e o Irmão Mais Velho, tão verdadeiramente humano, que teme considerá-lo como um funcionário mediatário formal, desde que isto seria capaz de desumanizá-lo.
2. A IMPORTÂNCIA DA DISTINÇÃO. A distinção dos três ofícios de Cristo é valiosa e deve ser conservada, a despeito do fato de que a sua coerente aplicação aos dois estados de Cristo nem sempre é fácil e nem sempre tem sido igualmente feliz. Explica-se o fato de Cristo ter sido ungido para um tríplice ofício com o fato de que o homem foi originariamente destinado ao exercício desse tríplice ofício e respectiva obra. Como criado pro Deus, ele foi profeta, sacerdote e rei e, nestas qualidades, foi adotado de conhecimento e entendimento, de justiça e santidade, e de domínio sobre a criação inferior. O pecado afetou a vida toda do homem e se manifestou, não somente como ignorância e cegueira, erro e falsidade, mas também como injustiça, culpa e corrupção moral; e, em acréscimo, como enfermidade, morte e destruição. Daí, foi necessário que Cristo, como o nosso mediador, fosse profeta, sacerdote e rei. Como profeta, Ele representa Deus para com o homem; como Sacerdote, ele representa o homem na presença de Deus; e como Rei, ele exerce domínio e restabelece o domínio original do homem. O racionalismo só reconhece o Seu ofício profético; o misticismo, somente o Seu ofício sacerdotal; e o quiliasma* dá ênfase unilateral ao Seu oficio real futuro.

B. O Ofício Profético.

1. A IDÉIA ESCRITURÍSTICA DE PROFETA.
a. Os termos empregados na Escritura. O velho Testamento emprega três palavras para designar um profeta, a saber, nabhi, ro’eh e chozeh. O sentido radical da palavra nobhi é incerto, mas, por passagens como Ex. 7.1 e Dt 18.18, fica evidente que a palavra designa alguém que vem com mensagem da parte de Deus para o povo. As palavras ro’eh e chozeh acentuam o fato de que o profeta é alguém que recebe revelações da parte de Deus, particularmente na forma de visões. Estas palavras são usadas uma pela outra. Outros designativos são “homem de Deus”, “mensageiro do Senhor” e “vigia”. Estes apelativos indicam que os profetas estão prestando serviço especial ao Senhor e velam pelos interesses espirituais do povo. No Novo Testamento usa-se a palavra porphetes, composta de pro e phemi. A preposição não é temporal, neste caso. Conseqüentemente, a palavra prophemi não significa “falar de antemão”, mas “proferir”. O profeta é alguém que fala da parte de Deus. Desses nomes, tomados em conjunto, podemos deduzir que o profeta é alguém que vê coisas, isto é, que recebe revelações, que está a serviço de Deus, particularmente como mensageiro, e que fala em Seu nome.
b. Os dois elementos reunidos na idéia. As passagens clássicas de Êx 7.1 e Dt 18.18, indicam a presença de dois elementos na função profética, um passivo e outro ativo, um receptivo e o outro produtivo. O profeta recebe revelações divinas em sonhos,visões ou comunicações verbais; e as transmite ao povo, quer oralmente, quer visivelmente, nas ações proféticas, Nm 12.6-8; Is 6; Jr 1.4-10; Ez 3.1-4, 17. Destes dois elementos, o passivo é o mais importante, porquanto ele governa o elemento ativo. Sem receber, o profeta não pode dar, e ele não pode dar mais do que recebe. Mas o elemento ativo, também é parte integrante. Para receber uma revelação não é preciso não é preciso ser profeta. Pensamos em Abimeleque, Faraó e Nabucodonosor, todos os quais receberam revelações. O que faz de alguém um profeta é a vocação divina, a ordem para comunicar a outros a revelação divina.
c. O dever dos profetas. Era dever dos profetas revelar a vontade de Deus ao povo. Isto podia ser feito na forma de instrução, admoestação e exortação, promessas gloriosas ou censuras severas. Eles eram os monitores ministeriais do povo, os intérpretes da lei, especialmente nos seus aspectos morais e espirituais. Era seu dever protestar contra o mero formalismo, acentuar o dever moral, fazer ver a necessidade do serviço espiritual e promover os interesses da verdade e da justiça. Se o povo se afastava das veredas do dever, eles tinham que chamá-lo de volta à lei e ao testemunho, e anunciar o iminente terror do Senhor sobre os ímpios. Mas a sua obra também estava intimamente relacionada com as promessas da graça de Deus para o futuro. Era seu privilégio descrever as coisas gloriosas que Deus tinha em depósito para o Seu povo. Também fica evidente pela escritura que os verdadeiros profetas de Israel tipificavam o grande profeta que havia de vir no futuro, Dt 18.15, cf. At 3.22-24, e que já estava agindo por meio deles nos dias do velho testamento, 1 Pe 1.11.
2. DISTINÇÕES APLICADAS À OBRA DE CRISTO. Cristo age como profeta de várias maneiras:
a. Tanto antes como depois da encarnação. Os socinianos erraram ao limitar a obra profética de Cristo ao tempo do Seu ministério público. Ele agiu como profeta mesmo na antiga dispensação, como nas revelações especiais do Anjo do Senhor, nos ensinos dos profetas, nos quais agiu como o espírito de revelação (1 Pe 1.11), e na iluminação espiritual dos crentes. Aparece em Provérbios 8 como a sabedoria personificada, ensinando os filhos dos homens. Depois da encarnação Ele prosseguiu em Sua obra profética com os Seus ensinos e milagres, com a pregação dos apóstolos e dos ministros da palavra, e também com a iluminação e instrução dos crentes como o espírito que neles habita. Ele continua a Sua atividade profética desde os céus, mediante a operação do Espírito Santo. Seus ensinos são verbais e fatuais, isto é, Ele não só ensina por meio de comunicações verbais, mas também pelos fatos da revelação, como encarnação, a Sua morte expiatória, a ressurreição e a ascensão; e até durante o período do Velho Testamento, mediante tipos e cerimônias, mediante os milagres da história da redenção e mediante a direção providencial do povo de Israel.
b. Tanto imediata como mediatamente. Ele exerceu o Seu ofício profético imediatamente, como o Anjo do Senhor do período do velho Testamento, e como o Senhor encarnado, por meio dos Seus ensinos e também do Seu exemplo, Jo 13.15; Fp 2.5; 1 Pe 2.22. E o exerceu mediatamente, através da operação do Espírito Santo, por meio dos ensinos dos profetas do Velho Testamento e dos apóstolos do Novo, e o exerce agora mesmo, pelo Espírito que habita nos crentes, como também pela instrumentalidade dos ministros do Evangelho. Isto significa também que ele dá continuidade à Sua obra profética objetiva e externamente, e subjetiva e internamente mediante o Espírito, que é descrito como o Espírito de Cristo.
3. PROVAS BÍBLICAS DO OFÍCIO PROFÉTICO DE CRISTO. A Escritura atesta de várias maneiras o oficio profético de Cristo. Ele é prenunciado como profeta em Dt 18.15, passagem aplicada a Cristo em At 3.22, 23. Ele fala de Si como profeta em Lc 13.33. Além disso, alega que traz uma mensagem do Pai, Jo 8.26-28; 12.49, 50; 14.10, 24; 15.15; 17.8, 20; prediz coisas futuras, Mt 24.3-35; Lc 19.41-44, e fala com singular autoridade, Mt 7.29. Suas poderosas obras serviam para autenticar a Sua mensagem. Em vista disso tudo, não admira que o povo O tenha reconhecido como profeta, Mt 21.11, 46; Lc 7.16; 24.19; Jo 3.2; 4.19; 6.14; 7.40; 9.17.
4. ÊNFASE MODERNISTA AO OFICIO PROFÉTICO DE CRISTO. Uma das principais características da escola liberal, assim chamada, tanto do liberalismo mais antigo, representado por Renan, Strauss e Keim, como do liberalismo mais recente, representado por vultos como Pfleiderer, Weinel, Wernle, Juelicher, Harneck, Bouset e outros, consiste em dar a maior ênfase a Jesus como mestre. A Sua importância como tal é salientada, com a exclusão dos outros aspectos da Sua pessoa e da Sua obra. Há, porém, marcante diferença entre esses dois ramos do liberalismo. Segundo o liberalismo mais antigo, a importância de Jesus decorre dos Seus ensinos, mas, de acordo com o liberalismo mais recente, é a personalidade única de Jesus que proporciona peso aos Seus ensinos. Isto, indubitavelmente, é um avanço bem vindo, mas o ganho não é tão grande como pode parecer. Nas palavras de La Touche: “De fato, o seu reconhecimento da rela importância da Sua personalidade, e não do Seu ensino, é pouco mais que uma exaltação da pedagogia pelo exemplo sobre a pedagogia pelo preceito”.Depois de tudo, Cristo é apenas um grande mestre. O modernismo atual está inteiramente sob o domínio desta escola liberal. Mesmo na teologia bartiana há uma ênfase que aparentemente se aproxima bastante da teologia modernista. Walter Lowrie diz acertadamente: “É característico da teologia bartiana pensar no mediador predominantemente como Revelador”.[2] Barth e Brunner nos dizem repetidamente que a revelação é a reconciliação, e, às vezes, parece que eles consideram já a própria encarnação como a reconciliação. Também neste caso a reconciliação é representada como revelação. Num simpósio sobre a Revelação diz Barth: “Jesus Cristo é a revelação porque, em Sua existência, Ele é a reconciliação. ...A existência de Jesus Cristo é a reconciliação e, portanto, é a ponte estendida sobre o abismo que aqui se abriu”.[3] Às vezes, a cruz é definida como a revelação da contradição absoluta, o conflito final entre este mundo e o outro. Em conseqüência disso, Zerbe diz que a morte de Cristo, segundo Barth, não é exatamente uma expiação da segunda pessoa da Divindade pelo pecado do mundo, mas “uma mensagem de Deus para o homem, na verdade a mensagem final; a negação fundamental; o julgamento de todas as possibilidades humanas, especialmente a religiosa”. Mas, embora seja verdade que na teologia bartiana o Mediador é primariamente o Revelador, não significa que ela não faz justiça à Sua obra sacrificial e expiatória.[4] Em sua Doutrina da Obra de Cristo (The Doctrine of the Work of Christ), Sydney cave chega a dizer: “para Barth, a cruz é central na mensagem cristã. ‘Tudo resplandece à luz da Sua morte, e por esta é iluminado’”.[5]




[1] Livro II, Cap. XV
* Quiliasma (s.m.). Do grego quiliás (ou Chiliás), “mil”. Refere-se à doutrina do milênio, sobretudo a corrente que se refere a um reinado milenar a ser exercido por Cristo na terra (premilenismo). Ver Índice de Assuntos, “Quiliasma”. Nota do Tradutor.
[2] Our Concern with the Theology of Crisis, p. 152.
[3] P. 55, 56.
[4] Cf. especialmente Brunner, The Mediator, capítulos XVII-XXI.
[5] P. 244.

Lição 08 – O Ofício Sacerdotal



A. A Idéia Bíblica de Um Sacerdote.

1. OS TERMOS EMPREGADOS NA ESCRITURA. A palavra veterotestamentária para sacerdote é quase sem exceção kohen. As únicas exceções acham-se em passagens que se referem a sacerdotes idólatras, 2 Rs 23.5; Os 10.5; Sf 1.4, onde se encontra a palavra chemarim. O significado original de kohen é incerto. Não é impossível que nos primeiros tempos indicasse um funcionário civil bem como um servidor eclesiástico, cf. 1 Rs 4.5; 2 Sm 8.18; 20.26. É evidente que a palavra sempre indicava alguém que ocupava posição honrosa e de responsabilidade, e que estava revestido de autoridade sobre outros; e ainda que, quase sem exceção, serve para designar um oficial eclesiástico. A palavra neotestamentária para sacerdote é hiereus, que, ao que parece, indicava originariamente “um ser poderoso” e, mais tarde, “uma pessoa sagrada”, “uma pessoa dedicada a Deus”.
2. A DISTINÇÃO ENTRE UM PROFETA E UM SACERDOTE. A Bíblia faz ampla, mas importante, distinção entre profeta e sacerdote. Ambos receberam de Deus o seu encargo, Dt 18.18, 19; Hb 5.4. mas o profeta foi nomeado para ser representante de Deus junto ao povo, para ser Seu mensageiro e para interpretar a Sua vontade. Era primeiramente um mestre religiosos. Por outro lado, o sacerdote era representante do homem junto a Deus. Tinha o especial privilégio de aproximar-se de Deus, e de falar e agir em favor do povo. É verdade que, na antiga dispensação, os sacerdotes também eram mestres, mas o seu ensino diferia do ensino dos profetas. Ao passo que estes acentuavam os deveres, responsabilidades e privilégios morais e espirituais, aqueles salientavam as observâncias rituais envolvidas num adequado acesso a Deus.
3. AS FUNÇÕES DO SACERDOTE, NOS TERMOS INDICADOS NA ESCRITURA. A passagem clássica na qual são dadas as verdadeiras características do sacerdote e na qual sua obra é em parte designada, é Hb 5.1. Estão indicados ali os seguintes elementos: (a) o sacerdote é tomado dentre os homens para ser o seu representante; (b) é constituído por Deus, cf. o versículo 4; (c) age no interesse dos homens nas coisas pertencentes a Deus, isto é, nas coisas religiosas; (d) sua obra especial consiste em oferecer dádivas e sacrifícios pelos pecados. Mas a obra do sacerdote incluía ainda mais que isso. Ele também fazia intercessão pelo povo (Hb 7.25) e os abençoava em nome de Deus, Lv 9.22.
4. PROVAS BÍBLICAS DO OFICIO SACERDOTAL DE Cristo. O Velho testamento prediz e prefigura o sacerdócio do redentor vindouro. Há claras referencias a isto em Sl 110.4 e Zc 6.13. Além disso, o sacerdócio do Velho Testamento, e particularmente o sumo sacerdote, claramente prefiguram um Messias sacerdotal. No Novo Testamento há somente um único livro em que ele é chamado sacerdote, qual seja, a Epistola aos Hebreus, mas ali o nome é repetidamente aplicado a Ele, 3.1; 4.14; 5.5; 6.20; 7.26; 8.1. Ao mesmo tempo, muitos outros livros do Novo Testamento se referem à obra sacerdotal de Cristo, como veremos na discussão deste assunto.

B. A Obra Sacrificial de Cristo.

A obra sacrificial de Cristo foi dupla, de acordo com a escritura. Sua tarefa máxima foi a de oferecer um sacrifício todo-suficiente pelo pecado do mundo. Era próprio do oficio de sacerdote apresentar oferendas e oferecer sacrifícios pelo pecado.
1. A IDÉIA SACRIFICIAL NA ESCRITURA. A idéia sacrificial ocupa lugar muito importante na Escritura. Foram sugeridas várias teorias quanto à origem e desenvolvimento desta idéia. As mais importantes são as seguintes:
a. A teoria do presente, que sustenta que, originariamente, os sacrifícios eram dádivas à divindade, dadas com a intenção de estabelecer boas relações e de garantir favores. Isto se baseia numa concepção extremamente grosseira de Deus, em completa desarmonia com a descrição escriturística de Deus. Ademais, não explica por que a dádiva sempre devia ser apresentada na forma de um animal imolado. A Bíblia fala de dons ou presentes oferecidos a Deus (Hb 5.1), mas unicamente como expressões de gratidão, e não com o propósito de pedir o favor de Deus.
b. A teoria da comunhão sacramental, baseada na idéia totêmica de reverenciar um animal que supostamente compartilhava a natureza divina. Em ocasiões solenes, um animal assim considerado era morto para servir de comida para o homem, que, deste modo, comia literalmente o seu Deus e assimilava as qualidades divinas. Todavia, não há absolutamente nada no Livro de Gênesis que insinue uma idéia tão completamente anti-espiritual e tão crassamente material. Difere totalmente da exposição global da Bíblia. Não significativa, é certo, que alguns pagãos não possam ter defendido essa idéia mais tarde, mas significa, sim, que não existe base nenhuma para considerar isso como sendo a idéia original.
c. A teoria da homenagem, segundo a qual os sacrifícios eram originalmente expressões de homenagem e dependência. O homem foi instigado a procurar mais íntima comunhão com Deus, não por um senso de culpa, mas por um sentimento de dependência e por um desejo de prestar homenagem a Deus. Esta teoria não faz justiça aos fatos, no caso de sacrifícios primitivos como os de Noé e Jó; nem tampouco explica por que esta homenagem devia se prestada imolando-se um animal.
d. A teoria do símbolo, que considera as ofertas como símbolos da restaurada comunhão com Deus. A morte do animal tinha lugar somente para garantir a obtenção de sangue que, como símbolo da vida, era apresentado sobre o altar, significando comunhão de vida com Deus (Keil). Esta teoria certamente não se enquadra nos fatos, no caso dos sacrifícios de Noé e Jó, nem nos fatos relacionados com o sacrifício de Abraão, quando colocou Isaque sobre o altar. Tampouco explica por que, em épocas mais recentes, tanta importância foi dada à imolação do animal.
e. A teoria piacular,* que considera os sacrifícios como sendo originariamente expiatórios ou reparatórios. Nesta teoria, a idéia fundamental presente na imolação do animal era a expiação vicária pelos pecados do ofertante. À luz da Escritura, esta teoria merece preferência. A idéia de que, sejam quais forem os outros elementos presentes, como uma expressão de gratidão a Deus ou de comunhão com Ele, o elemento piacular também estava presente, sendo mesmo o elemento mais proeminente, é favorecida pelas seguintes considerações: (a) O efeito das ofertas queimadas de Noé foi expiatório, Gn 8.21. (b) O que deu ocasião ao sacrifício oferecido por Jó foram os pecados dos seus filhos, Jó 1.5. (c) Esta teoria explica o fato de que os sacrifícios eram normalmente apresentados na forma de animais imolados, e de que os sacrifícios eram cruentos, envolvendo o sofrimento e a morte da vítima. (d) está em plena harmonia com o fato de que os sacrifícios que prevaleciam entre as nações pagãs em geral, certamente eram considerados como expiatórios. (e) Ademais, está em perfeito acordo com a indubitável presença, no período pré-mosaico, de várias promessas do redentor por vir. Devem ter isto em mente os que consideram a idéia piacular dos sacrifícios como demasiadamente avançada para aquela época. (f) Finalmente, ela também se ajusta bem ao fato de que, quando foi introduzido o ritual sacrificial mosaico, no qual o elemento expiatório era por certo o mais proeminente, de maneira nenhuma este elemento foi apresentado como uma coisa inteiramente nova.
Entre os que acreditam que o elemento piacular estava presente mesmo nos sacrifícios pré-mosaicos, há diferença de opinião quanto à origem deste tipo de sacrifício. Alguns são de opinião que Deus os instituiu por uma ordem direta, enquanto outros afirmam que eles foram apresentados em obediência a um impulso natural do homem, aliado à reflexão. A Bíblia não registra nenhuma declaração especial no sentido de que Deus tivesse ordenado ao homem que O servisse com sacrifícios naqueles dias primitivos. E não é impossível que o homem expressasse a sua gratidão e a sua devoção com sacrifícios, mesmo antes da Queda, levado por estímulos internos da sua própria natureza. Mas a impressão que se tem é que os sacrifícios expiatórios após a Queda só podem ter-se originado de uma determinação divina. Há considerável fora nos argumentos do dr. A. A. Hodge. Diz ele: “(1) É inconcebível que a propriedade ou a provável utilidade de apresentar presentes materiais ao Deus invisível, e especialmente de tentar fazer propiciação a Deus pela matança de Suas criaturas irracionais, ocorresse alguma vez à mente humana com uma inspiração espontânea. Todos os sentimentos instintivos e todas as pressuposições da razão teriam que aparecer, em primeira instância, para excluí-las. (2) Na hipótese de que Deus quisesse salvar os homens, é inconcebível que Ele os deixasse sem instruções sobre uma questão de tão vital importância como a que se refere aos meios pelos quais eles poderiam chegar à Sua presença e granjear o Seu favor. (3) É característico de todas as auto-revelações de Deus, em qualquer dispensação, que Ele se manifesta zeloso quanto a qualquer uso que o homem faça de métodos não autorizados de culto ou serviço. Ele insiste uniformente neste exato ponto do Seu soberano direito de ditar métodos de culto e serviço, bem como os termos de sua aceitação. (4) De fato, o primeiro exemplo registrado de culto aceitável, na família de Adão, apresenta-nos sacrifícios cruentos e os sela com a aprovação divina. Eles aparecem no primeiro ato de culto, Gn 4.3, 4. São enfaticamente aprovados por Deus, tão logo aparecem”.[1] Os sacrifícios mosaicos foram claramente determinados por Deus.
2.A OBRA SACRIFICIAL DE CRISTO SIMBOLIZADA E TIPIFICADA. A obra sacrificial de Cristo foi simbolizada e tipificada pelos sacrifícios mosaicos. Em conexão com estes sacrifícios, os seguintes pontos merecem atenção:
a. Sua natureza expiatória e vicária. Várias interpretações foram dadas aos sacrifícios do Velho Testamento: (1) que eram presentes para agradar a Deus, para expressar gratidão a Ele, ou para aplacar a Sua ira; (2) que eram refeições essencialmente sacrifíciais, simbolizando a comunhão do homem com Deus; (3) que eram meios determinados por Deus pelos quais se confessava a odiosidade do pecado; ou (4) que, na medida em que incorporavam a idéia de substituição, eram apenas expressões simbólicas do fato de que Deus aceita o pecador, em lugar da obediência fatual, no sacrifício que expressa o seu desejo de obedecer e a sua anelante esperança de salvação. Contudo, a Escritura testifica o fato de que todos os sacrifícios de animais em Israel foram piaculares, embora esta qualidade não seja igualmente proeminente em todos eles. Era mais proeminente nas ofertas pelo pecado e pelas transgressões, menos proeminente nas ofertas queimadas, e ainda menos evidente nas ofertas pacíficas. A presença desse elemento naqueles sacrifícios transparece (1) nas claras afirmações de Lv 1.4; 4.29, 31, 35; 5.10; 16.7; 17.11. (2) na imposição das mãos que, apesar da asserção de Cave em contrário, certamente servia para simbolizar a transferência do pecado e da culpa, Lv 1.4; 16.21, 22; (3) na aspersão do sangue no altar e no assento da misericórdia (propiciatório) como uma cobertura para o pecado, Lv 16.27; e (4) no efeito repetidamente registrado dos sacrifícios, qual seja, o perdão dos pecados do ofertante, Lv 4.26, 31, 35. Seria fácil acrescentar provas do Novo Testamento, mas estas bastam.
b. Sua natureza típico-profética. Os sacrifícios não tinham apenas significação cerimonial e simbólica, mas também espiritual e típica. Eram de caráter profético, e representavam o Evangelho na Lei. Foram destinados a prefigurar os sofrimentos vicários de Jesus Cristo e sua morte expiatória. A conexão entre eles e Cristo já vem indicada no Velho Testamento. No Salmo 40.6-8 o Messias é apresentado como a dizer: “Sacrifícios e ofertas não quiseste; abriste os meus ouvidos; holocaustos e ofertas pelo pecado, não os requeres. Então eu disse: Eis aqui estou eu, no rolo do livro está escrito a meu respeito; agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro em meu coração está a tua lei”. Nestas palavras, o Messias substitui os sacrifícios do Velho Testamento pelo Seu grande sacrifício. Vão-se as sombras quando chega a realidade que elas fracamente projetam, Hb 10.5-9. No Novo Testamento há numerosas indicações de que os sacrifícios mosaicos eram típicos do superior sacrifício de Jesus Cristo. Há claras indicações, e até afirmações expressas, no sentido de que os sacrifícios do Velho Testamento prefiguravam Cristo e Sua obra, Cl 2.17, onde é evidente que o apostolo tem em mente todo o sistema mosaico; Hb 9.23, 24; 10.1; 13.11, 12. Varias passagens ensinam que Cristo realizou pelos pecadores, num sentido mais elevado, o que se dizia que os sacrifícios do Velho Testamento efetuavam por aqueles que os ofereciam, e que Ele o fez de maneira semelhante, 2 Co 5.21; Gl 3.13; 1 Jo 1.7. Ele é chamado “o Cordeiro de Deus”, Jo 1.29, evidentemente em vista de Is 53 e do cordeiro pascal, “Cordeiro sem defeito e sem macula”, 1 Pe 1.19, e mesmo “nossa Pascual”, ou “nossos Cordeiro pascal”, que foi imolado por nós, 1 Co 5.7. E por que os sacrifícios mosaicos eram típicos, naturalmente lançam alguma luz sobre a natureza do grande sacrifício expiatório de Jesus Cristo. Muitíssimos estudiosos, sob a influencia da escola de Graf-Wellhausen, negam o caráter penal e substitutivo dos sacrifícios do Velho Testamento, embora alguns deles estejam dispostos a admitir que esse caráter às vezes lhes era atribuído durante o período do Velho Testamento, se bem que em data relativamente tardia e sem suficiente comprovação.
c. Seu propósito. Em vista do precedente, pode-se dizer que os sacrifícios do Velho Testamento tinham duplo propósito. No que interessava à relação teocrática, pactual, eles foram ordenados como meios pelos quais o ofensor podia ser restaurado à posição e aos privilégios externos, desfrutados em sua condição de membro da teocracia, a que ele tinha perdido o direito por negligencia e transgressão. Como tais, eles cumpriam o seu propósito, independentemente da disposição e do espírito com que foram apresentados. Contudo, em si mesmo não eram eficazes para expiar transgressões morais. Não constituíam o sacrifício real que poderia expiar a culpa moral e remover a corrupção moral, mas eram somente sombras da realidade por vir. Falando do tabernáculo, diz o escritos de Hebreus: “É isto uma parábola para a época presente; e, segundo esta, se oferecem assim dons como sacrifícios, embora estes, no tocante à consciência, sejam ineficazes para aperfeiçoar aquele que presta culto”, Hb 9.9.No capitulo seguinte, ele mostra que aqueles sacrifícios não podem tornar perfeitos os ofertantes, 10.1, e não podem remover pecados, 10.4. Do ponto de vista espiritual, eles eram tipos dos sofrimentos e morte vicários de Cristo,e só obtinham perdão e aceitação de Deus quando eram oferecidos com verdadeiro arrependimento, e com fé no método de salvação usado por Deus. Só tinham significação salvadora na medida em que levaram a atenção do israelita a fixar-se no Redentor vindouro e na redenção prometida.
3. PROVAS BÍBLICAS DA OBRA SACRIFICIAL DE CRISTO. O notável nas descrições bíblicas da obra sacerdotal de Cristo é que Cristo aparece nelas como sacerdote e como sacrifício. Acha-se isto em perfeita harmonia com a realidade que vemos em Cristo. No Velho Testamento os dois estavam necessariamente separados, dado que esses tipos eram imperfeitos. A obra sacerdotal de Cristo é exposta com maior clareza na Epístola aos hebreus, onde o mediador é descrito como o nosso único verdadeiro, eterno e perfeito sumo sacerdote, constituído por Deus, que assume vicariamente o nosso lugar e, pelo sacrifício de Si mesmo, obtém uma real e perfeita redenção, Hb 5.1-10; 7.1-28; 9.11-15, 24-28; 10.11-14, 19-22; 12.24, particularmente os seguintes versículos: 5.5; 7.26; 9.14. Esta epístola é a única em que Cristo é chamado sacerdote, mas a Sua obra sacerdotal também é claramente apresentada nas epistolas de Paulo, Rm 3.24, 25; 5.6-8; 1 Co 5.7; 15.3; Ef 5.2. A mesma apresentação se vê nos escritos de João, Jo 1.29; 3.14, 15; 1 Jo 2.2; 4.10. O símbolo da serpente de bronze é significativo. Como a serpente de bronze mesma não era venenosa, mas, contudo, representava a encarnação do pecado, assim Cristo, Aquele que é sem pecado, foi feito pecado por nós. Como o levantamento s da serpente significou a remoção da praga, assim o levantamento de Cristo na cruz efetuou a remoção do pecado. E como o olhar do crente para a serpente trazia a cura, assim a fé em Cristo cura e salva a alma. A apresentação que Pedro, 1 Pe 2.24; 3.18, e o próprio Cristo fazem, Mc 10.45, corresponde ao acima exposto. O Senhor nos diz com toda a clareza que os Seus sofrimentos foram vicários.
4. A OBRA SACERDOTAL DE CRISTO SEGUNDO A TEOLOGIA MODERNISTA. Como foi dito no capítulo anterior, a doutrina dos ofícios de Cristo não encontra muito apoio na teologia dos nossos dias. Na verdade, é geralmente notável por sua ausência. Dificilmente se pode negar que a Bíblia fala de Cristo como profeta, sacerdote e rei, mas comumente se afirma que esses termos, no sentido em que são aplicados a Cristo, são apenas outras tantas descrições figuradas dos diferentes aspectos da obra realizada por Cristo. Cristo não é tido como verdadeiro sacerdote e verdadeiro rei. E se se faz sobressair algum dos aspectos da obra de Cristo, como sendo o preeminente, é o aspecto profético, e não o sacerdotal. O espírito modernista é completamente avesso ao Cristo oficial e, conquanto possa morrer de amores pelo Jesus que se nega a Si mesmo e que se sacrifica recusa-se peremptoriamente a reconhecer o Seu sacerdócio oficial. Em vista disso, deve-se salientar desde o inicio que, de acordo com a escritura, Jesus é um verdadeiro sacerdote. Contrariamente aos sacerdotes do velho Testamento, que não passavam de sombras e tipos, ele pode ser chamado o único sacerdote verdadeiro. Foi revelado entre os homens como a verdade, isto é, como a realidade de todas as sombras do Velho Testamento, e, portanto, também do sacerdócio do Velho testamento. O capítulo sete da Epistola aos Hebreus acentua o fato de que o Seu sacerdócio é imensamente superior ao de Arão. Conseqüentemente, é um triste engano supor que Ele só é sacerdote num sentido figurado, no sentido em que se devotam à literatura e à arte às vezes são chamados sacerdotes. Alem disso, é fazer uso incerto da palavra “sacerdote”, uso inteiramente alheio à escritura. Quando Jeová jurou, “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque”, fez do Messias um verdadeiro sacerdote.


* Piacular, “expiatório”. Do latim pio, “expiar”. Daí, piacularis, “piacular” e piaculum, “piáculo”, “sacrifício expiatório”. Nota do tradutor.
[1] The Atonement, p. 123, 124.


Lição 09 – O Ofício Real





Na qualidade de Segunda Pessoa da Trindade Santa, o Filho eterno, Cristo, naturalmente, comparte o domínio de Deus sobre todas as Suas criaturas. Seu trono está estabelecido nos céus e o Seu reino domina sobre tudo, Sl 103.19. Esta realeza difere da realeza mediatária de Cristo, que é uma realeza outorgada e econômica, exercida por Cristo, não meramente em Sua natureza divina, mas como Theanthropos (o Deus-homem). Esta última não é uma realeza que pertence a Cristo por direito original, mas, sim, uma realeza na qual Ele foi investido. Ela não pertence a uma nova esfera que ainda estivesse fora do Seu domínio como Filho de Deus, pois tal esfera não se pode encontrar em parte alguma. É antes, para dize-lo com as palavras de Dick, a Sua realeza originária, “revestida de forma, com uma nova aparência, administrada para um novo fim”. Em geral podemos definir a realeza de Cristo como o Seu poder oficial de governar todas as coisas do céu e da terra, para a glória de Deus e para a execução do Seu propósito de salvação. Todavia, podemos distinguir entre um regnum gratae e um regnum potentiae (entre um reino de graça e um reino de poder).

A. O Reinado Espiritual de Cristo.

1. NATUREZA DESTE REINADO. O reinado espiritual de Cristo é o Seu governo real sobre o regnum gratae,isto é, sobre o Seu povo ou Sua igreja. É um reinado espiritual, porque se relaciona com uma esfera espiritual. É o governo mediatário estabelecido nos corações e nas vidas dos crentes. Ademais, é espiritual porque leva direta e imediatamente a um fim espiritual, a salvação do Seu povo. E, finalmente, é espiritual porque administrado, não pela força ou por meios externos, mas pela Palavra e pelo Espírito, que é o espírito de verdade, de sabedoria, de justiça e santidade, de graça e misericórdia. Este reinado revela-se na reunião da igreja e em seu governo, proteção e perfeição. A Bíblia fala a seu respeito em muitos lugares, tais como, Sl 2.6; 45.6, 7 (cf. Hb 1.8, 9); 132.11; Is 9.6, 7; Jr 23.5, 6; Mq 5.2; Zc 6.13; Lc 1.33; 19.27, 38; 22.29; Jo 18.36, 37; At 2.30-36, e outros. A natureza espiritual deste reinado é indicada pelo fato, entre outros, de que Cristo é repetidamente chamado Cabeça da igreja, Ef 1.22; 4.15; 5.23; Cl 1.18; 2.19. Este vocábulo, no sentido em que é aplicado a Cristo, é, nalguns casos, praticamente equivalente a “Rei” (Cabeça num sentido figurado, alguém revestido de autoridade), como em 1 Co 11.3; Ef 1.22; 5.23; Noutros casos, porém, é empregado no sentido literal e orgânico, Ef 4.15; Cl 1.18; 2.19, e, em parte, também em Ef 1.22. Nunca (exceto em 1 Co 11.3) a palavra é empregada sem a implicação desta concepção orgânica. As duas idéias estão muito ligadas. É justamente porque Cristo é a Cabeça da igreja, que Ele a pode governar como Rei, de maneira orgânica e espiritual. A relação entre ambos os aspectos pode ser demonstrada como segue: (1) O governo de Cristo como Cabeça indica a união mística entre Cristo e Seu corpo, a igreja, e, portanto, pertence à esfera do ser. Seu reinado indica, porém, que Ele está revestido de autoridade, e pertence à esfera judicial. (2) O governo de Cristo como Cabeça é subserviente à Sua realeza. O Espírito que Cristo, como a cabeça da igreja, lhe comunica, é também o meio pelo qual Ele exerce o Seu poder real na igreja sobre ela. Os preliminares da atualidade insistem veementemente em que Cristo é igreja e sobre ela. Os premilenistas da atualidade insistem veementemente em que Cristo é a Cabeça da igreja, mas, via de regra, negam que Ele seja o seu Rei. Isto equivale a dizer que Ele não é o Governante autorizado da igreja, e que os oficiais da igreja não O representam no governo da igreja. Eles não somente se recusam a admitir que Ele é o Rei da igreja, mas também negam inteiramente o Seu reinado atual, exceto, talvez, como um reinado de jure (de direito), um reinado que Lhe pertence por direito, mas que ainda não se tornou efetivo. Ao mesmo tempo, sua prática é melhor que a sua teoria, pois na vida prática eles reconhecem, deveras incoerentemente, a autoridade de Jesus Cristo.
2. O REINO ABRANGIDO PELA REALEZA DE CRISTO. Este reino tem as seguintes características:
a. Está baseado na obra de redenção. O regnum gratiae não se originou na obra criadora de Deus, mas, como o nome indica, em Sua graça redentora. Ninguém é cidadão deste reino em virtude da sua humanidade. Unicamente os redimidos têm essa honra e privilégio. Cristo pagou o resgate pelos Seus e, por Seu Espírito, aplica a eles os méritos do Seu sacrifício perfeito. Conseqüentemente, eles agora Lhe pertencem e O reconhecem como o seu Senhor e Rei.
b. É um reino espiritual. Na dispensação do Velho Testamento, este reino projetava-se fracamente no reino teocrático de Israel. Mesmo na Velha dispensação, a realidade deste reino achava-se somente na vida interior dos crentes. O reino nacional de Israel, no qual Deus era Rei, legislador e Juiz, e o rei terreno era apenas o vice-regente de Jeová, designado para executar os Seus juízos, era apenas um símbolo, sombra e tipo daquela gloriosa realidade, especialmente como estava destinada a manifestar-se nos dias do Novo Testamento. Com a vinda da nova dispensação, todas as sombras do velho Testamento se desvaneceram, e com elas também o reino teocrático. Do seio de Israel a realidade espiritual do reino surgiu e assumiu existência independente da teocracia do Velho testamento. Daí, o caráter espiritual do reino expõe-se mais claramente no Novo Testamento denomina reino de Deus ou reino dos céus. Cristo é o Rei mediatário. O premilenismo equivocadamente ensina que a expressões “reino de Deus” e “reino dos céus”, no sentido em que são empregadas nos evangelhos, referem-se as duas realidades diferentes, a saber, ao reino universal de Deus e ao futuro reino mediatário de Cristo. É mais que evidente, como alguns dos seus próprios líderes se sentem constrangidos a admitir, que as duas expressões são empregadas uma pela outra nos evangelhos. Transparece isto do fato de que, conquanto Mateus e Lucas muitas vezes registrem as mesmas declarações de Jesus, o primeiro O apresenta empregando a expressão “reino dos céus”, e o segundo a substitui pela expressão “reino de Deus”; comparem-se Mt 13, Mc 4, Lc 8.1-10, e muitas outras passagens. A natureza espiritual do reino é exposta de diversas maneiras. Negativamente, é indicado com clareza que o reino não é um reino externo e natural dos judeus, Mt 8. 11, 12; 21.43; Lc 17.21; Jo 18.36. Positivamente, aprendemos que só se pode entrar neste reino pela regeneração, Jo 3.3, 5; que ele é como uma semente lançada na terra, Mc 4.26-29, como a semente de mostarda, Mc 4.30, e como fermento, Mt 13.33. está nos corações das pessoas, Lc 17.21, é “justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo”, Rm 14.17, e não é deste mundo, mas é um reino caracterizado pela verdade, Jo 18.36, 37. os cidadãos deste reino são descritos como humildes de espírito, mansos, misericordiosos, pacificadores, limpos de coração e como os que têm fome e sede de justiça. A natureza espiritual do reino deverá ser salientada contra todos os que negam a realidade presente do reino mediatário de Deus e sustentam que ele tomará a forma de uma teocracia restabelecida por ocasião do retorno de Jesus Cristo.
Em conexão com a tendência atual de considerar o reino de Deus simplesmente como uma nova condição social, um reino ético de fins, a ser estabelecido por esforços humanos tais como a educação, determinações legais e reformas sociais, é bom ter em mente que a expressão “reino de Deus” nem sempre é empregada no mesmo sentido. Fundamentalmente, a expressão denota uma idéia abstrata, e não concreta, a saber, o governo de Deus estabelecido e reconhecido nos corações dos pecadores. Se isso for compreendido claramente, a futilidade de todos os esforços humanos e de todos os recursos exteriores ficará logo patente. Todo e qualquer esforço humano é incapaz de estabelecer o governo de Deus num único homem que seja, e de levar algum homem ao reconhecimento desse governo. Na medida em que Deus estabelece o Seu governo nos corações dos pecadores, Ele mesmo cria uma esfera na qual exerce o Seu governo e à qual dispensa os maiores privilégios e as bênçãos mais seletas. E, ainda, na proporção em que o homem se ajusta ao governo de Deus e obedece às leis do reino, uma nova condição das coisas resultará naturalmente. De fato, se todos os que agora são cidadãos do reino obedecessem de verdade às suas leis em todos os domínios da vida, o mundo ficaria tão diferente que dificilmente seria reconhecido. Em vista de tudo o que foi dito, não causa surpresa que a expressão “reino de Deus” seja empregada em vários sentidos na Escritura, como, por exemplo, para denotar o reinado de Deus ou do Messias, Mt 6.10; a esfera sobre a qual este governo se estende e a condição das coisas a que ele dá surgimento, Mt 7.21; 19.23, 24; 8.12; a totalidade das bênçãos e privilégios que fluem do reinado de Deus ou do Messias, Mt 13.44, 45; e a condição de coisas que assinala o auge triunfal do reino de Deus em Cristo, Mt 22.2-14; Lc 14.16-24; 13.29.
c. É um reino presente e futuro. Por um lado, é uma realidade espiritual presente e sempre em desenvolvimento nos corações e nas vidas dos homens, e, como tal, exerce influência numa esfera cada vez mais ampla. Jesus e os apóstolos se referem claramente ao reino como já presente no tempo deles, Mt 12.28; Lc 17.21; Cl 1.13. Isto deve ser mantido contra a grande maioria dos premilenistas dos dias atuais. Por outro lado, é também uma esperança futura, uma realidade escatológica; de fato, o aspecto escatológico do reino é o mais proeminente dos dois, Mt 7.21, 22; 19.23; 22.2-14; 25.1-13, 34; Lc 22.29, 30; 1 Co 6.9; 15.50; Gl 5.21; Ef 5.5; 1 Tm 2.12; 2 Tm 4.18; Hb 12.28; 2 Pe 1.11. Essencialmente, o reino futuro consistirá, como o do presente, no governo de Deus estabelecido e reconhecido nos corações dos homens. Mas, por ocasião da gloriosa vinda de Jesus Cristo, este estabelecimento e reconhecimento será aperfeiçoado, as forças ocultas do reino serão reveladas, e o governo espiritual de Cristo verá sua consumação num reinado visível e majestoso. Todavia, é um erro supor que o reino presente se desenvolverá quase imperceptivelmente até transformar-se no reino do futuro. A Bíblia ensina claramente que o reino futuro será anunciado por grandes mudanças cataclísmicas, Mt 24.21-44; Lc 17.22-37; 21.5-33; 1 Ts 5.2, 3; 2 Pe 3.10-12.
d. É estreitamente relacionado com a igreja, embora não completamente idêntico a ela. A cidadania do reino é co-extensiva com o número de membros da igreja invisível. Seu campo de operações, contudo, é maior que o da igreja, desde que visa ao domínio sobre a vida em todas as suas manifestações. A igreja visível é a organização externa do reino mais importante, e a única instituída divinamente. Ao mesmo tempo, é o meio par excellence, dado por Deus, para a propagação do reino de Deus na terra. É bom notar que a expressão “reino de Deus” às vezes é empregado num sentido que o torna praticamente equivalente à igreja visível, Mt 8.12; 13.24-30, 47-50. Apesar de se poder distinguir entre a igreja e o reino, não se deve procurar a distinção ao longo das linhas indicadas pelo premilenismo, que considera o reino como sendo essencialmente um reino de Israel, e a igreja como o corpo de Cristo, formado de judeus e gentios na presente dispensação. Israel era a igreja do Velho Testamento e, em sua essência espiritual, constitui uma unidade com a igreja do Novo testamento, At 7.38; Rm 11.11-24; Gl 3.7-9; Ef 2.11-22.
3. DURAÇÃO DESTE REINADO.
a. Seu começo. As opiniões diferem sobre este ponto. Os premilenistas coerentes negam o presente reinado mediatário de Cristo e acreditam que Ele não ocupará o trono como Mediador enquanto não introduzir o milênio, quando do Seu segundo advento. E os socinianos afirmam que Cristo não foi sacerdote nem rei antes da Sua ascensão. A posição geralmente aceita pela igreja é que Cristo recebeu a Sua designação como Rei mediatário nas profundezas da eternidade, e que começou a agir como tal imediatamente após a Queda, Pv 8.23; Sl 2.6. Durante a antiga dispensação, Ele levou a cabo a Sua obra como Rei, em parte por intermédio dos juizes de Israel e em parte por intermédio dos reis típicos. Mas, embora Lhe fosse permitido governar como Mediador mesmo antes da Sua encarnação, não assumiu pública e formalmente o Seu trono nem inaugurou o Seu reino espiritual antes da Sua ascensão e elevação à mão direita de Deus, At 2.29-36; Fp 2.5-11.
b. Seu término (?). a opinião predominante é que o reinado espiritual de Cristo sobre a Sua igreja, quanto ao seu caráter essencial, continuará eternamente, embora sofrendo importantes alterações em seu método de operação na consumação do mundo. A duração eterna do reinado espiritual de Cristo é ensinada explicitamente nas seguintes passagens: Sl 45.6 (comp. Com Hb 1.8); 72.17; 89.36, 37; Is 9.7; Dn 2.44; 2 Sm 7.13, 16; Lc 1.33; 2 Pe 1.11. O Catecismo de Heidelberg também fala de Cristo como o “nosso rei eterno”. Semelhantemente o faz a Confissão Belga, no capítulo XXVII. Além disso, as funções de Rei e de Cabeça exercidas por Cristo estão inextricavelmente entrelaçadas. As funções exercidas como Cabeça são subservientes às funções reais e, às vezes, são claramente expostas como as incluindo, Ef 1.21, 22; 5.22-24. Mas, certamente, Cristo jamais deixará de ser a Cabeça da Sua igreja, jamais a deixará como um corpo sem cabeça. Finalmente, o fato de que Cristo é sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque, também serve de argumento em favor da duração eterna do reinado espiritual de Cristo, desde que o Seu ofício mediatário constitui uma unidade. Contudo, Dick e Kuyper defendem a idéia de que este reinado de Cristo cessará quando Ele completar a salvação do seu povo. A única passagem da escritura à qual eles recorrem é 1 Co 15.24-28, mas, evidentemente, esta passagem não se refere ao reinado espiritual de Cristo, mas, sim, ao Seu reinado sobre o universo.

B. O Reinado de Cristo Sobre o Universo.

1. A NATUREZA DESTE REINADO. Com a expressão regnum potentiae nos referimos ao domínio do Deus e homem Jesus Cristo sobre o universo, Sua administração providencial e judicial de todas as coisas, no interesse da igreja. Como rei do universo, o Mediador guia de tal maneira os destinos dos indivíduos, dos grupos sociais e das nações, que promove o crescimento, a purificação gradual e a perfeição final do povo que Ele remiu com o Seu sangue. Nessa capacidade, Ele também protege os Seus dos perigos a que são expostos no mundo, e vindica a Sua justiça com a sujeição e destruição de todos os Seus inimigos. Neste reinado de Cristo vemos o restabelecimento inicial do reinado original do homem. A idéia de que Cristo governa agora os destinos dos indivíduos e das nações no interesse da Sua igreja, que Lhe custou o Seu sangue, é muito mais consoladora que a noção de que agora Ele é “um refugiado no trono do céu”.
2. A RELAÇÃO DO REGNUM POTENTIAE COM O REGNUM GRATIAE. O reinado de Cristo sobre o universo é subserviente ao Seu reinado espiritual. É incumbência de Cristo, como o Rei ungido, estabelecer o reino espiritual de Deus, governá-lo e protegê-lo contra as forças hostis. Ele tem que fazer isto num mundo que está sob o poder do pecado e tendente a opor-se a todos os esforços espirituais. Se esse mundo estivesse fora do domínio de Cristo, facilmente frustraria todos os seus esforços. Por isso, Deus O revestiu de autoridade sobre o mundo, para que Ele pudesse dominar todos os poderes, forças e movimentos do mundo e, assim, pudesse garantir um alicerce seguro para o Seu povo no mundo, e protegê-lo contra os poderes das trevas. Estes não podem derrotar os Seus propósitos, e são constrangidos a prestar-lhes serviço. Sob o governo benéfico de Cristo, até a ira do homem é levada a louvar a Deus.
3. DURAÇÃO DESTE REINADO. Cristo foi formalmente investido neste reinado sobre o universo quando foi exaltado à destra de Deus. Foi uma prometida recompensa por Seus labores, Sl 2.8, 9; Mt 28.18; Ef 1.20-22; Fp 2.9-11. Esta investidura fazia parte da exaltação do Deus e homem. Ela não Lhe deu nenhum poder ou autoridade que Ele já não possuísse como Filho de Deus; tampouco aumentou o Seu território. Mas o Deus e homem, o Mediador, tornou-se agora possuidor desta autoridade, e a Sua natureza humana passou a participar da glória desta possessão real. Ademais, o governo do mundo passou agora a ser subserviente aos interesses da igreja de Jesus Cristo. E este reinado de Cristo durará até completar-se a vitória sobre os inimigos e até quando a morte for abolida, 1 Co 15.24-28. Na consumação de todas as coisas, o Deus e homem renunciará à autoridade a Ele conferida para um propósito especial, visto não haver mais necessidade dela. Ele devolverá a Deus o encargo para o qual fora comissionado, para que Deus seja tudo em todos. O propósito terá sido cumprido; a humanidade estará redimida; e, com isso, a realeza original do homem terá sido restabelecida.


Lição 10 – A Obra Intercessória de Cristo




A obra sacerdotal de Cristo não se restringe à oferta sacrificial de Si mesmo na cruz Às vezes se declara que, ao passo que Cristo foi Sacerdote na terra, é Rei no céu. Isto cria a impressão de que a Sua obra sacerdotal está terminada, o que de modo nenhum é correto. Cristo é um Sumo Sacerdote, não somente terreno, mas também, e especialmente, celestial. Ele é, mesmo quando assentado à destra de Deus, com majestade celeste, “ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem”, Hb 8.2. Ele só principiou a Sua obra sacerdotal na terra, e a está completando no céu. No sentido estrito da palavra, Ele não é contato entre os sacerdotes terrenos, que eram apenas sombras de uma realidade vindoura, Hb 8.4. Ele é o Sacerdote verdadeiro, o Sacerdote verdadeiro, o sacerdote de fato,a servir no verdadeiro santuário, do qual o tabernáculo de Israel era apenas uma sombra imperfeita. Ao mesmo tempo, Ele é agora o sacerdote que ocupa o trono, nosso Intercessor junto ao Pai.

A. Prova Bíblica da Obra Intercessória de Cristo.

1. A OBRA INTERCESSÓRIA DE CRISTO SIMBOLIZADA. Enquanto que a obra sacrificial de Cristo foi simbolizada primordialmente pelas funções sacerdotais desempenhadas junto ao altar de bronze e pelos sacrifícios que nele eram apresentados, Sua obra intercessória foi prefigurada pela queima diária de incenso no altar de ouro, no Lugar Santo. A nuvem de incenso a evolar-se constantemente não era somente um símbolo das orações de Israel; era também um tipo de oração sacerdotal do nosso grande Sumo Sacerdote. Esta ação simbólica da queima de incenso não estava dissociada da apresentação dos sacrifícios no altar de bronze, mas, antes, estava sumamente relacionada com ela. Estava relacionada com a aplicação do sangue das mais importantes ofertas pelo pecado, sangue que era aplicado aos chifres do altar de ouro, também chamado altar do incenso, era borrifado em direção ao véu, e, no grande Dia da Expiação, era até levado ao Santo dos Santos e espargido no assento da misericórdia, isto e, no propiciatório. Esta manipulação do sangue simbolizava a apresentação do sacrifício a Deus, que habitava entre os querubins. O Santo dos Santos era claramente um símbolo e tipo da cidade quadrangular, a Jerusalém celeste. Ainda há outra conexão entre a obra sacrificial realizada junto ao altar de bronze e a intercessão simbólica feita junto ao altar das ofertas queimadas era uma indicação de que a intercessão se baseava no sacrifício e de que, doutro modo, não seria eficaz. Isto indica claramente que a obra intercessória de Cristo no céu está baseada em Sua obra sacrificial consumada, e que só é aceitável sobre esta base.
2. INDICAÇÕES NEOTESTAMENTÁRIAS DA OBRA INTERCESSÓRIA DE CRISTO. O termo parakletos é aplicado a Cristo. Acha-se esta palavra somente em Jo 14.16, 26; 15.26; 16.7; 1 Jo 2.1. É traduzida pro “Consolador” sempre que aparece no Evangelho Segundo João, mas por “Advogado” na única passagem em que ela se encontra na primeira Epistola de João. A forma é passiva e, portanto, como diz Westcott, só pode “significar propriamente ‘alguém chamado para o lado de outrem’, e isto incluindo a noção secundária de aconselhá-lo ou ajudá-lo”.[1] Assinala ele que a palavra tem este sentido no grego clássico, em Filo e também nos escritos dos rabis. Muitos dos chamados “pais gregos”, porém deram à palavra um sentido ativo, traduziram-na por “Consolador”, e, assim, deram indevida proeminência àquilo que é apenas uma aplicação secundária do termo, embora percebendo que este sentido não poderia adequar-se a 1 Jo 2.1. A palavra, então, denota alguém que é convocado como auxilio, como advogado, como alguém que pleiteia a causa de outrem e também lhe dá conselho. Naturalmente, a obra realizada por tal advogado pode trazer consolo e fortalecimento, e, portanto, ele também pode ser chamado consolador, num sentido secundário. Cristo é explicitamente chamado nosso Advogado unicamente em 1 Jo 2.1, mas implicitamente também o é em Jo 14.16. A promessa, “E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco”, implica claramente que Cristo também era um parakletos. O Evangelho Segundo João aplica normalmente o termo ao Espírito Santo. Portanto, h’s dois Advogados, Cristo e o Espírito Santo. A obra de ambos é em parte idêntica e em parte diferente. Quando Cristo estava na terra, Ele era o Advogado dos discípulos, defendendo sua causa contra o mundo e ajudando-os com sábio aconselhamento, e o Espírito Santo está continuando agora essa obra na igreja. Até aqui, a obra de ambos é idêntica, mas também há diferença. Cristo, como nosso Advogado, defende a causa dos crentes junto ao Pai e contra Satanás, o acusador (Zc 3.1; Hb 7.25; 1 Jo 2.1; Ap 12.10), ao passo que o Espírito Santo não somente defende a causa dos crentes contra o mundo (Jo 16.8), mas também defende a causa de Cristo junto aos crentes e lhes ministra sábio aconselhamento (Jo 14.26; 15.26; 16.14). resumidamente podemos dizer também que Cristo defende a nossa causa junto a Deus, enquanto que o Espírito Santo defende a causa de Deus junto a nós. Outros textos neotestamentários que falam da obra intercessória de Cristo acham-se em Rm 8.24; Hb 7.25; 9.24.

B. Natureza da Obra Intercessória de Cristo.

É evidente que a obra intercessória de Cristo não pode ser dissociada do Seu sacrifício expiatório, que compõe sua base necessária. É apenas a continuação da obra sacerdotal de Cristo, levada adiante até completar-se. Comparado com a obra sacrificial de Cristo, o Seu ministério de intercessão recebe diminuta atenção. Mesmo nos círculos fiéis ao Evangelho muitas vezes a impressão dada, embora talvez não intencionalmente, é a de que a obra realizada pelo Salvador na terra foi muito mais importante que os serviços que Ele agora presta no céu. Ao que parece, é para a compreensão de que, no Velho testamento, a ministração diária no templo culminava com a queima de incenso, o que se simbolizava o ministério da intercessão; e de que ritual anual do grande Dia da Expiação chegava ao seu ápice quando o sumo sacerdote passava além do véu com o sangue expiatório. Tampouco se pode dizer que o ministério da intercessão é compreendido suficientemente. Esta pode ser a causa, mas também pode ser o resultado, da falha geral dos cristãos em não fixar a atenção nele. A idéia predominante é que a intercessão de Cristo consiste exclusivamente das orações que Ele oferece em favor do Seu povo. Pois bem, não se pode negar que estas são uma parte importante da obra intercessória de Cristo, mas não são toda ela. O ponto fundamental que se deve lembrar é que o ministério da intercessão não deve ser dissociado da expiação, desde que ambos são apenas dois aspectos da mesma obra redentora de Cristo, e se pode dizer que os dois ministérios se fundem num só. Martin acha que ambos aparecem constantemente em justaposição e são tão estreitamente interrelacionadas na Escritura, que se sente justificado ao fazer a seguinte afirmação: “A essência da Intercessão é Expiação; e a Expiação é essencialmente uma Intercessão. Ou, talvez, para colocar o paradoxo mais suavemente: A Expiação é real – um sacrifício e uma oferta reais, e não mero sofrimento passivo – porque, em sua própria natureza, é uma intercessão ativa e infalível; ao passo que, por outro lado, a Intercessão é uma Intercessão real – uma Intercessão judicial, representativa e sacerdotal, e não mero exercício de influencia – porque é essencialmente uma Expiação, ou seja, uma oblação substitutiva, feita uma vez por todas no Calvário, agora apresentada perpetuamente e usufruindo perpétua aceitação no céu”.[2]
1. Exatamente como o sumo sacerdote, no grande Dia da expiação, entrava no lugar santíssimo, isto é, no Santo dos Santos, com o sacrifício consumado, para apresentá-lo a Deus, assim Cristo entrou no Santo Lugar celestial com o Seu sacrifício consumado, perfeito e todo-suficiente, e o ofereceu ao pai. E exatamente como o sumo sacerdote, ao entrar no santo Lugar, vinha à presença de Deus trazendo simbolicamente as tribos no seu peito, assim Cristo apareceu diante de Deus como representante do Seu povo, e assim restabeleceu a humanidade na presença de Deus. É a este fato que o escritor de hebreus se refere quando diz: “Porque Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus”, Hb 9,24. Os teólogos reformados (calvinistas) freqüentemente dirigem a atenção ao fato de que a presença perpétua do sacrifício consumado de Cristo perante Deus contém em si mesma um elemento de intercessão como uma constante lembrança da perfeita expiação de Jesus Cristo. É um tanto semelhante ao sangue da páscoa, do qual disse o Senhor: “O sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes: quando eu vir o sangue, passarei por vós” (Ex 12.13).
2. Há também um elemento judicial na intercessão, precisamente como na expiação. Mediante a expiação, Cristo satisfez as justas exigências da lei, de modo que nenhuma acusação legal pode, com justiça, ser feita contra aqueles pelos quais Ele pagou o preço. Contudo, Satanás, o acusador sempre está propenso a lançar acusações contra os eleitos; mas Cristo as refuta todas, mostrando a obra que Ele consumou. Ele é o Paráclito, o Advogado do Seu povo, dando resposta a todas as acusações lançadas contra os Seus. Fazem-nos lembrar isto, não somente o nome “Paraclito”, mas também as palavras de Paulo em Rm 8.33, 34: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu, ou antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós”. Aí o elemento judicial está claramente presente. Cf. também Zc 3.1, 2.
3. A obra intercessória de Cristo não se restringe a responsabilizar-se Ele pelo nosso estado judicial; relaciona-se também com a nossa condição moral, com a nossa santificação gradativa. Quando nos dirigimos ao Pai em nome de Cristo, Ele santifica as nossas orações. Elas precisam disto porquanto muitas vezes são muito imperfeitas, triviais, superficiais, e até insinceras, ao passo que são dirigidas Àquele que é perfeito em santidade e em majestade. E, alem disso, tornando aceitáveis as nossas orações, Ele também santifica os nossos serviços no reino de Deus. Isso também é necessário, porque muitas vezes tomamos consciência de que eles não provem dos motivos mais puros; e de que, mesmo quando provem, estão longe daquela perfeição que os tornaria, em si mesmo, aceitáveis a um Deus santo. A doença do pecado acha-se neles todos. Daí dizer Pedro: “Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também vós mesmos como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo”, 1 Pe 2.4, 5. O ministério intercessório de Cristo é igualmente um ministério de amorosa atenção ao Seu povo. “Porque não temos um sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, antes foi ele tentado em todas as cousas, à nossa semelhança, mas em pecado. Pois naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados”, Hb 4.15; 2.18.
4. E em meio e por meio disso tudo, também há, finalmente, o elemento de oração pelo povo de Deus. Se a intercessão é parte integrante da obra expiatória de Cristo, segue-se que a oração intercessória se relaciona necessariamente com as coisas concernentes a Deus (Hb 5.1), para a consumação da obra da redenção. A Oração intercessória de Jo 17 evidencia que este elemento está incluído; ali Jesus diz explicitamente que ora pelos apóstolos e por todos aqueles que, pela palavra deles, viriam a crer nele. É um pensamento consolador este, que Cristo está orando por nós, mesmo quando somos negligentes em nossa vida de oração; que Ele está apresentando ao pai aquelas necessidades espirituais que não estavam presentes em nossas mentes e que freqüentemente omitimos, negligentes, em nossas orações; e que Ele ora para nossa proteção contra perigos dos quais nem sempre estamos cônscios , e contra os inimigos que nos ameaçam, embora não o percebemos. Ele está orando para que a nossa fé não feneça, e para que saiamos vitoriosos no fim.

C. As Pessoas Por Quem e as Coisas Pelas Quais Ele Intercede.

1. AS PESSOAS POR QUEM ELE INTERCEDE. Como já foi dito, a obra intercessória é simples complemento da Sua obra sacerdotal e redentora, e, portanto a extensão de ambas é igual. Cristo intercede por todos aqueles por quem Ele fez expiação, e somente por estes. Pode-se inferir isto do caráter limitado da expiação, e também de passagens como Rm 8.34; Hb 7.25, 26; 9.24. Em cada uma destas passagens, a palavra nós (ou nos) se refere aos crentes. Além disso, na oração sacerdotal registrada em Jo 17, Jesus diz ao Pai que ora por Seus discípulos que ali estão e “por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra”, Jo 17.9, 20. No versículo 9 Ele faz uma declaração sumamente explicita a respeito da limitação da Sua oração sacerdotal: “É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste”. E o versículo 20, nos ensina que Ele não intercede somente pelos discípulos presentes, mas por todos os eleitos, tanto os já crentes como os que virão a crer futuramente. O intercessor está pendente de cada um daqueles que Lhe são dados, Lc 21.32; Ap 3.5. Os luteranos distinguem entre uma intercessão geral por todos os homens e uma intercessão especial, unicamente pelos eleitos. Para prova-lo, recorrem a Lc 23.34, que contem a oração de Cristo por Seus inimigos, mas essa oração não precisa ser considerada como parte da obra intercessória oficial de Cristo. Dabney acredita que era, e que os objetos dessa oração se converteram mais tarde. Mas também é possível que essa oração seja como a oração que Cristo ensinou os Seus discípulos a fazerem por seus inimigos, oração pelo livramento de um imediato e terrível castigo pelo enorme crime cometido. Cf. Mt 5.44.
2. AS COISAS PELAS QUAIS CRISTO INTERCEDE. Cristo tem muito pelo que orar em Sua prece intercessória. Só podemos dar uma breve indicação de algumas das coisas pelas quais Ele ora. Cristo ora rogando que os eleitos que ainda não se acham no estado de graça sejam nele introduzidos; que os que já se acham recebam perdão por seus pecados diários, isto é, experimentem a continuada aplicação a eles dos frutos da justificação; que os crentes sejam protegidos das acusações e tentações de Satanás; que os santos sejam santificados progressivamente, Jo 17.17; que a sua comunicação com o céu seja mantida, Hb 4.14, 16; 10.21, 22; que os serviços do povo de Deus sejam aceitos, 1 Pe 2.5; e que por fim entrem no gozo da sua herança perfeita no céu, Jo 17.24.

D. Características da Sua Intercessão.

Há especialmente três características da obra intercessória para as quais se deve dirigir a atenção:
1. A CONSTÂNCIA DA SUA INTERCESSÃO. Precisamos não somente de um Salvador que tenha completado uma obra objetiva por nós no passado, mas também que diariamente se empenhe em garantir para os Seus a aplicação subjetiva dos frutos do sacrifício realizado. Miríades de pessoas requerem Sua atenção ao mesmo tempo, e um momento de interrupção se revelaria fatal para os interesses delas. Portanto, Ele está sempre alerta e vivamente atento a todas as suas necessidades, e nenhuma das usas orações Lhe escapa.
2. A AUTORIDADE DA SUA INTERCESSÃO. Não é inteiramente correto descreve-lo como súplice ante o trono de Deus, pedindo ao Seu povo, Sua oração não é a petição da criatura ao Criador, mas a solicitação do Filho ao pai. “A consciência da Sua igual dignidade, da Sua intercessão poderosa e eficaz, manifesta-se nisto, que, por muitas que sejam as vezes que Ele pede, ou declara que pedirá alguma coisa ao Pai, sempre é eroto, eroteso, uma solicitação ou requerimento, isto é, como um pedido baseado em termos iguais (Jo 14.16; 16.26; 17.9, 15, 20), nunca aiteo ou aiteso.[3]* Cristo permanece diante do pai como um intercessor autorizado e como alguém que pode apresentar reivindicações legais. Ele pode dizer: “Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste”, Jo 17.24.
3. A EFICÁCIA DA SUA INTERCESSÃO. A oração intercessória de Cristo é uma oração que nunca falha. Junto ao túmulo de Lázaro o Senhor expressou a certeza de que o pai sempre O ouve, Jo 11.42. Suas orações intercessória em favor do Seu povo estão baseadas em Sua obra expiatória; Ele fez por merecer tudo quanto pedir, e nisso está a segurança de que essas orações são eficientes. Elas realizarão tudo que Ele desejar. O povo de Deus pode auferir consolo e fortaleza do fato de contar com um intercessor tão eficaz junto ao Pai.




[1] Commentary on the Gospel of John, nota adicional em seguida ao capítulo XVI.
[2] The Atonement, p. 115.
[3] Trench,  New testamente Synonyms, p. 136.
* Trench faz disitnçao entre erotao (pedir de igual para igual) e  aiteo (pedir a um superior). Distinção contestada por alguns, entre os quais Ezra Abbot e Cremer. Nota do tradutor.

Lição 11 – A Volta de Cristo





A EXPECTAÇÃO DA Segunda Vinda
Anthony Hoekema

            A Segunda Vinda de Cristo está no centro de nossas considerações sobre a “Escatologia Cósmica”. Cristo veio para inaugurar seu Reino, mas ele vem novamente para introduzir a consumação daquele Reino. Embora, como vimos, o Reino de Deus esteja presente em um sentido, ele é futuro em outro. Vivemos agora entre duas vindas. Olhamos cheios de alegria, no passado, para a primeira vinda de Cristo,  e aguardamos com ansiedade por seu retorno prometido.
            A expectação do Segundo Advento de Cristo é um dos aspectos mais importantes da Escatologia neotestamentária - tanto o é, na verdade, que a fé na Igreja do Novo Testamento é dominada por esta expectação. Todo livro do Novo Testamento nos indica o retorno de Cristo e nos conclama a viver de modo tal a sempre estar  pronto para essa volta. Esta nota é repetida diversas vezes nos Evangelhos. Somos ensinados que o Filho do Homem  virá com seus anjos na glória de seu Pai (Mateus 16.27); Jesus falou ao sumo-sacerdote que este veria o Filho do Homem sentado à destra poderosa de Deus e vindo com as nuvens do céu (Marcos 14.62). Freqüentemente Jesus falou aos seus ouvintes para vigiar por sua volta, uma vez que ele viria numa hora em que eles não esperavam (Mateus 24.42,44; Lucas 12.40). ele falou da felicidade daqueles servos a quem ele encontraria fiéis quando de sua vinda (Lucas 12.37,43). Após ter descrito alguns dos sinais que precederiam sua vinda, o Senhor disse: “Ora, ao começarem estas coisas a suceder, exultai e erguei as vossas cabeças; porque a vossa redenção se aproxima” (Lucas 21.28). e em seu discurso de despedida Jesus contou a seus discípulos que, após ter deixado a terra, ele viria novamente e os levaria consigo (João 14.3).
            Uma nota similar ressoa no livro de atos. Os anjos disseram aos discípulos que assistiam à ascensão de Jesus aos céus: “Esse Jesus, que dentre vós foi assunto ao céu, assim virá do modo como o vistes subir” (At 1.11). E Paulo disse aos atenienses que um dia Deus julgará o mundo pelo homem a quem levantou dos mortos, o Senhor Jesus Cristo (Atos 17.31).
As epístolas paulinas revelam uma consciência vívida da proximidade e certeza da volta do Senhor: “pois vós mesmos estais inteirados com precisão de que o dia do Senhor vem como ladrão de noite” (1 Ts 5.2); “Perto está o Senhor” (Fp 4.5). Paulo insta com os Coríntios para serem cautelosos em fazer julgamentos, uma vez que o Senhor está vindo: “Portanto, nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não somente trará à plena luz das coisas ocultas das trevas...” (1 Co 4.5) Em Tito 2.13 ele descreve os cristãos como aqueles que estão “aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”. E em Romanos 8.19 ele nos fala de que a “ardente expectativa da criação aguarda, a revelação dos filhos de Deus”.
            Este senso agudo da expectação do Segundo Advento de Cristo, entretanto, é também encontrado nas epístolas católicas. O autor de hebreus diz que “assim também Cristo, tendo se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação” (Hb 9.28). Tiago fala de modo semelhante quando diz: “fortalecei os vossos corações, pois a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5.8). Pedro enfatiza tanto a certeza da volta do Senhor como a  incerteza sobre sua hora: “Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis [os anciãos] a imarcescível coroa da glória” (1 Pe 5.4); “Virá, entretanto, como ladrão, o dia do Senhor” (2 Pe 3.10). João insta com seus leitores a permanecerem em Cristo a fim de que, quando ele se manifestar, eles possam ter confiança (1 João 2.28); mais adiante, ele afirma que quando Cristo efetivamente aparecer de novo, seremos como ele, uma vez que o veremos como ele é (1 João 3.2).
            Um sentido similarmente forte da expectação da volta do Senhor ressoa através do livro do Apocalipse: “Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá” (Ap 1.7). “Venho sem demora”, diz Jesus à Igreja em Filadélfia; “Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa”. (3.11). E em Apocalipse 22.20, o penúltimo verso do Novo Testamento, lemos: “Aquele que dá testemunho destas coisas diz: Certamente venho sem demora. Amém. Vem, Senhor Jesus!”
            Esta mesma expectação vivida pela volta de Cristo deveria marcar a Igreja de Jesus Cristo nos dias de hoje. Se esta expectação não mais estiver presente, há algo radicalmente errado. É o servo infiel da parábola de Jesus que diz em seu coração: “Meu senhor tarda em vir” (Lucas 12.45). Pode haver várias razões para a perda deste senso de expectação. É possível que a Igreja hodierna esteja tão envolvida em assuntos materiais e seculares que o interesse pela Segunda Vinda  esteja se desvanecendo no segundo plano. É possível que muitos cristãos não mais creiam numa volta literal de Cristo. É também possível que muitos dos que crêem numa volta literal empurram este evento para tão longe, no futuro distante, que não vivem mais na espera dessa volta. Quaisquer que sejam as razões, a perda de uma expectativa vívida e vital da Segunda Vinda de Cristo é um sinal de uma enfermidade espiritual das mais sérias na Igreja. embora possa haver diferenças entre nós acerca dos diversos aspectos da Escatologia, todos os cristãos deveriam aguardar ansiosamente pela volta de Cristo e deveriam viver à luz desta expectação renovada a cada dia.
            Admitindo, pois, que a Igreja deve viver à luz desta expectação, deparamo-nos com um problema quando começamos a perguntar acerca de quando será a Parousia ou Segunda Vinda de Cristo. Este é o problema do assim chamado “atraso da Parousia”. Conforme os eruditos do Novo Testamento que falam sobre tal atraso, Jesus, Paulo e toda a Igreja Primitiva aguardavam a volta de Cristo para muito em breve. Parece óbvio, entretanto, assim dizem esses eruditos, que Cristo e Paulo estavam enganados, uma vez que ele não veio logo - na verdade, ele ainda não retornou. Este, pois, é nosso problema: Por que Cristo predisse seu breve retorno, e por que até agora ele ainda não retornou?
            Foi Albert Schweitzer quem primeiro alcunhou a expressão: “O atraso da Parousia”1. De acordo com sua posição, desenvolvida mais completamente no Apêndice, o próprio Jesus esperava que a Parousia e a vinda do reino escatológico ocorresse antes de os discípulos terem terminado sua jornada de pregação pelas cidades de Israel (ver Mateus 10.23). Quando os discípulos retornaram e isto não tinha acontecido, Jesus percebeu que tinha cometido um engano - e este foi o primeiro “atraso da Parousia”. Então Jesus começou a pensar que ele teria de trazer o Reino através de seu próprio sofrimento e morte. Mas mesmo nisso ele estava enganado, e então morreu como um homem completamente desiludido.
            Schweitzer representa a posição que veio a ser conhecida como Escatologia consistente, bem como Fritz Buri e Martin Werner2. De acordo com esta escola de pensamento, Jesus estava enganado não apenas acerca do tempo de sua Parousia, mas também acerca de todo o ambiente escatológico no qual ele situou o Reino. Falando francamente, o que aconteceu na época da vida de Jesus mostra que não haverá Parousia ou Reino escatológico futuro. Para estes teólogos, toda a história do cristianismo torna-se uma “desescatologização” do cristianismo. Ao invés de viver durante um breve ínterim entre as duas vindas de Cristo, a Igreja agora se vê como uma longa linha de continuidade histórica. De acordo com Werner, o vácuo criado pelo atraso da Parousia é agora preenchido pela história do dogma cristão 3. Não aguardamos nenhuma Segunda Vinda; este conceito, uma vez emprestado dos escritos apocalípticos judaicos, não é integrante da fé cristã e, portanto, deveria ser simplesmente abandonado.
            Outros teólogos recentes, menos radicais do que os recém-mencionados, efetivamente aguardam pela Segunda Vinda de Cristo, mas concordam em que Jesus estava enganado ao predizer seu retorno para breve. Oscar Cullmann pertence a este grupo. Embora, como já vimos, ele dê ênfase ao fato de que o grande ponto central da história já aconteceu, ele efetivamente aguarda a volta de Cristo. Mas ele sustenta que a expectação da Igreja Primitiva pela proximidade dessa volta (uma questão mais de décadas do que de séculos) era um “erro de perspectiva” que pode ser explicado “da mesma forma com que explicamos as previsões precipitadas sobre a data do fim da guerra, uma vez presente a convicção de que a batalha decisiva já aconteceu” 4. Outro teólogo desta posição é Werner G. Kummel, que afirma especificamente que Jesus estava errado sobre este assunto: “Jesus não proclama apenas a vinda futura do Reino de Deus em termos gerais, mas também sua iminência. E mais: ...ele enfatiza isto tão concretamente que o limitou ao tempo de vida da geração de seus ouvintes... É perfeitamente claro que esta predição de Jesus não foi cumprida e é portanto impossível asseverar que Jesus não estava enganado acerca disto” 5.
            O problema com que nos deparamos aqui, portanto, é se Cristo realmente predisse que ele voltaria dentro de uma geração e, em caso afirmativo, porque essa predição não se fez verdadeira. A expressão: “atraso da Parousia” sugere que algo de errado aconteceu com os cálculos. Houve realmente tal atraso? O Apóstolo Paulo realmente também esperava que Cristo voltasse no seu período de vida? Então, estava ele também enganado? Estaria toda a Igreja Primitiva sob a impressão errada de que a Parousia iria acorrer dentro de algumas décadas?
            Antes de tudo, olharemos para o problema no que toca aos Evangelhos Sinóticos. Acabamos de ver que muitos eruditos modernos do Novo Testamento interpretam certas declarações de Jesus como implicando que ele retornaria do espaço de uma geração. Ao iniciar nossa discussão, deveríamos observar que os Sinóticos registram três tipos de discursos acerca do futuro do Reino: (1) Há três pronunciamentos que aprecem falar de um retorno iminente; (2) há outra série de pronunciamentos que falam mais de atraso do que de iminência; e (3) há ainda outro grupo de pronunciamentos e parábolas que enfatizam a incerteza do tempo da Segunda Vinda 6. Mais tarde observaremos estas passagens em mais detalhe. Por ora, entretanto, fica óbvio que falar apenas do primeiro grupo de pronunciamento e negligenciar os outros dois grupos é tornar-se culpado de uma super-simplificação grosseira.
            Passemos agora a examinar cada um destes grupos de passagens. Os três textos dos quais se diz que ensinam o retorno de Cristo no espaço da geração daqueles que então viviam (as “passagens de iminência”) são as seguintes:  Marcos 9.1 (e o paralelo de Mateus 16.28; Lucas 9.27), Marcos 13.30 (e o paralelo de Mateus 24.34; Lucas 21.32) e Mateus 10.23. estes são textos difíceis, pelo que deveremos observá-los cuidadosamente. Mas antes de o fazermos, deveríamos observar que, no meio do seu assim chamado discurso apocalíptico, Jesus disso claramente: “Mas a respeito daquele dia ou da hora [o tempo da Parousia] ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o filho, senão somente o Pai” (Marcos 13.32); cp. Mateus 24.36). Se estas palavras podem significar alguma coisa, elas significam que o próprio Cristo não sabia o dia ou a hora de sua volta. Podemos ter dúvidas acerca de como esta declaração pode ser conciliada com a deidade de Cristo ou a onisciência do Filho, mas não pode haver dúvidas sobre o que Cristo está dizendo aqui. Se, pois, o próprio Cristo, conforme Ele próprio admitiu, não sabia a hora de seu retorno, nenhuma outra declaração sua pode ser interpretada como indicativa do tempo exato desse retorno. Isto inclui as passagens difíceis que acabamos de mencionar. A insistência em que essas passagens exijam uma Parousia no espaço da geração daqueles que eram contemporâneos de Jesus, está claramente em desacordo com a negativa do próprio Jesus acerca de conhecer o tempo de sua volta.
            Marcos 9.1 diz o seguinte: “Jesus dizia-lhes ainda: em verdade vos afirmo que, dos que aqui se encontram, alguns há que, de maneira nenhuma passarão pela more até que vejam ter chegado com poder o Reino de Deus”. A passagem paralela, em Lucas, termina com as palavras: “até que vejam o Reino de Deus” (Lc 9.27), enquanto que a passagem paralela em Mateus termina como se segue: “até que vejam vir o Filho do Homem no seu reino” (Mt 16.28).
            Conforme seria de se esperar, as interpretações desta passagem variam em grande escala. Alguns sustentam que Jesus falava aqui acerca de sua Parousia, e estava dessa forma predizendo um retorno dentro do tempo de vida de alguns de seus ouvintes7. Pelas razões fornecidas acima, esta interpretação deve ser rejeitada. Outros intérpretes sugerem que Jesus estava falando acerca da transfiguração, que é o evento seguinte registrado em todos os três Sinóticos8. Outra posição, um tanto comum, é que Jesus esteja se referindo à sua ressurreição, juntamente com o derramamento do Espírito subseqüente9; alguns dos que sustentam esta posição a relacionam especialmente com Romanos 1.4: “designado Filho de Deus com poder, segundo o Espírito de santidade, pelo ressurreição dos mortos”. Uma posição similar a este é a de N.B. Stonehouse: Jesus estava se referindo à sua atividade sobrenatural como Senhor ressurrecto, ao estabelecer sua Igreja10. Há os que interpretam as palavras de Jesus como se referindo a manifestações do Reino de Deus tais como o pentecostes, o julgamento sobre Jerusalém ou o avanço poderoso do Evangelho no mundo pagão11. E há eruditos que interpretam a passagem como indicando a destruição de Jerusalém e a subseqüente expulsão dos judeus da Palestina, preparando, desta forma, o caminho para a formação do novo Israel, que consiste de judeus e gentios12.
            Em minha opinião, a interpretação mais aceitável sobre esta difícil passagem é oferecida por H.N. Ridderbos. Embora sua posição tenha algo em comum com várias das sugestões enumeradas, ele vai consideravelmente além destas. Antes de tratar especificamente da passagem que estamos discutindo, em seu livro Coming of the Kingdom (A Vinda do Reino), ele indica que há duas linhas de pensamento nas predições do próprio Jesus acerca de seu futuro: uma aponta para sua morte e ressurreição vindouras, e a outra aponta para sua volta final em glória, e estas duas linhas não devem ser separadas mas conservadas conjuntamente13. Com relação a Marcos 9.1 e às paralelas dos Sinóticos, ele tece os seguintes comentários:
            (1) Não podemos eliminar a Parousia da expectação indicada nas palavras: “Vejam o Reino de Deus vindo em poder”, ou: “vejam o filho do Homem vindo no seu Reino”. Pois há uma referência clara à Parousia no contexto precedente em todos os três relatos dos Evangelhos, e é impossível interpretar as palavras de Jesus como não tendo qualquer referência a seu retorno em glória.
(2) Entretanto, é igualmente sustentável dizer que essas palavras não indicam nada além da Parousia. Entre o tempo em que Jesus disse essas palavras e a Parousia haveria de acontecer o grande evento da ressurreição. Nesta ressurreição o Filho do Homem, igualmente, viria em sua dignidade real (cp. Mateus 28.18).
(3) Na mente dos discípulos, entretanto, a ressurreição de Cristo e sua Parousia estavam ligadas conjuntamente. Aparentemente, eles pensavam que a ressurreição de Cristo não aconteceria até o último dia (cp. Marcos 9.9-11).
(4) As palavras de Cristo, portanto, numa típica condensação profética, vinculam conjuntamente sua ressurreição e sua Parousia. Ele está predizendo que muitos dos que estão vivos, quando ele profere essas palavras, testemunharão sua ressurreição, que em um sentido é uma vinda do Reino de Deus com poder.
(5) A ressurreição de Cristo será seguida por sua Parousia num modo que ele ainda não explica completamente. A ressurreição de Cristo será a garantia da certeza da Parousia14.
Passaremos agora à segunda destas “passagens de iminência”, Marcos 13.30, que diz: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam”. A passagem paralela em Mateus (24.34) é virtualmente idêntica à de Marcos. A paralela em Lucas (21.32) tem um fraseado levemente diferente: “Não passará esta geração até que tudo tenha acontecido”.
Mais uma vez, os eruditos estão divididos quanto à interpretação desta passagem. O maior problema é o significado de “esta geração”, bem como das palavras “sem que tudo isto aconteça”. Em relação a “esta geração” há duas possibilidades: pode referir-se à geração das pessoas que viviam no tempo em que Jesus proferiu estas palavras, ou pode ser entendida num sentido mais qualitativo do que temporal, como descrevendo ou o povo judeu ou os incrédulos rebeldes desde a época em que Jesus está falando até a hora de seu retorno.
Entre os que sustentam a primeira interpretação de “esta geração” estão Oscar Cullmann e Werner Kummel, ambos crendo que “todas as coisas” mencionadas por Jesus incluem a Parousia, e portanto ambos falam de um certo “erro de perspectiva” da parte de Jesus 15. Uma vez que esta compreensão das palavras de Jesus implica que ele estava marcando uma data para seu retorno e uma vez que em Marcos 13.32 (e Mateus 24.36) Jesus afirma claramente que ele não sabe o dia nem a hora de seu retorno, esta interpretação tem de ser rejeitada. Outros, que sustentam que “esta geração” significa a geração contemporânea de Jesus, entendem “todas estas coisas” - como significando a destruição de Jerusalém e os sofrimentos que acompanharão essa destruição, embora eles admitam que a destruição de Jerusalém é um tipo do fim do mundo16. Ainda outros, que compartilham da mesma posição  quanto ao sentido da frase “esta geração”, sustentam que a expressão “todas essas coisas” significa os sinais do fim descritos em Marcos 13.5-23, excluindo-se a Parousia propriamente dita; então, a ênfase seria que aquelas pessoas que estavam vivas, enquanto Jesus estava falando, veriam todos estes sinais precursores de sua vinda sem verem a vinda propriamente dita17.
Entre os que interpretam “esta geração” mais num sentido qualitativo que temporal está F.W. Grosheide, que entende “esta geração” como significando a humanidade em geral, da qual então se diz que permanecerá até a Parousia18. Outros, também entendendo “todas essas coisas” como incluindo a Parousia, interpretam “esta geração” como significando o povo judeu que irá continuar a existir até o fim; entende-se então, esta profecia como incluindo uma esperança pela salvação dos judeus até o último dia19. Há ainda outros que também entendem “esta geração” como se referindo ao povo judeu continuando a existir até o fim dos tempos, mas enfatizando não a possibilidade de sua salvação, porém antes sua rebelião e sua rejeição do Messias; dessa forma, a profecia serve mais como uma advertência rigorosa do que como uma esperança por revelações futuras da graça divina. Este último grupo de eruditos divide-se em duas classe: aqueles que sustentam que “todas essas coisas” significam todos os sinais precursores do fim, excluída a Parousia propriamente dita20, e aqueles que afirmam que “todas essas coisas” incluem a Parousia21.
Ao tentarmos chegar a uma conclusão acerca da interpretação desta passagem difícil, devemos ter em mente duas coisas. Primeiro, o propósito de Jesus ao proferir estas palavras não é fornecer uma data exata para sua volta (ver v.32) mas, antes, indicar a certeza de seu retorno. Este ponto é enfatizado no verso seguinte: “Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão” (Marcos 13.11). Segundo, parece arbitrário e injustificado impor qualquer tipo de limitação às palavras “sem que tudo isto aconteça” - uma vez que tal limitação, na verdade, faz Jesus dizer: “sem que algumas destas coisas aconteçam”. Embora seja verdadeiro que o discurso registrado em Marcos 13 partiu do contexto de uma predição sobre a destruição do templo (v.2), o discurso em si inclui terremotos e fomes (v.8), a pregação do Evangelho a todas as nações (v.10), perseguição por causa do Evangelho (v.12, 13), tribulação “como nunca houve desde o princípio... e nunca jamais haverá” (v.19), prodígios os céus (v.24), e a vinda do Filho do Homem nas nuvens com grande poder e glória (v.26). Quando mais adiante, no discurso (v.30), Jesus diz: “não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam”, qualquer interpretação destas palavras que exclua algum dos itens recém-mencionados parece ser forçada.
Por isso eu concluo que com a expressão - “todas estas coisas” - Jesus quer dizer todos os eventos escatológicos que ele acabou de enumerar, incluindo sua volta sobre as nuvens do céu. Seu ensino é que todos estes eventos com certeza virão a acontecer - embora céus e terra passarão, estas palavras infalivelmente serão cumpridas. Que, então, Jesus quer dizer com a expressão “esta geração”? Deve-se observar que a palavra “geração” (genea), conforme comumente utilizada nos Evangelhos Sitóticos, pode ter tanto um significado qualitativo como um temporal: “Deve-se entender essa geração num sentido temporal, mas sempre há um criticismo qualificante. Dessa forma lemos sobre uma geração ‘adúltera’ (Marcos 8.38), ou de uma geração ‘má’ (Mateus 12.45; Lucas 11.29), ou de uma geração ‘má e adúltera’ (Mateus 12.39; 16.4), ou de uma geração ‘incrédula e perversa’ (Mateus 17.17; cp. Lucas 9.41; Marcos 9.9)”22.  Podemos encontrar um uso paralelo desta expressão em Mateus 23.35,36. Ali Jesus indica que sobre o povo judeu apóstata recairá “todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias,” acrescentando: “Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir sobre esta geração”. “Esta geração” não pode ser aqui restrita ao judeus vivos no tempo em que Jesus está dizendo essas palavras, porque o contexto se refere tanto a pecados passados (v.35) como pecados futuros “por isso eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis; a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade” (v.34).
Com “esta geração”, então, Jesus denota o povo judeu rebelde, apóstata e incrédulo, conforme ele se revelou no passado, está se revelando no presente e continuará a se revelar no futuro. Esta geração má e incrédula, embora esteja agora rejeitando a Cristo, continuará a existir até o dia de sua volta, e então, receberá o julgamento que lhe é devido. Interpretada dessa forma, a declaração de Jesus serve como uma conclusão lógica dos discursos que começou com a proclamação da destruição de Jerusalém, como uma punição para o endurecimento de Israel 23.
A terceira das assim chamadas “passagens de iminência” é Mateus 10.23 que não tem paralelo nos outros Sinóticos: “Quando, porém, vos perseguirem numa cidade, fuja para outra; porque em verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades de Israel até que venha o Filho do Homem”.
Como é de se esperar, há uma ampla diferença de opinião sobre o significado desta passagem. A interpretação de Albert Scheweitzer comumente conhecida como escatologia consistente, deve ser rejeitada uma vez que está em conexão com o modo de ver a Jesus, que o considera como homem enganado e desiludido 24. Outros eruditos entendem as palavras “não acabareis de percorrer as cidades de Israel” como apontando para  missão de pregação dos doze discípulos às cidades de Israel (que durou por um tempo maior de que apenas a jornada de pregação descrita em Mateus 10), e as palavras “até que venha o Filho do Homem” como se referindo à Parousia. Uma vez que a Parousia não aconteceu, quando Jesus disse que iria acontecer, esses eruditos não hesitam em falar sobre o erro, seja da parte de Mateus 25 ou da parte do próprio Cristo26. Esta posição também tem de ser rejeitada, uma vez que implica que Jesus estava marcando uma data para o seu retorno - exatamente aquilo que ele próprio dissera que não poderia fazer (Mateus 24.36).
Outros, porém, ao passo que concordam que “percorrer as cidades de Israel” significa a pregação dos discípulos de Jesus aos judeus ao longo de todo seu apostolado, sustentam que a “Vinda do Filho do Homem” deve ser interpretada como significando não a Parousia, mas algum evento no futuro próximo: ou a manifestação do Cristo ressurrecto aos discípulos, com a grande comissão27, ou o progresso do Evangelho que revela o reinado de Cristo28, ou a destruição de Jerusalém29.
Outros ainda estão convictos de que as palavras “até que venha o Filho do homem” não podem significar nada menos que a volta de Cristo nas nuvens dos céus. Mas estes diferem de Plummer, Kummel e Cullmann ao não restringir o significado de “percorrer as cidades de Israel” à missão de pregação dos doze, referindo uma interpretação menos literal e mais figurativa destas palavras, como descrevendo algo que continuará até a Parousia. Esses eruditos, entretanto, diferem entre si sobre a interpretação exata desta expressão. Herman Ridderbos insiste que “percorrer as cidades de Israel” não se refere à missão mas à fuga dos discípulos; por causa disso, ele aqui entende Jesus como predizendo que, embora aqueles que trazem o Evangelho continuarão a ser perseguidos até o último momento, sempre haverá um lugar para o qual eles possam fugir30. Grosheide, Schniewind e Ladd, entretanto, enxergam efetivamente uma referência à obra missionária nesta expressão. Grosheide vê aqui os discípulos como representativos de toda a Igreja; para ele, a passagem significa que a igreja deve continuar a pregar o Evangelho até que Jesus retorne - “cidades de Israel”, para ele, indicam lugares onde vivam pessoas que, embora nominalmente cristãs, na verdade estão afastadas de Deus31. Schniewind e Ladd entendem “percorrer as cidades de Israel” como descrevendo a missão contínua da igreja para com Israel que persistirá até a Parousia, e que resultará na salvação de muitos judeus32.
Ao tentarmos chegar a uma conclusão acerca do significado dessa passagem, deve ser lembrado que as instruções de Jesus à seus discípulos conforme registradas em Mateus 10, incluem pronunciamentos que se ocupam de suas atividades futuras, após sua ascensão33, e até incluem declarações que seriam aplicadas aos membros de sua igreja durante todo o curso da história34. O que dissemos acima acerca da condensação profética 35,também deve ser lembrado: ao falar ao seus discípulos, freqüentemente Jesus vinculou conjuntamente assuntos do futuro próximo com eventos do futuro bem distante, assim como o fizeram os profetas do Antigo Testamento. Em outras palavras, o que Jesus diz aqui acerca da perseguição, no futuro imediato, poderia ter relevância para o povo de Deus também no futuro longínquo.
Tendo essas coisas em mente, podemos entender Mateus 10.23 como nos ensinando, primeiramente, que a igreja de Jesus Cristo deve não somente continuar a preocupar-se com Israel, mas também continuar a levar o Evangelho a Israel até que Jesus venha de novo. Em outras palavras, Israel continuará a existir até o tempo da Parousia36, e continuará a ser objeto de evangelismo. Isto implica que tanto no futuro como no passado uma grande multidão de judeus persistirá em rejeitar o Evangelho; para eles, a volta de Cristo não significará salvação, mas sim juízo37. Enquanto a oposição ao Evangelho continuar, também deve-se esperar que a perseguição daqueles que levam o Evangelho continue. Mas continuará igualmente a conversão de judeus à fé cristã até a Parousia, pois Deus continuará a reunir seus eleitos dentre os israelitas38.
As três “passagens de iminência”, portanto, não devem ser entendidas como ensinando um retorno de Cristo dentro de um período de vida daquele que o ouviam. Passaremos, agora, a observar um outro grupo de passagens dos Evangelhos Sinóticos, que ensinam que a Parousia pode ainda estar bem distante, no tempo. Foram registradas declarações específicas de Jesus que indicam que certas coisas ainda tem de acontecer antes que ele volte. Em Mateus 24.14, por exemplo, Jesus diz: “E será pregado este Evangelho do Reino por todo o mundo para testemunho à todas as nações. Então virá o fim”. A palavra “então” (no grego kaitote )  implica que um período de tempo tende-se a expirar antes da Parousia - possivelmente um período de tempo muito longo. No mesmo sentido vem as palavras que Jesus falou na casa de Simão, o leproso, depois de ter sido ungido por uma mulher anônima: “porque os pobres os tendes convosco e, quando quiserdes podeis fazer-lhes bem, mas a mim nem sempre me tendes... Em verdade vos digo: onde for pregado em todo o mundo o Evangelho, será também contado o que ela [a mulher] fez, para memória sua” (Marcos 14.7, 9). Estas palavras implicam que haverá um período de tempo em que Jesus estará ausente dos discípulos, durante o qual o Evangelho será pregado por todo o mundo. Outro pronunciamento que ensina uma vinda “atrasada” 39 é o de Marcos 13.7: “Quando, porém, ouvirdes falar de guerras e rumores de guerras, não vos assusteis; é necessário assim acontecer, mais ainda não é o fim”.  
Várias das parábolas de Jesus transmitem um pensamento similar. A parábola das minas é introduzida por Lucas com estas palavras: “Jesus propôs uma parábola, visto estar perto de Jerusalém e lhes parecer que o Reino de Deus havia de manifestar-se imediatamente” (Lc 19.11). A ênfase da parábola, que fala de um nobre fidalgo que foi para um país distante e então retornou para um ajuste de contas com os seus servos, é que um período pode decorrer antes que o senhor retorne. No mesmo sentido aparece a parábola dos talentos, que deixa a questão acima explícita: “Depois de muito tempo voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com ele” (Mateus 25.19). O mesmo capítulo traz a parábola das dez virgens que, incluem as já famosas palavras “é, tardando o noivo (ou “demorando-se” ASV), foram tomadas de sono, e adormeceram” (Mt 25.5). O assunto desta parábola, da mesma forma, gira em torno do atraso do noivo e da conduta das virgens durante esse atraso. Destaque similar é feito na parábola do servo vigilante (Lucas 12.41-48). Quando um dos servos diz: “Meu senhor tarda em vir” (v.45), ele é revelado como mal e infiel, mas a implicação é que haverá de fato um “atraso”. Em outra ocasião Jesus indicou que, embora os convidados das bodas não hão de jejuar enquanto o noivo estiver com eles, dias virão em que lhes será tirado o noivo, e, então eles jejuarão (Marcos 2.19-20). Mas ainda, entre as parábolas encontradas em Mateus 13, a seguinte sugere a possibilidade de um longo lapso de tempo antes do fim: a parábola do joio (sugerindo que os crentes serão deixados lado a lado com incrédulos por um longo tempo), do grão de mostarda (sugerindo que o pequeno grupo, agora reunido ao redor de Jesus, com o tempo se tornará um grupo muito grande) e o do fermento (sugerindo que o Reino de Deus, que nos dias de Jesus estava escondido, algum dia prevalecerá tão poderosamente que não existirá nenhuma soberania rival) 40. Baseados nos pronunciamentos e parábolas que acabamos de ver, podemos concluir que, com certeza, Jesus deixou lugar para a possibilidade de que sua Segunda Vinda pudesse não acontecer antes de um período considerável de tempo.
Existe, porém, um terceiro grupo de passagens, nos Sinóticos, que enfatizam a incerteza do tempo da Parousia. Já mencionamos Marcos 13.32 (e Mateus 24.36): “Mas a respeito daquele dia e da hora ninguém sabe; nem os anjos do céu, nem o Filho, senão somente o Pai”. Jesus termina a parábola das dez virgens à qual acabamos de nos referir, com essas palavras: “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora” (Mateus 25.13). A passagem de Marcos enfatiza a incerteza do tempo: estai de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando virá o dono da casa: se à tarde, se à meia noite, se ao cantar do galo, se pela manhã; para que, vindo ele inesperadamente, não vos ache dormindo. O que, porém, vos digo, digo a todos: Vigiai!” (Marcos 13.33-37). Em outra ocasião, Jesus usa a figura dos servos que esperam pela volta de seu servos: “Cingidos estejam os vossos corpos e acesas as vossas candeias. Sede vós semelhantes a homens que esperam pelo seu senhor ao voltar ele das festas de casamento; para que, quando vier e bater a porta logo lhe abram” (Lucas 12.35-36). Logo adiante, no mesmo discurso, Jesus utiliza a figura da vinda de um ladrão: “Sabei, porém, isto: que, se o pai de família soubesse a que hora havia de vir o ladrão, vigiaria e não deixaria arrombar a sua casa. Ficai também vós apercebidos, porque, a hora em que não cuidais o Filho do Homem virá” (Lc 12.39-40; paralelo de Mt 24.43-44).  
A partir desses pronunciamentos, aprendemos que ninguém pode saber o tempo exato da Parousia. A Segunda Vinda ocorrerá numa hora em que não esperamos. Entretanto, é exatamente pelo fato de a Segunda Vinda ser inesperada que sempre devemos estar vigiando em relação a ela. O próprio Jesus indica certos sinais de sua vinda, conforme veremos no próximo capítulo. A vigilância por sua vinda, portanto, inclui estar alerta para estes sinais. Mas, acima de tudo, vigilância significa prontidão - estar sempre pronto para que Cristo retorne. Ladd tem um comentário útil acerca disto: “A palavra traduzida por ‘vigiai’ nestes vários versos [versos como os que acabamos de citar] não significa ‘aguardar por’, mas uma qualidade moral ou prontidão espiritual para a volta do Senhor. ‘Ficai também vós prontos’ (Lucas 12.40). A incerteza acerca do tempo da Parousia significa que os homens devem estar espiritualmente acordados e prontos para encontrar o Senhor quando quer que ele venha”41
A figura do ladrão utilizada por Jesus também enfatiza a colocação que acabamos de fazer. Parece totalmente incongruente comprar a volta de Cristo à visita de um ladrão. Mas o objetivo da comparação é exatamente o fato de que o ladrão é inesperado. Nunca se sabe quando um ladrão pode arrombar sua casa; por causa disso precisa-se tomar certas precauções. De modo similar, uma vez que não sabemos quando Cristo retornará, deveríamos sempre viver em prontidão para essa volta.
Passemos agora a resumir o que aprendemos dos Evangelhos Sinóticos acerca da expectação da Segunda Vinda. Está claro que Jesus não marcou uma data para seu retorno; por causa disso, não deveríamos falar acerca de um engano ou “erro de perspectiva” de sua parte. Naturalmente, é possível que alguns de seus discípulos ou seguidores o entenderam erradamente como tendo ele marcado uma data para a parousia. Na verdade, o Apóstolo João  nos dá um exemplo desse mal entendido: “Então Pedro, voltando-se, viu que também o ia seguindo o discípulo a quem Jesus amava... Vendo-o, pois, Pedro perguntou a Jesus: E quanto a este? Respondeu-lhe Jesus: se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa? Quanto a ti, segue-me. Então se tornou corrente entre os irmãos o dito de que aquele discípulo não morreria. Ora, Jesus não dissera que tal discípulo não morreria, mas: Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?” (João 21.20-23). Aparentemente, havia crentes naquela época que pensavam que Jesus tivesse dito que retornaria antes de João morrer. Mas o próprio João afirma que Jesus não disse tal coisa. Se é possível ocorrer um erro desses, é também possível que alguns dos que ouviam Jesus ensinar, tivessem interpretado erroneamente suas palavras de modo a significar que ele tivesse marcado uma data precisa para sua Segunda Vinda. Porém, conforme temos demonstrado, Jesus não fez isto.
Entretanto, Jesus efetivamente ensinou que, dentro do período de vida de seus ouvintes, ele vivia em glória real (Mt 16.28); estas palavras se referem à sua ressurreição, que haveria de ser um prelúdio e garantia de sua Parousia. Portanto, Jesus ensinou a certeza de sua Parousia, sem nos fornecer a data exata. Alguns de seus pronunciamentos dão lugar ao transcurso de quantidade considerável de tempo, antes de seu retorno. Mas, uma vez que o tempo exato da Parousia é desconhecido, é necessário uma vigilância constante. Esta vigilância não significa espera indolente, mas requer o uso diligente de nossos dons no serviço do Reino de Cristo.
Deslocamos agora nossa atenção para a questão da expectação da Parousia nos escritos paulinos. É certamente verdadeiro que “a expectação da vinda do Senhor e do que a acompanha é um dos motivos mais centrais e poderosos de Paulo” 42. Paulo não somente dedica discussões exclusivas a este tópico, mas também faz referências freqüentes à Segunda Vinda de Cristo de modo incidental, enquanto discute outro assunto. Para Paulo, a esperança pela manifestação de Cristo é uma das marcas do cristão.
Temos, porém, de levantar novamente a questão acerca do tempo da Parousia em Paulo. Como dissemos acima, alguns pensam que Paulo ensinou que a Parousia aconteceria dentro de uma geração ou, possivelmente, mesmo antes de ele morrer, mas isso era obviamente um engano. Será esta uma análise correta dos escritos de Paulo?
Temos de concordar com Ridderbos em que é difícil duvidar que não somente a Igreja Cristã Primitiva, mas também Paulo, nas epístolas que chegaram até nós, imaginassem um desenvolvimento continuado por vários séculos da ordem mundial presente43. Com certeza, passagens como as seguintes confirmam este julgamento: “porque a nossa salvação está agora mais perto do que quando no princípio cremos. Vai alta a noite e vem chegando o dia” (Romanos 13.11,12); “Isto, porém, vos digo, irmãos: o tempo se abrevia; o que resta é que não só os casados sejam como se o não fossem” (1 Coríntios 7.29); “Perto está o Senhor” (Filipenses 4.5).
Vários eruditos modernos do Novo Testamento argumentam que houve uma mudança no pensamento de Paulo sobre este assunto. Em suas epístolas mais antigas, assim é comentado, ele aguardava uma Parousia rápida - tão rápida, na verdade, que ele esperava estar ainda vivendo quando o Senhor retornasse. Mas em suas epístolas posteriores, assim dizem eles, ele não mais tinha esta expectação; ao invés, ele esperava que morresse antes de Cristo voltar, e que a Parousia acontecesse algum tempo mais tarde. Dessa forma, Paulo estaria corrigindo um erro anterior, dizem alguns desses eruditos.
Vejamos algumas dessas posições. De acordo com Albert Schweitzer, Paulo primeiramente esperava uma Parousia rápida, mas, quando esta expectação provou-se ser uma ilusão, Paulo ensinou, já em suas primeiras epístolas, que os crentes participam na morte e ressurreição de Cristo de um modo místico, e dessa forma pode-se dizer que estão em Cristo44. Já em 1930, Geerhardus Vos mencionou as posições dos eruditos de sua época, que pensavam que Paulo tivesse mudado sua primeira expectação de ainda estar vivo na Parousia, para uma reconsideração de suas crenças acerca da ressurreição, provocada pela convicção posterior de que ele morreria antes da Parousia45. Num livro publicado originalmente em 1946, Oscar Cullmann ensinava que, ao passo que em 1 Tessalonicenses 4.16, Paulo tinha dito que ele ainda estaria vivo quando Cristo retornasse, em epístolas posteriores (2 Co 5.1ss e Fp 1.23) ele afirmou que a Parousia somente ocorreria após a sua morte46.
Esta mudança alegada no pensamento de Paulo foi mais completamente desenvolvida por C.H. Dodd. De acordo com Dodd, Paulo, em sua primeira epístola aos Tessalonicenses, sua epístola mais antiga, cria que a Segunda Vinda estivesse tão próxima que afirmou que nós (significando não somente ele próprio mas também os crentes de Tessalônica) encontraríamos o Senhor nos ares (1 Ts 4.17) 47. Em 1 Coríntios, escrita acerca de quatro anos mais tarde, Paulo expressou a convicção de que ele e pelo menos alguns de seus convertidos de Corinto ainda estariam vivos quando ocorresse a Parousia48. Após a 1 Coríntios, entretanto, não mais vemos Paulo referir-se a essa expectação confiante. Em 2 Coríntios, escrita um pouco após 1 Coríntios, ele expressa o pensamento de que, provavelmente, morreria antes da Parousia. Em suas epístolas posteriores, a idéia do retorno iminente do Senhor desaparece. A ênfase agora recai em exortações éticas e sobre nossa participação presente em Cristo; portanto, há uma espécie de transformação da Escatologia em misticismo49.
Outros intérpretes, ainda, encontram evidência deste tipo de mudança no pensamento de Paulo50. que diremos acerca disto? Parece bem evidente que Paulo, realmente, esperava que Cristo voltasse muito breve. Na verdade, parece igualmente razoável crer que o próprio Paulo ainda esperava estar vivendo naquele momento. Mas isto não significa que Paulo não deixasse lugar para outra possibilidade, nem que ele tenha marcada uma data “dentro desta geração” para a Parousia, como parte de seu ensino reconhecidamente autorizado. Paulo não estava interessado em marcar datas; sua maior preocupação era ensinar a certeza da volta de Cristo, e a importância de estarmos sempre prontos para essa volta. Dizer que Paulo esperava estar ainda vivo na Parousia é uma coisa; mas dizer que ele definitivamente ensinou que a Parousia aconteceria antes de sua morte é outra coisa completamente diferente! 51
A alegação de que Paulo mudou de opinião acerca do tempo da Parousia, entre suas primeiras e últimas epístolas, é igualmente sem fundamento. Primeiramente porque, em 1 Tessalonicenses - que supostamente representa a primeira posição de Paulo - , ele já acolhe a possibilidade de que alguns, incluindo ele próprio, poderão morrer antes que o Senhor retorne: “Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nós para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos em união com ele” (1 Ts 5.9,10). Além disso, Paulo não fornece indicação alguma, em 2 Coríntios (alegadamente representando sua última posição), de que ele tenha mudado de opinião após ter escrito 1 Coríntios (supostamente representando sua primeira posição).
Mas, que dizer acerca da palavra “nós” de 1 Tessalonicenses e 1 Coríntios? Em 1 Tessalonicenses (4.17), Paulo diz, escrevendo acerca da Parousia: “depois nós, os vivos, o que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles [aqueles que acabaram de ser ressuscitados dos mortos], entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares...” E em 1 Coríntios 15.51,52, falando acerca do que acontecerá quando Cristo retornar, Paulo diz: “Nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos... A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados”. Será que estas passagens transmitem a certeza de que Paulo espera estar ainda vivo quando Cristo retornar? Elas não fazem nada disso. Elas expressam a possibilidade de que Paulo e alguns de seus leitores poderão estar ainda vivos naquela hora, mas não a certeza. Nestes versos, Paulo está escrevendo acerca daqueles que ainda estarão vivos na hora da Parousia em distinção àqueles que terão morrido até aquela hora, mas ele não diz e também não sabe quem serão esses que ainda estarão vivos. Qualquer crente, desde a época de Paulo até hoje, poderia usar linguagem similar sem implicar que ele certamente ainda estará vivo quando Cristo voltar 52.
Está também claro que Paulo ensinou a impossibilidade de se calcular o tempo da volta de Cristo. Ridderbos pondera desta forma: “Com certeza, temos sempre de ter em mente que, em Paulo, também qualquer computação do tempo da Parousia é completamente deficiente...” 53. Como prova disso, deveríamos observar que Paulo, tanto como Jesus, fala do dia do senhor vindo como um ladrão: “pois vós mesmos estais inteirados com precisão de que o dia do Senhor vem como o ladrão de noite. Quando andarem dizendo: Paz e segurança, eis que lhes sobrevirá repentina destruição, como vem a dor do parto à que está para dar a luz; e de nenhum modo escaparão. Mas, vós, irmãos, não estais em trevas, para que esse dia como ladrão vos apanhe com surpresa”( 1 Ts 5.2-4). O objetivo da imagem do ladrão é, conforme vimos, a incerteza do tempo da Parousia. Quando Paulo adiciona que seus leitores não estão em trevas e que, por causa disso, o dia do Senhor não deve surpreendê-los, como um ladrão, ele deixa implícito que, se alguém estiver sempre espiritualmente pronto para a volta de Cristo, esse alguém não será transtornado por esta volta mesmo se ela vier numa hora inesperada. Paul Minear sugere outra implicação da figura do ladrão: o ladrão pretende fazer você ficar mais pobre. Se um dos maiores valores são os “tesouros na terra”, dos quais Jesus falou uma vez (Mt 6.19), a volta de Cristo realmente tornará a pessoa mais pobre, uma vez que o que era de valor para ela terá sido levado embora. Mas se alguém tiver estado ajuntando “tesouros nos céus” e buscando “as coisas que são do alto”, a volta de Cristo não será equivalente à vinda de um ladrão, uma vez que essa volta fará a pessoa mais rica do que era antes. A figura do ladrão, portanto, enfatiza tanto a incerteza do tempo da Parousia como a necessidade de constante prontidão espiritual para a volta do Senhor54.
Resumindo agora o que aprendemos de Paulo acerca da Parousia, deveria ficar claro que não devemos acusá-lo de ter feito um erro de julgamento acerca do tempo da volta de cristo. Assim como Jesus, Paulo ensinou que, embora o tempo da Segunda Vinda seja incerto, o fato dessa vinda é certo. O crente deveria viver numa expectativa constante e alegre da volta de Cristo; embora ele não conheça o tempo exato em que ela vai ocorrer, o crente sempre deveria estar pronto para ela.
É muito significativo, porém, que embora os escritores do Novo Testamento não tentem precisar, muito acuradamente, a data exata da Parousia, eles efetivamente falam, muitas vezes, de sua proximidade. Paulo agiu assim freqüentemente. Já mencionamos 1 Coríntios 7.29, que fala acerca da escassez de tempo; Romanos 13.11 que diz que o dia está próximo; e Filipenses 4.5, onde Paulo afirma que o senhor está perto. Poderíamos acrescentar também Romanos 16.20, onde Paulo diz que Deus logo esmagará a Satanás sob os pés de seu povo. Num caráter similar, o autor de Hebreus escreve: “Porque ainda dentro de um pouco tempo aquele que vem, virá e não tardará” (10.37). Tiago não somente nos diz que a vinda do Senhor está próxima (5.8), mas também que o Juízo já está “às portas” (5.9). Pedro dia que o fim de todas as coisas está próximo (1 Pe 4.7). E o livro do Apocalipse começa declarando que o seu propósito é de “mostrar aos seus [de Deus] servos as coisas que em breve devem acontecer” (1.1); ele termina com a afirmação: “Aquele que dá testemunho  destas coisas diz: certamente venho sem demora” (22.20).
Declarações deste tipo não devem ser interpretadas como tentando marcar uma data para a Parousia. Para os escritores do Novo Testamento, a proximidade da Parousia não é tanto uma proximidade cronológica quanto uma proximidade da “história da salvação”. Num capítulo anterior observamos que, de acordo com o Novo Testamento, as bênçãos da era atual são o penhor e garantia de bênçãos maiores por vir55. A primeira vinda de Cristo garante a certeza da sua Segunda Vinda. Pelo fato de a volta de Cristo ser tão certa, num sentido ela está sempre próxima. Nós já experimentamos o poder, o gozo e os privilégios da era-do-fim, e a partir disso aguardamos ansiosamente pala consumação da redenção em Cristo. Tendo provado os primeiros frutos do Espírito, estamos bastante ansiosos para desfrutar do que está guardado para nós. A Escatologia inaugurada e a Escatologia futura, portanto, estão bem juntas na consciência do crente. A primeira não apenas garante a segunda, mas, porque a primeira já veio, a segunda está sempre próxima na expectação do crente56.
Há uma passagem do Novo Testamento que parece falar explicitamente de um certo atraso na Parousia: 2 Pedro 3.3,4. Mas, neste caso, são escarnecedores os que falam de atraso: “nos últimos dias, virão escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo as próprias paixões, e dizendo: Onde está a promessa da sua vinda? Porque desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação”.  Em outras palavras, essa não era uma pergunta levantada por crentes ansiosos, mas por zombadores que estavam tentando desacreditar a Palavra de Deus. A resposta de Pedro é importante: “Há, todavia, uma coisa, amados, que não deveis esquecer: que, para com o Senhor, um dia á como mil anos, e mil anos como um dia. Não retarda o Senhor  a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (vs. 8,9). O ímpeto da resposta de Pedro é este: Deus não está protelando a volta de Cristo, como se ele tivesse esquecido sua promessa, mas está esperando, deliberadamente, para melhor revelar seu amor, sua compaixão e sua paciência para com os pecadores. A palavra grega usada aqui - makrothymei - significa ter paciência ou ser longânimo. Ao postergar a volta de Cristo, Deus está criando lugar para arrependimento e conversão, uma vez que ele não deseja que ninguém pereça! Ao invés de falarmos sobre o “atraso” da Parousia, portanto, deveríamos agradecer a Deus por esta manifestação do seu amor, e ser o mais diligentes possível para levar o Evangelho àqueles que talvez ainda não o tenham ouvido57.
Uma expectação vívida da Parousia deveria ser encontrada na Igreja hoje, como era encontrada na Igreja Primitiva. Qual é o significado desta expectação? Os críticos do Cristianismo, freqüentemente, gostam de dizer que esta expectação leva a um tipo de “vida de outro mundo” ou, seja, a uma vida improdutiva - uma espera passiva pela vida por vir, inclusive negligenciando nossas responsabilidades neste mundo atual. Será isso verdadeiro? Não de acordo com a Bíblia. Herman Ridderbos, escrevendo acerca do ensino e pregação de Paulo, tem isto a dizer: “O motivo escatológico, a consciência da vinda do senhor como algo próximo, tem não uma negativa mas sim uma positiva significação para a vida no tempo presente. Ele não faz a responsabilidade por esta vida ser relativa, mas antes a aumenta58. O que ele diz acerca de Paulo pode ser dito sobre todo o Novo Testamento. Que os escritores do Novo Testamento têm a dizer acerca da significação prática da expectação da Parousia para a fé e a vida?
A ênfase mais comum é que nossa expectação, pela volta do senhor, serve como um incentivo para um viver santo. Assim, ouvimos Paulo nos dizer, em Romanos 13, que a proximidade dessa volta deveria nos motivar a expulsar as obras das trevas e vestir as armas da luz; a não fazer provisão para a carne, mas conduzir-nos a nós mesmos convenientemente como em pleno dia (vs. 12-14). Em Tito 2.11-13, Paulo destaca o fato de que nossa vida, entre as duas vindas de Cristo, significa que devemos renunciar às paixões mundanas e viver sensata, justa e piedosamente neste mundo atual. Pedro, em sua primeira epístola, nos diz que lançar nossa esperança totalmente sobre a graça que vem a nós, pela revelação de Cristo, significa para nós a busca diligente do auto-controle, obediência e santidade (1 Pe 1.13-15). E em sua segunda carta ele diz o seguinte: “Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, operando e apressando (ou desejando ardentemente, variante textual) a vinda do dia de Deus...” (2 Pe 3.11-12). O Apóstolo João, em sua primeira epístola, depois de nos dizer quando Cristo se manifestar em glória nós seremos iguais a ele, adiciona: “E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro” (1 João 3.2,3).
De várias outras maneiras nossa expectativa da Segunda Vinda deveria afetar o nosso modo de viver. A manifestação futura do nosso Senhor deveria nos levar ser fieis à comissão que Deus nos deu, assim como Timóteo o fez (1 Tm 6.14). Se continuarmos a permanecer em Cristo, nós deveremos estar confiantes e sem ter do que nos envergonhar diante dele, quando ele aparecer (1 Jo 2.28). A percepção de que, quando o senhor vier, ele revelará os propósitos dos nossos corações, implica em que não devemos pronunciar julgamentos prematuros sobre outras pessoas (1 Co 4.5). Sermos fiéis e sábios mordomos de tudo o que o Senhor nos tiver confiado para cuidar é outro meio de mostrar que estamos prontos para a volta do senhor (Lc 12.41-48). Na parábola dos talentos e das minas dá-se ênfase a que a prontidão para a volta de Cristo significa trabalhar diligentemente para ele com os dons e habilidades que ele nos tem dado (Mt 25.1-40; Lc 19.11-27). E, à luz do juízo final, encontrado em Mt 25.31-46, o melhor modo de se estar preparado para a Segunda Vinda, é estar continuamente mostrando amor àqueles que são irmãos de Cristo.
Nossa expectação pela volta do Senhor, portanto, deveria ser um incentivo constante para viver para Cristo e para o seu Reino, e para buscar as coisas que são lá do alto, não as coisas que estão sobre a terra. Mas o melhor modo de buscar as coisas lá de cima é estar ocupado para o Senhor aqui e agora.


Notas do capítulo 10

1.   The Quest of the Historical Jesus (A Questão do Jesus Histórico), p. 358.
2.   F.Buri, Die Bedeutung der N.T. Eschatologie für die Neuere Protestantische Theologie (O Significado da Escatologia do N.T. para a Teologia Protestante Moderna), Zürich, 1935; M. Werner, The Formation of Christian Dogma (A Formação da Dogmática Cristã), Naperville: Allenso, 1957.
3.   G. C. Berkouwer, Return, p.70. Par uma análise esclarecedora sobre o problema do atraso da Parousia, veja todo o seu capítulo: “Crisis of the Lay?” (A Crise do Atraso), pp. 65-95. Para uma discussão mais detalhada ver H. Ridderbos, Coming, pp. 444.527.
4.   Time pp.87,88.
5.   Promisse and Fulfillment (Promessa e Cumprimento), trad. Dorothe M. Barton, Naperville: Allenson, 1957, p. 149.
6.   G.E. Ladd, A Theology of the New Testament (Teologia do Novo Testamento), pp. 206-208.
7.   Werner Kümmel, op.cit., p.17; O Culmann, Salvation, pp. 211-214
8.   Alfred Plummer, Matteew (Mateus), Grand Rapids: Eerdmans, 1960; pub. orig. 1909, em Mateus 16.28; C. E. B. Cranfield Mark (Marcos), Cambridge: Univ. Press, 1959, ad loc.; H. Berkhof, Meaning, p.75; W.Lane, Mark (Marcos), Grand Rapids: 1974, ad loc.
9.   João Calvino, Harmony of the Evangelists (Harmonia dos Evangelistas), trad. W. Pringle, Grand Rapids: Eerdmans, 1957, II, p.307; F.W.Grosheide, Mattheüs (Mateus), 2ª ed., Matteu (Mateus), Grand Rapids: Eerdmans, 1961, em Mateus 16.28; W. Hendriksen, Mark (Marcos), Grand Rapids: Baker, 1975, ad loc.
10. The Witness of Matteu and Mark to Christ (O Testemunho de Mateus e Marcos sobre Cristo), Philadelphia: Presbyterian Guardian, 1944, p. 240.
11. J.A C. Van Leeuwen, Markus (Marcos), Kampen: Kok, 1928, ad loc., F.F. Bruce, New Testament History (História do Novo Testamento), New York: Doubleday, 1971, p. 197.
12. R.C.H. Lenski, Mark (Marcos), Columbus: Wartburg, 1946, ad loc; N. Geldenhuys, Luke (Lucas), em Lucas 9.27; S. Greijdanus, Lucas, Kampen: Kok, 1955,em Lucas 9.27.
13. Pp. 461-468.
14. Ibid., pp 503-507. Ver também pp.519-521.C
15. Cullmann, Salvation, pp.214,215; W Kümmel, op.cit., pp.59-61.
16. Calvino,Harmony of the Evangelists (Harmonia dos Evangelistas), III, pp.151,152; Plummer, Matteu (Mateus), em Mateus 24.34; Geldenhuys, Luke (Lucas), em Lucas 21.32; R.A Cole, Mark (Marcos), Grand Rapids: Eerdmans, 1961 ad loc., Lane, Mark (marcos), ad loc.
17. Theodor Zahn, Mattheüs (Mateus), 3ª ed., Leipzig: Diechert, 1910, em Mateus 24.34; Cranfield, Mark (Marcos) ad locl.; Land, Presence, pp. 320, 321.
18. Grosheid, Mattheüs (Mateus), em Mateus 24.34.
19. Julius Schneiwind, Mark (Marcos), in Das Neue Testament Deustch (O Novo Testamento Alemão), 9ª ed., Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1960; pub. Orig. 1936, pp. 139, 140; W. Hendriksen, Mattheu (Mateus) Grand Rapids: Baker, 1973, em Mateus 24.34. 
20. Van Leeuwen, Markus (Marcos), ad loc.; Felix Flückiger, Der Ursprung des Christlichen Dogmas (A Origem dos Dogmas Cristãos), Zürich: Evangelischer Verlag, 1955, pp. 115-117.
21. Lenski, Mark., ad loc,; H. Ridderbos, Coming pp.498-503.
22. F. Büchsel, “Genea”  TDNT, I, p. 663.
23. Flückiger, op. cit., p.117. Ver também Ridderbos, Coming, pp. 500-503; Cp. p. 535 número 127. Cp. duas outras passagens que transmitem o mesmo pensamento básico: Mateus 23.39 e 26.64.
24. Ver adiante, pp. 3890-390.
25. Plummer, Matthew (Mateus) ad loc.
26. Cullmann, Salvation, pp.216-218; Kümmel, Promise and Fulfillment (Promessa e Cumprimento), pp. 61-64.
27. Taster, Matthew (Mateus), ad loc.
28. Calvino, Harmony of the Evangelists (Harmonia dos Evangelistas), I, pp. 456-458.
29. Lenski, Matthew (Mateus), ad loc.
30. Ridderbos, Coming, p.507-510; ver também seu comentário de Mateus, 2ª impressão, Kampen: Kok, 1952, II, pp. 205-207.
31. F.W. Grosheide, De Verwachting der Toekomst van Jezus Christus, Amesterdam: Van Bottenburg, 1907, pp.89-93; ver também seu comentário, ad loc.
32. Julius Schniewind, Matteüs (Mateus), in Das Neue Testament Deustsch (O Novo Testamento Alemão), 9ª ed., Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1960; pub. Orig. 1936, pp. 130-131; Ladd, Theology of the New Testament (Teologia do Novo Testamento), pp. 200-201.
33. E.g., o que é dito nos versos 16-22.
34. E.g., o que é encontrado nos versos 24-25; 26-39.
35. Veja acima, p. 156, em conexão com Marcos 9.1.
36. A existência do Estado de Israel hoje, bem como a presença dos judeus em várias outras partes do mundo, indica que esta profecia continua a ser cumprida. Isto é realmente notável considerando-se o tanto de sofrimento, opressão e tentativa de genocídio que os judeus têm suportado ao longo de sua história.
37. Nesse sentido, a passagem traz uma mensagem similar àquela de Marcos 13.30.
38. Será observado que, nessa interpretação, Mateus 10.23 confirma o pensamento de que a evangelização contínua de Israel é um dos sinais dos tempos (veja adiante, pp. 186-198). Schniewind, de fato (Matteüs p.131), vincula estas palavras de Jesus com a esperança de conversão de Israel expressada por Paulo em Romanos 11.
39. Uso a palavra “atrasado” aqui simplesmente para indicar a passagem do tempo, não para sugerir que tenha havido um erro de cálculo do tempo.
40. Sobre o significado dessas três parábolas, ver Ladd, Theology of the New Testament (Teologia do Novo Testamento), pp. 95-100.
41. Ibid., p.208. observe que, de acordo com as parábolas dos talentos e das minas, a melhor maneira de estar pronto para o retorno do Senhor é estarmos usando nossos dons fielmente no serviço do Senhor.
42. Ridderbos, Paul, p.487.
43. Ibid., p.489. Embora a tradução traga: “Não davam permissão para”, eu creio que as palavras: “não imaginavam” reproduzem mais acuradamente o texto original neste ponto: “geen rekening heeft gehouden” .
44. Schweitzer, portanto, não apresenta essa mudança no pensamento de Paulo através de várias epístolas; ele a vê como tendo ocorrido mesmo antes de as primeiras epístolas terem sido escritas. Para saber mais da compreensão que Schweitzer tem de Paulo, ver adiante, p. 391.
45. G. Vos, Pauline Eschatology (Escatologia Paulina), pp. 174-175. Infelizmente, Vos não indica quais os eruditos que sustentam esta posição.
46. Time, p.88. Cullmann acrescenta que apesar dessa mudança, a esperança de Paulo não sofreu nenhuma perda, já que o centro dessa esperança repousa na primeira vinda de Cristo que já ocorreu.
47. C.H. Dodd New Testament Studies (Estudos do Novo Testamento), Manchester: Manchester Univ. Press, 1953, p. 110.
48. Ibid., p. 110.
49. Ibid., pp. 110-113. É interessante observar que aqui Dodd interpreta Filipenses 4.5: “Perto está o Senhor”, como não tendo nenhum significado escatológico, mas como simplesmente descrevendo a proximidade do Senhor daqueles que o invocam (p.112).
50. H.J.Schoeps, Paul (Paulo), trad. Harold Knight, Philadelphia: Westminster, 1961, pp.103-104; Martin Dibelius, Paul  (Paulo), ed. W. G. Kümmel, trad. Frank Clarke, Philadelphia: Westminster, 1953, pp. 109-110; Berkhof, Meaning p.77.
51. Ridderbos, Paul, p.492.
52. Ver Ibid., pp. 490-492; cp. também Berkouwer, Return, pp. 92-98.
53. Paul p.492.
54. Paul Minear, Christian Hope and The Second Coming (A Esperança Cristã e a Segunda Vinda), Philadelphia: Westminster, 1954, pp. 135-136. Observe que a figura do ladrão é também encontrada em 2 Pd 3.10, Ap 3.3 e Ap 16.15.
55. Veja acima, pp. 30-32.
56. Sobre este assunto, ver também Berkouwer. Return, pp. 94-95; Ridderbos, Paul, pp. 492-497; Cullman, Time, pp. 87-88; Berkhof, Meaning p.77.
57. Sobre esta passagem, veja Berkouwer, Return, pp. 78-79, 122-124.
58. Paul, p.495.



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