segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Lição 01 - Cristo é o Coração e o Fundamento da Teologia
TEXTO 01 - DEUS É INCOMPREENSIVEL[1]
Deus pode ser conhecido, como vimos anteriormente, mas o que nos intriga é que Deus, mesmo sendo conhecido, não pode ser compreendido. Em sua essência, Deus é incompreensível, mesmo que conheçamos muitas coisas que ele revelou de si.
A incompreensibilidade de Deus é um mistério da dogmática cristã. O nosso conhecimento dele é limitado às informações que dele recebemos. Em outras palavras, Deus pode ser conhecido até onde ele se nos revela, mas não pode ser compreendido, porque a compreensão do seu ser interior envolve um conhecimento exaustivo dele, e isso, obviamente, não é possível, por duas razões: 1) porque não nos deu a conhecer tudo o que ele é; 2) porque não seriamos capazes de absorver tudo o que ele é, devido à nossa finitude.
Todo o conhecimento das doutrinas da dogmática cristã está. De alguma forma, relacionado à doutrina do conhecimento de Deus. A doutrina da cognoscibilidade de Deus é o ponto de partida do conhecimento de todas as outras doutrinas. O estudo da revelação de Deus, embora não nos leve a um entendimento de Deus, causa em nós um senso de profunda reverencia e adoração. Quanto mais meditamos na revelação divina, mais ficamos cheios de admiração e respeito por ele. Portanto, todo homem deveria ansiar pelo conhecimento de Deus, pois isto é o que caracteriza a verdadeira natureza do homem, que não pode viver alheio a Deus e separado dele. Agostinho disse com muita precisão: “Eu desejo conhecer Deus e a minha própria alma. Nada mais? Nada”.[2]
Todavia, mesmo conhecendo Deus, não podemos compreender o seu ser interior, pois a sua natureza é muito diferente da nossa e muito mais complexa. A pergunta que pode ser feita é: “Como é possível ter qualquer conhecimento de Deus e ele ainda manter-se incompreensível?” Sören Kierkegaard costumava dizer que “existe uma distância qualitativa e infinita entre Deus e os homens...”[3] Essa distinção é de tal natureza que nos impede de compreender o Deus da Escritura. Há entre os seres humanos e Deus uma enorme distância, a distância do finito para o infinito, a distância que existe entre o tempo e a eternidade, entre o nada e o tudo. Todavia, é necessário lembrar que a noção da grande distância que existe entre o Criador e a criatura advém de nossa própria pesquisa ou capacidade inerente de conhecê-lo. Se Deus não se nos houvesse revelado de maneira ordinária (revelação geral) e extraordinária (revelação especial), não saberíamos que Deus grande temos e nem da distância que há entre ele e nós. É através de sua revelação que ele se nos torna conhecível e, ao mesmo tempo, nos aponta a sua incompreensibilidade.
Base Bíblica da Incompreensibilidade de Deus
A incompreensibilidade de Deus é derivada de certos textos da Escritura que tratam de alguns dos seus atributos incomunicáveis, como sua imensidão e onipresença (I Rs 8:27). Todavia, a doutrina da sua incompreensibilidade é claramente afirmada em textos como:
Jó 26:14 – “Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos! Que leve sussurro temos ouvido dele! Mas o trovão do seu poder, quem o entenderá?”
Vejamos algumas verdades relativas à incompreensibilidade de Deus:
Deus É Incompreensível pelo Que Ele É
Jó 36:26 – “Eis que Deus é grande, e não o podemos compreender; o numero dos seus anos não se pode calcula”.
A natureza de Deus é infinitamente distinta da nossa, quantitativa e qualitativamente. Não há em nós possibilidade de compreender aquilo que está com muito acima de nós. Não conseguimos compreender a grandeza de Deus, porque o nosso conceito de grandeza está ligado à mensurabilidade. Deus, não é mensurável espacial nem temporalmente. Ele é infinito em sua grandeza. Por isso, não podemos ter idéia da sua grandiosidade majestosa. Ele excede o nosso entendimento!
Deus É Incompreensível pelo Que Faz
Jó 37:5 – “Com a sua voz troveja Deus maravilhosamente; faz grandes cousas que nós não compreendemos”.
Os feitos de Deus incluem as grandes coisas que não existiam, mas que vieram a existir por sua palavra, como o universo criado e os seres vivos (Is 41:4).
Não somente os atributos incomunicáveis (como auto-existência, imutabilidade, eternidade e infinidade) tornam Deus incompreensível a nós. Mesmo os atributos comunicáveis mais cantados pela igreja têm uma certa dose de incompreensibilidade.
Veja o que Paulo diz do amor de Deus, que é o atributo mais desejado de todos os crentes: “... e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus” (Ef 3:19). Não podemos compreender como Deus ama, pois o modo de ele amar é muito diferente do nosso. A base do seu amor está nele próprio, e nunca nas razões que o objeto amado oferece. Conosco é exatamente o inverso e, por isso, o que ele faz por nós se torna incompreensível.
Veja ainda o que é dito da paz de Deus, que é uma das coisas que mais deliciosamente desfrutamos: “E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus” (Fp 4:7). Mesmo essa sensação maravilhosa que advém do que Cristo fez por nós vai alem do que podemos compreender. Deus é incompreensível, em sua profundeza, em tudo o que faz.
Deus É Incompreensível por Causa de Suas Profundezas Insondáveis
As profundezas de Deus não podem ser sondadas por nós. Os pensamentos de Deus estão muito acima dos nossos pensamentos e os seus caminhos são muito mais altos do que os nossos caminhos (Is 55:8-9). Por essa razão, Paulo, após tratar dos misteriosos caminhos do Senhor na soberana salvação de alguns assim como na reprovação de outros, diz:
Rm 11:33-34 – “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do nosso Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro?”
A mente de Deus é absolutamente insondável pela simples razão de ela ser infinita. Os filósofos chegaram a essa conclusão através de sua própria ignorância ao tentarem alcançar a Deus, mas os apóstolos compreenderam essa verdade pela revelação do próprio Deus. Foi exatamente essa verdade que Paulo declarou nos versos acima. Apor tratar das doutrinas da graça nos capítulos anteriores, Paulo tem a sua mente “fundida” pela maravilha da sabedoria insondável de Deus ! nesses versos Paulo se maravilha com as doutrinas da graça, que são incompreensíveis porque estão vinculadas à mente e à sabedoria inatingíveis de Deus. Essa sabedoria de Deus é apresentada de múltiplas formas (Ef 3:9-11), e o ser humano fica boquiaberto diante dela, sem sequer compreendê-la. As mentes mais brilhantes deste mundo encontram um grande mistério na mente sabia de Deus. Alguns ensinam que o pecado é a cousa desse mistério a respeito da mente de Deus. Pessoalmente, creio que o mistério é aumentado pelo pecado, porque este produz efeitos noéticos (sobre a mente), mas a nossa finitude é a resposta mais correta. Quando estivermos todos completamente redimidos, a mente de Deus ainda será um mistério para nós. Não seremos compreendedores de Deus depois de consumar-se a redenção. Mesmo quando a imagem de Deus for totalmente restaurada em nós, ainda assim não compreenderemos a Deus. A negação dessa verdade equivale à idéia de que nos consideremos semelhantes a ele. Isso nunca acontecerá, nem na glória!
O modo como Deus age na história do mundo também é incompreensível, não porque o seu modo de operar não seja razoável, mas porque a nossa mente é incapaz de alcançar o seu raciocínio e acompanhar o seu pensamento. O modus operandi de Deus escapa ao nosso entendimento e isso nos maravilha! A razão do encantamento esta na limitação do nosso entendimento em comparação com a profundidade dos juízos e dos caminhos de Deus, que são inescrutáveis!
Nenhum homem pode penetrar as profundezas de Deus. Elas são conhecidas somente pelo Espírito de Deus que a todas as coisas perscruta! Isaias diz de maneira inequívoca que ninguém pode esquadrinhar o entendimento de Deus (Is 40:28). Só o Espírito do próprio Deus pode sondar o seu interior. Ninguém mais!
Deus É Incompreensível Porque É Incomparável
Deus não é somente infinito, mas ele é absolutamente singular, incomparável! Nenhum ser criado pode ser igualado a Deus, ou ter o seu próprio raciocínio. Ninguém tem quaisquer condições de ser o conselheiro de Deus ou de lhe dizer o que ele deve fazer.
Ele mesmo desafia os seres humanos orgulhosos e vaidosos a encontrarem alguém que possa ser comparado a ele. Deus estava acima de qualquer dos deuses imaginados pelos homens mais sábios do mundo. Essa foi a mensagem que Paulo tentou passar aos intelectuais do seu tempo. É sobre esse Deus insondável e inescrutável que ele falou aos filósofos que andavam a procura de novidades no Areópago de Atenas. O Deus que Paulo apresentou era absolutamente independente e não necessitava absolutamente de nada (At 17:24, 25, 28). Os deuses dos gregos foram todos criados à imagem e semelhança dos homens, mas o Deus apresentado por Paulo sobrepujava a todos eles juntos. Ele era inigualável!
Nos versos abaixo, Deus zomba da pequenez dos homens em comparação à sua infinita grandeza e singularidades. Os reis e as nações não passam de gora d’água ou do pó da areia diante da majestade divina (Is 40:15).
O profeta Isaías registra as várias vezes em que Deus desafia os homens a achar alguém semelhante a ele, mostrando o seu desprezo pela soberba dos homens.
Is 40:18, 25 – “Com quem comparareis a Deus? Ou que cousa semelhante confrontareis com ele? ... A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja igual? Diz o Santo.”
Estas perguntas de Deus revelam a tolice e a soberba dos homens. Estes faziam imagens de escultura, pensando que Deus podia ser comparado a elas. As imagens estavam violando o primeiro e o segundo mandamentos ordenados a Moisés. Os contemporâneos de Isaías eram idolatras, e Deus sempre foi intolerante com essa depravação da verdadeira e única divindade. O Invisível não pode ser tratado como se fosse uma criatura, com aparência e com forma. Ele é um ser eminentemente espiritual, sendo infinito em sua espiritualidade, e isto o distingue absolutamente das outras criaturas! Nenhum dos deuses criados pelos pagãos pode ser comparado a Deus porque ele é impar! Não existe cópia de Deus ou alguém que se assemelhe a ele. Após fazer uma apologia de si mesmo, Deus fez os homens olharem ao seu redor a averiguarem as grandes obras da natureza, para que vissem quem estava por trás de toda aquela grandeza! Somente alguém maior do que a própria natureza. Esse é o Deus singular! (Is 40:26);
Is 46:5 – “A quem me comparareis para que eu lhe seja iguais? E que cousa semelhante confrontareis comigo?”
É algo totalmente absurdo fazer com que o infinito seja representado pela aparência de uma criatura. É uma tentativa de transformar a verdade em mentira. Deus não pode ser representado por nada, porque não há nada que se compare a ele. Só o igual pode representar. Aquele que esta acima de toda criatura e de toda a criação é inigualável! O finito não pode ser confrontado com o Infinito. Portanto, ninguém pode ser comparado com Deus, porque ninguém é semelhante a ele!
Deus é absolutamente inigualável (Is 44:6-8) e isto o torna incompreensível! Nenhum outro ser é capaz de chegar próximo do único Deus e senhor de toda a terra.
Deus É Incompreensível por Estar Além dos Limites Espaciais e Temporais
Is 40:12 – “Quem na concha de sua Mao mediu as águas, e tomou a medida dos céus a palmos? Quem recolheu na terça parte de uma efa o pó da terra, e pesou os montes em romana e os outeiros em balança de precisão?”
Ele é tão grande que todo o universo, que é considerado como “infinito” pelos estudiosos, cabe na palma de suas mãos, e tudo é tão pequenino se comparado com o Criador.
A distância entre o Criador e a criatura fica ainda mais patente quando Deus, através do profeta Isaías, se compara até mesmo às nações mais poderosas, que são consideradas como absolutamente nada na sua presença. Observe a linguagem do profeta: “Eis que as nações são consideradas por ele como um pingo que cai dum balde, e como um grão de pó na balança; as ilhas são como pó fino que se levanta” (Is 40:15).
Deus É Incompreensível por Ser o Único Deus
Deus é absolutamente singular. Nada se compara a Ele, como já vimos anteriormente. A sua singularidade o distingue de tudo o que existe, e as palavras, sentimentos e imaginações humanas não podem descrevê-lo nem defini-lo.
Ex 20:2-3 – “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim...”
Deus inicia os seus mandamentos cortando toda a possibilidade de haver alguém que faça competição com ele. Deus é único e não admite qualquer outro ser que venha a tomar a gloria que lhe é devida. Por essa razão, ninguém consegue entender os propósitos e o ser interior de Deus. A sua singularidade nega a possibilidade mesma de ser conhecido (se não se revelasse), e certamente inclui a sua incompreensibilidade.
“Eu sou o Senhor teu Deus” – Isto não significa que não haja a possibilidade de pertencermos a um outro deus ou de crermos num deus que fazemos com as nossas próprias mãos. Mas porque o Deus único nos possui e, em pacto, revelou-se a nós, como zeloso que é, ele não admite que outro deus possa ocupar o nosso pensamento. Contudo, a despeito de sua atitude revelacional ali no Monte Sinai, ele permanece um Deus absconditus, como ensinava Lutero. Mesmo estando diante da face de Deus, Moisés queria ver a essência de Deus, mas este lhe respondeu que nenhum homem poderia continuar vivendo se pudesse ter qualquer contato com o seu caráter mais glorioso, ou seja, vê-lo em sua essência. Nenhum outro deus ou ser criado é semelhante a ele. Por isso, esse único Deus não pode ser compreendido.
Dt 4:35, 39 – “A ti foi mostrado para que soubesse que o Senhor é Deus; nenhum outro há senão ele... Por isso hoje saberás, e refletiras no teu coração, que só o Senhor é Deus em cima no céu, e embaixo na terra; nenhum outro há”.
Depois de mostrar todas as suas maravilhas a Moisés e ao povo, Deus aproxima-se de Moisés e lhe diz as palavras acima, e este as transmite ao povo, que havia sido testemunha ocular dos poderosos feitos do Senhor. Pelo que Deus é e faz, os homens podem saber que somente ele é Deus, mas os seus atos e as suas palavras não nos podem dar um conhecimento dele que nos capacite a compreendê-lo. Mesmo que o homem chegue a refletir no seu coração sobre a divindade de Iavé, e venha a reconhecer que somente ele é Deus, a sua singularidade impede que tenhamos compreensão do que ele realmente é.
I Sm 2:2 – “Não há santo como o Senhor; porque não há outro além de ti; e Rocha não há, nenhuma, como o nosso Deus”.
Numa oração cheia de angustia, esperando que Deus a ouça e lhe dê um filho, Ana apela para a singularidade e Deus. Todos os homens tementes a Deus diriam o que Ana disse acima, mas todos eles ainda ficariam por entender os caminhos de Deus e os seus propósitos. Eles nos são ocultos e, mesmo quando revelados, permanecem sem serem compreendidos. Esta verdade torna o ser humano pequenino, ou melhor, é a sensação de pequenez do homem que o torna um verdadeiro adorador como Ana o foi. Deus é inescrutável em seus caminhos e santo em todas as suas obras; a nossa alma sabe disso muito bem e cada vez mais se admira de sua profundidade e da imensidão dos seus pensamentos!
Is 44:8 – “Não vos assombreis, nem temais; acaso desde aquele tempo não vo-lo fiz ouvir, não vo-lo anunciei? Vós sois as minhas testemunhas. Há outro Deus além de mim? Não, não há outra Rocha que eu conheça.”
Os homens sempre tentaram criar deuses para expressar a sua própria religiosidade, mas todos eles são falsos. Quando Paulo comparou os deuses do Olimpo com o verdadeiro Deus, ele desafiou os gregos a crerem no Deus que fazia o que os outros não podiam fazer. Ele ensinou sobre o Deus criador, providente e redentor. Nenhum deus criado pelos homens faz o que Deus faz. Deus é singular não somente na sua essência, mas no que faz. Ele é único e, portanto, incompreensível! Só podemos compreender aquilo que tem alguma semelhança a nós. Como somos infinitamente pequenos e Deus é o único Deus, não podemos saber nada dele além daquilo que ele nos revelou. Devido a sua singularidade, por mais que diga algo de si, ele nunca nos levará a compreendê-lo de modo que venhamos a saber quem ele realmente é.
Deus É Incompreensível Por Que É Inominável
Não há nenhum nome que expresse tudo o que Deus é. Os nomes todos que a Escritura dá a Deus não são suficientes para nos dar uma compreensão de Deus. A sua essência não pode ser descoberta pelos seus nomes. Deus possui uma enorme variedade de nomes justamente porque cada um deles reflete algo do que ele é. Na Escritura ele é chamado de Maravilhoso (Gn 32:29 e Jz 13:18; Pv 30:3-4 e Is 9:6), mas esse nome nos dá uma idéia da qual a mente humana pode ter apenas um vislumbre. Contudo, seu ser mais interior é inominável. Nada do que é humano poderia descrever a divindade.
Deus é sem nome porque tudo o que ele diz de si mesmo, embora seja a verdade absoluta, ou seja, corresponda à realidade, não exaure o que ele é na sua essência. Portanto, mesmo os nomes que a Escritura atribui a Deus são insuficientes para explicar a sua natureza.
Deus É Incompreensível Porque Ele É Inacessível
Paulo, o apostolo, diz que Deus habita numa esfera da qual os homens não podem se aproximar. Escrevendo a Timóteo, Paulo diz que Deus “habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver” (I Tm 6:16). Nenhum homem pode aproximar-se de Deus, mesmo no estado de glória que vier a ter quando da consumação final de nossa salvação. O Ser todo glorioso não pode ser confrontado nem visto pela criatura. Qualquer coisa que o homem vier, a saber, dele será sempre de maneira mediata, isto é, por meio de Deus encarnado, Jesus Cristo. O contato com a Luz será através da Lâmpada. Ninguém poderá ver a luz sem a lâmpada (Ap 21:23). Ninguém conhece a Deus além do que Cristo Jesus revelou dele. João confirmou a inacessibilidade de Deus dizendo que “ninguém jamais viu a Deus: o Deus unigênito, que esta no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1:18). Somente o Filho de Deus teve condições, por causa da sua própria natureza divina, de ver o Pai. Por essa razão, João afirma: “não que alguém tenha visto ao Pai, salvo aquele que vem de Deus: este o tem visto” (Jo 6:46). Portanto, criatura alguma pode penetrar os segredos da divindade inacessível, a quem todos devem honra e glória.
[1] Heber Carlos de Campos. O Ser de Deus. Editora Cultura.
[2] Citado por Bavinck, The Doctrine of God, 14.
[3] Barth diz isso algumas vezes em seu Comentário aos Romanos.
TEXTO 02 - O DEUS CONHECÍVEL[1]
Agora trataremos da possibilidade de Deus ser conhecido. Todavia, a despeito desse conhecimento possível, Deus não pode ser compreendido, como veremos a seguir. Essas duas coisas são perfeitamente plausíveis, embora aparentemente se contradigam. Dizer que Deus é conhecível significa que, embora incompreensível, algum conhecimento dele é possível, e esse conhecimento pode crescer cada vez mais, segundo a medida da revelação divina e do nosso relacionamento com ele.
As Escrituras nos revelam quem é o verdadeiro Deus, e o nosso conhecimento dele é básico para o conhecimento de nós mesmos.
A Afirmação do Conhecimento do Deus das Escrituras
O Conhecimento de Deus Pressupõe Revelação
O conhecimento de Deus pressupõe inquestionavelmente o fato de Deus se revelar. É impossível qualquer conhecimento dele sem que ele se revele. Se Deus não se revelasse, por causa de sua natureza infinita e majestosa jamais poderíamos ter qualquer conhecimento dele. Ele se desnudou a fim de que os seres humanos pudessem conhecê-lo. Os seres humanos ficariam totalmente ignorantes de Deus se este se ensimesmasse. A mente humana, embora tenha o sensus divinatatis, não pode conceber Deus, a menos que ele se revele. Os seres humanos jamais poderiam emitir qualquer conceito sobre Deus se não fossem impactados pelas obras da natureza, que são uma revelação muda, ou pela revelação verbal.
Deus criou todos os homens com a capacidade de conhecê-lo, mas teve que se lhes revelar de várias formas. A fim de que os seres humanos pudessem conhecer a Deus, este não somente deu-lhes um conhecimento que está impresso na sua própria constituição natural, como também um conhecimento que vem através das obras da criação e da sua condução da historia, e que esta registrada nas Escrituras o Antigo e do Novo Testamento.
Todo conhecimento que o homem tem vem de fora. Não há nenhum conhecimento que seja inerente ao ser humano. Portanto, há um sentido em que todo o conhecimento é adquirido. Somente a capacidade de conhecer é inata. Todavia, como veremos adiante, o conhecimento de Deus no homem pode vir através da revelação geral (que está mais vinculada ao que se chama tradicionalmente de conhecimento inato) e da revelação verbal (que está mais vinculada ao que se chama tradicionalmente de conhecimento adquirido).
Conhecimento Inato
Este conhecimento tem a ver com o conhecimento a priori (o semen religionis e o sensus divinitatis, já estudados anteriormente), que não tem nada a ver com a revelação verbal de Deus.
A palavra “inato” indica a procedência do conhecimento, que é a nossa natureza. Nascemos com esse conhecimento. Entre os protestantes escolásticos, esse conhecimento é chamado cognitio ínsita (conhecimento implantado),[2] que está vinculada ao que Calvino chama de semen religionis.
1. O conhecimento inato de Deus é intuitivo, e não um produto elaborado pela alma humana
O conhecimento inato também é chamado de “conhecimento intuitivo”, pois repousa na apreensão imediata das coisas, sem que haja um processo de raciocínio de premissas e conclusões. Todos os nossos sentidos são percepções ou intuições. Podemos apreender muitas coisas imediatamente, isto é, sem o uso de meios, mas nunca podemos expressar qualquer conhecimento Deus sem a sua previa revelação. Quando somos estimulados pelas obras da criação, todo o nosso conhecimento intuitivo vem à tona. Percebemos as verdades e as realidades com uma convicção intuitiva. Podemos até tirar conclusões erradas, por causa da corrupção do nosso ser interior, mas há uma certa percepção da verdade dentro de nos, produto do modo como Deus nos fez constitutivamente.
Este conhecimento não significa que o ser humano, ao ser concebido, já possui conceitos pré-formados sobre Deus. Esse conhecimento é demonstrado à medida que o ser humano se desenvolve mentalmente. Nenhum bebê tem um conhecimento conceitual de Deus, porque isso é impossível na sua idade, mas quando ele se desenvolve, é impactado pelas coisas que o confrontam e o levam a ter algum conhecimento da divindade. Os conceitos têm que ser desenvolvidos, mas o conhecimento potencial de Deus está no ser humano, pelo modo como Deus o criou.
2. O conhecimento inato de Deus tem a ver principalmente com a constituição da mente humana
Deus fez o homem de tal modo que ele é capaz de conhecer a Deus, e esse conhecimento resulta da constituição da mente humana, e não dos outros sentidos. A idéia da divindade está intuitivamente colocada na mente do homem. Esse conhecimento não é produto de observação ou de dedução em virtude de fatores externos ao ser humano. Há certas verdades que a mente percebe imediatamente, sem que haja a necessidade de demonstração lógica. O conhecimento inato tem a ver com a constituição da mente de modo que “ela percebe certas coisas como verdadeiras sem que haja a necessidade de prova ou instrução”.[3] Esse conhecimento pode ser desenvolvido à medida que acontece o desenvolvimento mental. Todavia, não nos esqueçamos de que todo conhecimento de Deus pressupõe a revelação geral. Ele não é produto do raciocínio da mente.
Quando Paulo escreve em Romanos 1:20, ele fala dos atributos de Deus como “sendo percebidos”, mas a expressão grega diz respeito a um conhecimento que é produto da mente, sem que haja um processo de raciocínio engenhosamente elaborado. Esse conhecimento é produto intuitivo da mente em contato com as obras da criação.
W.G.T. Shedd diz que:
Paulo descreve a natureza da percepção usando o particípio noumena [“sendo percebidos”], que denota uma intuição direta e imediata da razão. Os atributos invisíveis de Deus, que não são objeto dos sentidos, e não podem ser conhecidos por eles, são claramente vistos pela mente (nous), diz Paulo. [4]
A percepção dos atributos de Deus sempre está vinculada à capacidade que Deus deu ao homem de conhecê-lo, mas nunca está dissociada do contato com as obras da natureza. A idéia da existência de Deus está impressa na alma humana, mas não os conceitos. Estes são emitidos pela mente quando o ser humano é exposto ao impacto da natureza. Todavia, essas idéias sobre os atributos de Deus não precisam ser analisadas, mas simplesmente são despertadas na mente quando o ser humano é confrontado com as obras da criação. “A razão é estimulada a agir pelos estímulos dos sentidos; mas quando assim estimulada, ela percebe por sua própria operação as verdades e fatos que os próprios sentidos não percebem.” [5] Este conhecimento de Deus tem a ver com a natureza da mente humana.
3. O conhecimento inato de Deus é provado pelas leis morais que ele implantou em nosso ser interior
As idéias morais que possuímos revelam o santo Legislador que nos criou. Os conceitos morais básicos estão impressos em nossa alma. Quando uma criança é concebida ela já os t em na alma, embora não possa expressá-los nem formulá-los antes do seu desenvolvimento mental. Paulo diz claramente que ate mesmo os ímpios, aqueles que nunca foram confrontados com a revelação especial de Deus, possuem noção das coisas morais e são julgados por elas.
Rm 2:14-15 – “Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a obra da lei gravada nos seus corações, testemunhando-lhes a consciência, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se.”
Esse conhecimento revela que eles possuem uma noção da divindade que está dentro deles, porque a consciência do certo e do errado está intuitivamente gravada neles e os faz conscientes de seu Criador. A conduta dos gentios de conformidade com a lei é uma amostra do conhecimento inato de Deus. Este conhecimento tem a ver com a natureza moral do homem.
Em ambos os casos, o conhecimento inato de Deus é um dom divino. Ele vem desde a nossa concepção. As idéias sobre Deus ficam latentes ate que se tornam patentes quando do contato com as obras da natureza que proclamam sem palavras a glória de Deus. À medida que a nossa mente e os outros sentidos se desenvolvem, também se percebe um desenvolvimento da demonstração do conhecimento inato.
4. O conhecimento inato é espontâneo, mas não “consciente”
A teologia cristã nunca ensinou o conhecimento inato como sendo um conhecimento consciente de Deus com o qual a pessoa nasce. É um conhecimento implantado por Deus na alma dos seres humanos. Esse termo é usado para designar que o conhecimento é espontâneo, e não o resultado de um processo de raciocínio ou de argumentação.
A consciência do conhecimento vem com o crescimento do ser humano com o passar dos anos. Uma criancinha de berço, que possui o conhecimento inato, não o possui, todavia, conscientemente. Somente após crescer e ser exposta à revelação da criação é que ela passa a ter consciência de Deus.
5. O conhecimento inato é conhecimento de resposta
É importante que se lembre que o conhecimento inato é algo mais do que mera potencialidade para conhecer. Ele é uma atividade que o homem exerce sempre que tem contato com a natureza. Esse conhecimento é sempre produto da revelação divina que exerce influencia sobre a mente humana. É a influência externa das obras da natureza sobre a capacidade interna que Deus deu ao homem de conhecê-lo.
6. O conhecimento inato favorece a “teologia natural”
O conhecimento que o ser humano vem a ter de Deus não ocorre à parte da revelação divina. Uma vez que o homem é exposto à revelação da natureza, ele já pode emitir algum tipo de idéia sobre Deus, o que habitualmente tem sido chamado de “teologia natural”, a teologia que é produto, não do recebimento da revelação especial, mas da contemplação das obras da natureza. É bom que se enfatize que não existe qualquer formulação de uma teologia natural sem o impacto da revelação das obras da natureza. Não é possível qualquer formulação de conceitos sobre Deus apenas com o uso da razão, sem que o ser humano seja exposto ao crivo da revelação da natureza. O que se chama regularmente de “teologia natural” não é apenas o produto do raciocínio humano. Com o conhecimento que vem da nossa constituição, que é implantado por Deus, podemos formular uma teologia natural.
7. O conhecimento inato é corrompido pelo pecado
O conhecimento inato e a possibilidade de formulação de uma teologia natural esbarram no problema do pecado.
Há um semen religionis implantado no homem, de forma que o homem foi criado com a potencialidade de conhecer a Deus pela natureza da sua constituição, mas o pecado afetou a totalidade do ser humano, inclusive a sua mente. Este fator não pode ser esquecido. Os efeitos noéticos do pecado, isto é, os efeitos do pecado sobre a mente, têm que ser levados em conta. Por essa razão, esse conhecimento é corrompido pelo pecado e o ser humano não pode apreender Deus corretamente. Ele observa as obras da criação, mas o resultado não é satisfatório, porque ele não consegue ver claramente o Criador por detrás das obras da criação em virtude de ter o seu maior interior, o coração, corrompido pelo pecado. O texto das Escrituras em Romanos 1:18 diz que, por causa da impiedade e perversão dos homens, há uma supressão do conhecimento verdadeiro de Deus, “que detêm a verdade pela injustiça”.
8. Conhecimento responsabilizador
O conhecimento inato de Deus, a despeito de prejudicado pela Queda, é um conhecimento que torna o homem responsável diante de Deus. Não obstante todas as dificuldades que o pecado causou ao homem, as Escrituras afirmam que ele teve, desde o principio das coisas criadas, o conhecimento de Deus. Ele não quis o conhecimento que Deus deu de si mesmo. Ele trocou a verdade de Deus em mentira, mas não se pode negar que ele teve esse conhecimento. Por essa razão, depois de fazer um arrazoado sobre esse assunto, Paulo diz: “Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato” (Rm 1:20b-21). Pela atitude que tomaram diante do conhecimento de Deus, esses homens tiveram o juízo parcial de Deus sobre suas vidas, quando estas foram entregues à imundícia (Rm 1:24). Essa punição ocorreu porque eles haviam recebido um conhecimento que os tornava responsáveis diante de Deus.
9. Conhecimento Universal
Esse conhecimento responsabilizador é universal; não se refere apenas aos homens do tempo de Paulo. Todas as pessoas que negligenciam a correta adoração do Deus verdadeiro são culpáveis diante dele. Todas as pessoas que estão em contato com as obras da natureza, onde quer que estejam, são impactadas pela revelação divina e, todavia, mantêm-se rebeldes contra Deus. Não há nem uma só pessoa que esteja fora da esfera dessa revelação.
Todos os seres humanos estão sob o governo moral de Deus, porque Deus implantou suas leis nos corações de todos eles. Esse conhecimento de Deus é inescapável em todos os seres humanos. Todos eles possuem a noção do que é certo e do que não é. Paulo menciona que “quando os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma de lei gravada nos seus corações, testemunhando-lhes também a consciência, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se” (Rm 2:14-15). Ninguém pode alegar não ter noção do governo moral de Deus, porque Deus implantou-lhes uma lei que lhes mostra que existe um governador moral. Portanto, todos os seres humanos são indesculpáveis se não prestam a honra devida ao Criador.
Conhecimento Adquirido
Este conhecimento tem a ver com o conhecimento a posteriori, isto é, o conhecimento que vem após a observação da criação e dos eventos redentores demonstrados nas Escrituras Sagradas. Eles são produto da revelação verbal de Deus aos homens.
O conhecimento inato e o adquirido não estão em oposição um ao outro, embora haja distinção entre eles. O conhecimento inato é inerente à constituição da alma humana, enquanto que o conhecimento adquirido é derivado ou produto da observação, estudo ou reflexão. Ele é produto da argumentação e do raciocínio, sempre com base na revelação de Deus, particularmente a revelação especial. Este conhecimento é tecnicamente chamado de cognitivo Dei acquisita.
1. Conhecimento limitado
Obviamente, todo conhecimento humano é limitado por causa da própria natureza finita do homem. Contudo, o conhecimento inato é mais limitado ainda, enquanto que o adquirido é mais desenvolvido e detalhado, por causa do processo de raciocínio, argumentação e reflexão. O conhecimento adquirido é também limitado, mesmo a despeito das melhores pesquisas, porque Deus revelou-se de maneira limitada. Deus não revelou tudo de si. E, mesmo que o fizesse, o homem jamais teria condições de apreendê-lo. As duas coisas se juntam para tornar o conhecimento limitado: a limitação humana e a limitação da revelação divina.
2. Conhecimento de reflexão
Enquanto no conhecimento inato a mente fica inativa, sem a necessidade de raciocínio, no conhecimento adquirido a mente fica ativa, produzindo formulações e conceitos sobre a divindade, como produto do impacto da revelação. A reflexão é consciente e não tem nada de intuitivo. O ser humano toma as noções de Deus pela contemplação da revelação da natureza e trabalha reflexivamente. O mesmo processo acontece com as informações que recebe de Deus em forma de palavras. Ele as toma e formula conceitos sobre Deus. O resultado disso é chamado teologia propriamente dita. Daí vêm as tentativas de explicar o “como” e o “porquê” de todos os conceitos que o ser humano formula a respeito de Deus.
3. Conhecimento de acomodação
Deus se revela de acordo com a capacidade que ele mesmo concedeu ao ser humano. Deus se acomoda à nossa limitação e à nossa natureza. Ele não pode ser compreendido por nos devido à finitude de nossa mente e, portanto, há em nós incapacidade de apreendê-lo completamente. Por essa razão, Calvino diz que Deus “se acomoda (attemperat) aos nossos padrões”.[6]
Essa acomodação ao nosso conhecimento é necessária por duas razoes: primeiramente, por causa da grande distância que há entre o Criador e a criatura: em segundo lugar, por causa da separação existente entre o Deus santo e a humanidade pecadora. São duas distancias de natureza diferente. A primeira decorre da natureza, a segunda decorre do pecado. Por essa razão, pensa Calvino, Jesus Cristo é o enviado de Deus que cruza essa grande distancia entre o Criador e a criatura e quebra a barreira do pecado entre ambos, como Redentor divino-humano que é.[7]
Todavia, é bom lembrar que, ao cruzar essa grande distância, Cristo não nos torna divinos. Quando nos redime, ele retira a grande distância que o pecado provoca, mas não nos arranca da distância que a própria natureza nos deixou. Sempre seremos criaturas e sempre haveremos de ter a revelação divina adequada, acomoda à nossa condição de criaturas.
4. Conhecimento correlativo
Como foi dito no inicio deste capítulo, não há a possibilidade de se dissociar o conhecimento de nós mesmos do conhecimento que temos de Deus. Calvino disse que “toda sabedoria que possuímos, a sabedoria verdadeira e sadia, consiste de duas coisas: o conhecimento de Deus e de nós mesmos”.[8] Para ele, não há o conhecimento de Deus sem o conhecimento de nós mesmos, nem o conhecimento de nós mesmos sem que haja o conhecimento de Deus. Há uma interdependência entre seus conhecimentos. A fim de que nos conheçamos como realmente somos, é necessário que tenhamos o conhecimento de quem Deus é. O conhecimento de sua santidade nos fará ver o que somos; o conhecimento de sua bondade nos fará ver o que devemos ser, e assim por diante. Por outro lado, a fim de que conheçamos a Deus temos que possuir um conhecimento de nós mesmos, pois refletimos, em alguma medida, a sua imagem. Não há como escapar dessa imagem em nós, pois ainda refletimos, em alguma medida, o que ele é. Todavia, esse tipo de conhecimento de nos mesmos nos leva a ver quão diferentes somos dele, especialmente na esfera moral e ética. Quando olhamos para dentro de nos mesmos, vemos a distancia que existe entre ele e nós, distância essa que é aumentada e agravada pelos nossos pecados. Nesse caso, podemos aprender mais por contraste do que por semelhança.
De qualquer forma, esses dois conhecimentos devem ser inseparáveis. Eles são correlativos e necessários para que tenhamos uma idéia melhor sobre Deus.
[1] Heber Carlos de Campos. O Ser de Deus. Editora Cultura.
[2] Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms (Grand Rapids: Baker, 1986), 70.
[3] Charles Hodge, Systematic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1981), vol. 1, 192.
[4] W.G.T. Shedd, Dogmatic Theology, vol. 1, 198-99.
[5] Ibid., 199.
[6] Calvino, Commentary on Ezequiel 9. 3, 4.
[7] Esta idéia está nas suas Institutas, 2. 16. 5.
[8] Institutas, 1. 1. 1.
PRIMEIRO DESTAQUE
SEGUNDO DESTAQUE
TERCEIRO DESTAQUE
Lição 02 - Como Conhecemos a Deus
ARTIGO 1
O ÚNICO DEUS
O ÚNICO DEUS
Todos nós cremos com o coração e confessamos com a bocal que há um só Deus2, um único e simples ser espiritual3. Ele é eterno4, incompreensível5 invisível6, imutável7, infinito8, todo-poderoso9; totalmente sábiol0, justol1 e bom12, e uma fonte muito abundante de todo bem7.
1 Rm 10:10.
2 Dt 6:4; 1Co 8:4,6; 1Tm 2:5.
3 Jo 4:24.
4 S1 90:2.
5 Rm 11:33.
6 Cl 1:15; 1Tm 6:16.
7 Tg 1:17.
8 1Rs 8:27; Jr 23:24.
9 Gn 17:1; Mt 19:26; Ap 1:8.
10 Rm 16:27.
11 Rm 3:25,26; Rm 9:14; Ap 16:5,7.
12 Mt 19:17. Veja também Is 40, 44 e 46.
ARTIGO 2
COMO CONHECEMOS A DEUS
COMO CONHECEMOS A DEUS
Nós O conhecemos por dois meios. Primeiro: pela criação, manutenção e governo do mundo inteiro, visto que o mundo, perante nossos olhos, é como um livro formoso1, em que todas as criaturas, grandes e pequenas, servem de letras que nos fazem contemplar "os atributos invisíveis de Deus", isto é, "o seu eterno poder e a sua divindade", como diz o apóstolo Paulo (Romanos 1:20. Todos estes atributos são suficientes para convencer os homens e torná-los indesculpáveis.
Segundo: Deus se fez conhecer, ainda mais clara e plenamente, por sua sagrada e divina Palavra2, isto é, tanto quanto nos é necessário nesta vida, para sua glória e para a salvação dos que Lhe pertencem.
1 Sl 19:1-4.
2 Sl 19:7,8; 1Co 1:18-21.
Este texto é parte integrante da Confissão Belga escrita por Guido de Brés (1561)
Lição 03 - A Trindade
Parte 1
Parte 2
Parte 2
ARTIGO 8
A TRINDADE: UM SÓ DEUS, TRÊS PESSOAS
A TRINDADE: UM SÓ DEUS, TRÊS PESSOAS
Conforme esta verdade e esta palavra de Deus, cremos em um só Deus1, que é um único ser, em que há três Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo2. Estas são, realmente e desde a eternidade, distintas conforme os atributos próprios de cada Pessoa.
O Pai é a causa, a origem e o princípio de todas as coisas visíveis e invisíveis3. O Filho é o Verbo, a sabedoria e a imagem do Pai . O Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, é a eterna força e o poder5.
Esta distinção não significa que Deus está dividido em três. Pois a Sagrada Escritura nos ensina que cada um destes três, o Pai e o Filho e o Espírito Santo, tem sua própria existência, distinta por seus atributos, de tal maneira, porém, que estas três pessoas são um só Deus. É claro, então, que o Pai não é o Filho e que o Filho não é o Pai; que, também, o Espírito Santo não é o Pai ou o Filho.
Entretanto, estas Pessoas, assim distintas, não são divididas nem confundidas entre si. Porque somente o Filho se tornou homem, não o Pai ou o Espírito Santo. O Pai jamais existiu sem seu Filho6 e sem seu Espírito Santo, pois todos os três têm igual eternidade, no mesmo ser. Não há primeiro nem último, pois todos os três são um só em verdade, em poder, em bondade e em misericórdia.
1 1Co 8:4-6.
2 Mc 3:16,17; Mt 28:19.
3 Ef 3:14,15.
4 Pv 8:22-31; Jo 1:14; Jo 5:17-26; 1Co 1:24; Cl 1:15-20; Hb 1:3; Ap 19:13.
5 Jo 15:26.
6 Mq 5:1; Jo 1:1,2.
ARTIGO 9
O TESTEMUNHO DA ESCRITURA SOBRE A TRINDADE
O TESTEMUNHO DA ESCRITURA SOBRE A TRINDADE
Tudo isto sabemos tanto pelo testemunho da Sagrada Escritura1, como pelas obras das três Pessoas, principalmente por aquelas que percebemos em nós. Os testemunhos das Sagradas Escrituras, que nos ensinam a crer nesta Trindade, se acham em muitos lugares do Antigo Testamento. Não é preciso alistá-los, somente escolhê-los cuidadosamente. Em Gênesis 1:26 e 27, Deus
diz: "Façamos o homem a nossa imagem, conforme a nossa semelhança" etc. "Criou Deus, pois, o homem a sua imagem; homem e mulher os criou".
Assim também em Gênesis 3:22: "Eis que o homem se tornou como um de nós". Com isto se mostra que há mais de uma pessoa em Deus, porque Ele
diz: "Façamos o homem a nossa imagem"; e, em seguida, Ele indica que há um só Deus, quando diz: "Deus criou". É verdade que Ele não diz quantas pessoas há, mas o que é um tanto obscuro, para nós, no Antigo Testamento, é bem claro no Novo. Pois quando nosso Senhor foi batizado no rio Jordão, ouviu-se a voz do Pai, que falou: "Este é o meu filho amado" (Mateus 3:17); enquanto o Filho foi visto na água e o Espírito Santo se manifestou em forma de pomba2.
A1ém disto, Cristo instituiu, para o batismo de todos os fiéis, esta forma: Batizai todas as nações "em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mateus 28:19). No evangelho segundo Lucas, o anjo Gabriel diz a Maria, mãe do Senhor: "Descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso também o ente santo que há de nascer, será chamado Filho de Deus" (Lucas 1:35). Do mesmo modo: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós" (2 Coríntios 13:13). * Em todos estes lugares, nos é ensinado que há três Pessoas em um só ser divino. E embora esta doutrina ultrapasse o entendimento humano, cremos nela, baseados na Palavra, e esperamos gozar de seu pleno conhecimento e fruto no céu.
Devemos considerar, também, a obra própria que cada uma destas três Pessoas efetua em nós: o Pai é chamado nosso Criador, por seu poder; o Filho é nosso Salvador e Redentor, por seu sangue; o Espírito Santo é nosso Santificador, porque habita em nosso coração.
A verdadeira igreja sempre tem mantido esta doutrina da Trindade, desde os dies dos apóstolos até hoje, contra os judeus, os muçulmanos e falsos cristãos e hereges como Marcião, Mani, Práxeas, Sabélio, Paulo de Samósata, Ário e outros. A igreja antiga os condenou, com toda a razão. por isso, nesta matéria, aceitamos, de boa vontade, os três Credos ecumênicos, a saber: o Apostólico, o Niceno e o Atanasiano; e também o que a igreja antiga determinou em conformidade com estes credos.
1 Jo 14:16; Jo 15:26; At 2:32,33; Rm 8:9; Gl 4:6; Tt 3:4-6; 1Pe 1:2; 1Jo 4:13,14; 1Jo 5:1-12; Jd :20,21; Ap 1:4,5.
2 Mt 3:16.
ARTIGO 10
JESUS CRISTO É DEUS
JESUS CRISTO É DEUS
Cremos que Jesus Cristo, segundo sua natureza divina, é o único Filho de Deusl, gerado desde a eternidade. Ele não foi feito, nem criado - pois, assim, Ele seria uma criatura, - mas é de igual substância do pai, co-eterno, "o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser" (Hebreus 1:3), igual a Ele em tudo2.
Ele é o Filho de Deus, não somente desde que assumiu nossa natureza, mas desde a eternidade3, como os seguintes testemunhos nos ensinam, ao serem comparados uns aos outros:
Moisés diz que Deus criou o mundo4, e o apóstolo João diz que todas as coisas foram feitas por intermédio do Verbo que ele chama Deus5. O apóstolo diz que Deus fez o universo por seu Filho6 e, também, que Deus criou todas as coisas por meio de Jesus Cristo7. Segue-se necessariamente que aquele que é chamado Deus, o Verbo, o Filho e Jesus Cristo, já existia, quando todas as coisas foram criadas por Ele. O profeta Miquéias, portanto, diz: "Suas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade" (Miquéias 5:2); e a carta aos Hebreus testemunha: "Ele não teve princípio de dias, nem fim de existência" (Hebreus 7:3).
Assim, Ele é o verdadeiro, eterno Deus, o Todo-poderoso, a quem invocamos, adoramos e servimos.
1 Mt 17:5; Jo 1:14,18; Jo 3:16; Jo 14:1-14; Jo 20:17,31; Rm 1:4; Gl 4:4; Hb 1:1; lJo 5:5,9-12.
2 Jo 5:18,23; Jo 10:30; Jo 14:9; Jo 20:28; Rm 9:5; Fp 2:6; Cl 1:15; Tt 2:13; Hb 1:3; Ap 5:13. 3 Jo 8:58; Jo 17:5; Hb 13:8. 4 Gn 1:1. 5 Jo 1:1-3. 6 Hb 1:2. 7 1Co 8:6; Cl 1:16.
ARTIGO 11
O ESPÍRITO SANTO É DEUS
O ESPÍRITO SANTO É DEUS
Cremos e confessamos, também, que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, desde a eternidade. Ele não foi feito, nem criado, nem gerado; mas procede de ambos1.
Na ordem, Ele é a terceira pessoa da Trindade, de igual substância, majestade e glória do Pai e do Filho, verdadeiro e eterno Deus, como nos ensinam as Sagradas Escrituras2.
1 Jo 14:15-26; Jo 15:26; Rm 8:9.
2 Gn 1:2; Mt 28:19; At 5:3,4; lCo 2:10; 1Co 6:11; 1Jo 5:6.
Este texto é parte integrante da Confissão Belga escrita por Guido de Brés (1561)
Lição 04 - A Revelação
Parte 2
A Revelação
A idéia de religião conduz naturalmente à de revelação. Embora se tenham feito muitas tentativas para explicar a religião independentemente da revelação, a convicção aumenta de que toda religião origina-se na revelação. Esta é a única opinião correta sobre o assunto. Se Deus não Se revelasse, o homem absolutamente não estaria em posição de conhecê-Lo e toda religião seria impossível.
A. A REVELAÇÃO EM TERMOS GERAIS. Antes de entrarmos na discussão das diferentes espécies de revelação que Deus deu ao homem, é necessário fazermos as observações sobre a revelação em termos gerais.
1. A IDÉIA DE REVELAÇÃO. Deus é O Incompreensível. O homem não pode conhecê-Lo como Ele é nas profundezas de Seu ser divino. Só o Espírito de Deus pode esquadrinhar as coisas profundas de Deus (1 Co 2. 10, 11). É impossível ao homem ter um conhecimento perfeito de Deus, porque para possuí-lo teria de ser maior do que Deus. A pergunta de Jó é uma negação direta da habilidade do homem para compreender o Infinito: “Porventura desvendarás os arcanos de Deus ou penetrarás até a perfeição do Todo-poderoso?” (Jó 11.7). Ao mesmo tempo é possível ao homem conhecer a Deus numa medida que é perfeitamente adequada às suas necessidades pessoais. Mas até mesmo este conhecimento só pode ser adquirido porque aprouve a Deus Se revelar. Isto significa, de acordo com a representação da Escritura, que Deus removeu o véu que O cobria e Se expôs à vista. Em outras palavras, Ele tem de alguma maneira comunicado ao homem o conhecimento de Si mesmo, abrindo-lhe o caminho para conhecê-Lo, adorá-Lo e viver em comunhão com ele.
2. DISTINÇÕES APLICADAS À IDÉIA DA REVELAÇÃO. No curso dos tempos duas espécies de revelação divina foram distinguidas, a saber, a natural e a sobrenatural, a geral e a especial. Geralmente falando destas duas distinções movem-se ao longo paralelas; ao mesmo tempo elas diferem em certas particularidades que merecem ser notadas.
a) A revelação natural e a sobrenatural. Esta distinção baseia-se no modo da revelação de Deus. Por origem, toda revelação é sobrenatural, porque se origina em Deus. Há diferença, porém, na maneira em que Deus Se revela. A revelação natural é comunicada pelos fenômenos da natureza, incluindo a própria constituição do homem. Não é uma revelação dada em palavras, mas incorporada em fatos que falam por volumes. Figurativamente a natureza pode ser chamada um grande livro em que Deus escreveu, com letras grandes e pequenas, no qual o homem pode aprender Sua bondade e sabedoria, “Seu eterno poder e divindade” (Rm 1.20). A revelação sobrenatural, por outro lado, é aquela em que Deus intervém no curso natural dos acontecimentos, e na qual Ele, até mesmo quando usa os meios naturais, tais como sonhos e comunicações orais, os emprega de maneira sobrenatural. Esta revelação é ao mesmo tempo verbal e fatual, na qual as palavras explicam os fatos e os fatos ilustram as palavras.
b) A revelação geral e a especial. A segunda distinção baseia-se na natureza e no objeto da revelação de Deus. A revelação geral está radicada na criação e nas relações gerais de Deus com o homem como a criatura portadora da imagem de Deus, e visa à realização do fim para o qual o homem foi criado, o que pode ser alcançado somente quando o homem conhecer a Deus e gozar comunhão com Ele. A revelação especial, por outro lado, está radicada na obra redentora de Deus, endereçada ao homem como pecador e adaptada às necessidades morais e espirituais do homem decaído, e visa levar o pecador de volta a Deus, através do conhecimento especifico do Seu amor redentor revelado em Cristo Jesus. Não é como a revelação geral, uma luz que ilumina o caminho dos que são feitos receptíveis à verdade pela operação especial do Espírito Santo.
(...)
B. A REVELAÇÃO GERAL. Embora tanto a revelação geral como a especial existam agora lado a lado, a primeira foi anterior à última quanto à época, e é, portanto, considerada em primeiro lugar.
1. A IDÉIA DA REVELAÇÃO GERAL DE DEUS. A revelação geral não vem ao homem diretamente por comunicações verbais. Consiste numa incorporação do pensamento divino nos fenômenos na natureza, na constituição geral da mente humana, e nos fatos da experiência ou da história. Deus fala ao homem através de toda a sua criação, nas forças e nos poderes da natureza, na constituição da mente humana, na voz da consciência, e no governo providencial do mundo em geral e das vidas dos indivíduos em particular. O poeta canta: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite” (Sl 19.1-2). E Paulo diz: “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas” (Rm 1.20). Esta revelação geral nunca foi exclusivamente natural, mas sempre conteve uma mistura do sobrenatural. Mesmo antes da queda, Deus Se revelou ao homem de maneira sobrenatural no pacto das obras. E, no decorrer da história da revelação, Deus revelou-Se freqüentemente de maneira sobrenatural, fora da esfera da revelação especial (Gn 20.3ss; 40.5ss; 41.1ss, Jz 7.13; Dn 2.1ss).
2. A INSUFICIÊNCIA DA REVELAÇÃO GERAL. Embora os pelagianos, deístas e racionalistas concordem em considerar a revelação geral de Deus como inteiramente suficiente para as necessidades presentes do homem, os católicos romanos e os protestantes são unânimes quanto à sua insuficiência. Há diversas razões por que ela deve ser considerada inadequada.
a) O pecado alterou tanto esta revelação como a receptibilidade pelo homem. Como resultado da queda do homem a ruína do pecado repousa sobre a criação em geral. O elemento da corrupção entrou na maravilhosa obra de Deus e a obscureceu, contudo sem apagar completamente o escrito de Deus. A natureza, é verdade, ainda mostra as marcas de sua origem divina, mas agora esta plena de imperfeições e sujeita às forças destruidoras. Deixou de ser a revelação clara de Deus que uma vez fora. Além disso, o homem ficou cego pelo pecado, de modo a não poder ler o escrito divino na natureza, tornando sujeito ao poder do erro e da perversão, de modo que se opõe à verdade pela injustiça e até a permuta por uma mentira (Jo 1.5; Rm 1.18, 25; Ef. 4.18; Cl 1.13; 1 Jo 2.9,11).
b) A revelação geral não comunica qualquer conhecimento de Deus e das coisas espirituais inteiramente digno de confiança. Em virtude dos fatos estabelecidos no parágrafo precedente, o conhecimento de Deus e das coisas eternas e espirituais transmitidas pela revelação geral são muito incertos para formar uma base fidedigna para nela se construir para a eternidade; e o homem não pode arcar com as conseqüências de depositar sua esperança para o futuro em incertezas. A história da ciência e da filosofia mostra claramente que a revelação geral não é um guia seguro e digno de confiança. Um sistema de verdade após outro foi constituído, apenas para ser desfeito pela geração seguinte. “Nossos pequenos sistemas têm seu dia: Têm seu dia e cessam de existir”.
c) A revelação geral não oferece uma base adequada para a religião em geral. A história das religiões mostra, e isto está sendo cada vez mais reconhecido, que não há religiões que sejam baseadas exclusivamente na revelação natural. Está se tornando cada vez mais claro que uma religião puramente naturalista não existe, e nem pode existir. As nações e as tribos pagãs apelam todas para uma revelação especial, supostamente dada pelos deuses, como um fundamento para sua religião.
d) A revelação geral é completamente insuficiente como fundamento para a religião cristã. Pela revelação geral podemos receber algum conhecimento da bondade, da sabedoria e do poder de Deus, mas não podemos conhecer a Cristo, que é o único caminho da salvação (Mt 11.27; Jo 14.6; 17.3; At 4.12). Ela nada diz da graça salvadora, do perdão do pecado e da redenção, e não pode, portanto, transportar os pecadores da escravidão do pecado para a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Não participa do processo redentor iniciado por Deus para a salvação do homem. Esta é a razão suprema da sua insuficiência. Deus desejou salvar os pecadores para a glória de Seu nome, e tinha, portanto, de enriquecer a humanidade com uma revelação mais especial, uma revelação da graça redentora em Jesus Cristo.
3. O VALOR E O SIGNIFICADO DA REVELAÇÃO GERAL. O fato de ter sido a revelação geral suplantada, depois da queda do homem, por uma revelação especial, pode conduzir facilmente a uma desvalorização da primeira. Não devemos esquecer, contudo, que a revelação original de Deus continua sendo de grande importância.
a) Em conexão com o mundo gentílico. A revelação geral, incluindo os elementos sobrenaturais que nos foram transmitidos de geração em geração, e muitas vezes deturpados ao ponto de serem irreconhecíveis, fornece, contudo, fundamento firme e duradouro para as religiões gentílicas. É em virtude disto que até os gentios se consideram a geração de Deus (At 17.28), que eles buscam a Deus se, tateando O possam achar (At 17.27), e que vêem na natureza o poder eterno e a divindade de Deus (Rm 1.19, 20), e que procedem por natureza de conformidade com a lei (Rm 2.14). Enquanto vivem nas trevas da ignorância e do pecado pervertem a verdade, tornando-a em mentira, e servem aos deuses que não são deuses, mas mentira e vaidade; mesmo assim participam da iluminação do Logos, e da operação geral do Espírito Santo (Gn 6.3; Jo 32.8; Jo 1.9;. Rm 2.14, 15; At 14.16, 17; 17.22–30). Como resultado, suas religiões, embora descritas como falsas nas Escrituras, contêm também elementos de verdade que oferecem pontos de contato para as mensagens dos missionários cristãos.
b) Em conexão com a religião cristã. Quando Deus deu a Sua revelação especial, não a colocou simplesmente ao lado de Sua revelação geral, mas incluiu nela as verdades contidas na revelação geral, corrigindo-lhes a perversão, e as interpretou para a humanidade. Conseqüentemente, o cristão agora lê a revelação geral de Deus com a visão da fé e a luz de Sua Palavra, e por essa mesma razão tem capacidade para ver a mão de Deus na natureza, e Suas pisadas na história. Ele vê a Deus em tudo que o rodeia, e assim é levado a uma apreciação correta do mundo. Mas, se a revelação especial cria uma apreciação fidedigna da revelação geral, é igualmente verdadeiro que a revelação geral promove o entendimento correto da revelação especial. A Escritura só pode ser plenamente entendida no contexto da revelação de Deus na natureza. A última esclarece, freqüentemente, a primeira. Além disso, a revelação geral também oferece aos cristãos uma base comum em que podem encontrar e argumentar. A luz do “Logos”, que ilumina a todo homem, e também um laço que os une. Finalmente, e também devido à revelação geral de Deus que a revelação especial não aparece, por assim dizer, suspensa no ar, mas é ligada com a vida do mundo em todo ponto. Mantém a conexão entre a natureza e a graça, entre o mundo e o reino de Deus, entre a ordem moral e a natural, entre a criação e a recriação.
C. A REVELAÇÃO ESPECIAL. Ao lado da revelação geral na natureza e na história temos uma revelação especial, que está agora incorporada na Escritura. A Bíblia é, por excelência, o livro da revelação especial, uma revelação em que as palavras e os fatos caminham de mãos dadas; as primeiras interpretando as últimas, e estes dando uma personificação concreta aquelas.
1. A NECESSIDADE DA REVELAÇÃO ESPECIAL. Com a entrada do pecado no mundo a revelação geral de Deus ficou obscurecida e corrompida, de modo que o escrito de Deus na natureza e na própria constituição do homem não é agora tão legível, como era na manhã da criação. Além disso, o homem tornou-se sujeito aos poderes das trevas e da ignorância, do erro e da incredulidade, e na sua cegueira e perversão não consegue ler corretamente nem mesmo os vestígios remanescentes da revelação original. Até se deleita em mudar a verdade de Deus em mentira. A revelação geral não mais transmite ao homem um conhecimento de Deus e das coisas espirituais absolutamente dignos de confiança, e não é corretamente entendida pelo homem, nem é capaz de restaurá-lo à comunhão de Deus. As operações divinas especiais, portanto, foram necessárias, servindo a um propósito quádruplo: a) corrigir e interpretar as verdades que agora são colhidas da revelação geral; b) iluminar o homem para que possa outra vez ler o escrito de Deus na natureza; c) fornecer ao homem uma revelação do amor redentor de Deus; d) mudar sua inteira condição espiritual, redimindo-o do poder do pecado e levando-o de volta para uma vida de comunhão com Deus.
2. OS MEIOS DA REVELAÇÃO ESPECIAL. Os meios de revelação especial podem ser, em geral, reduzidos a três espécies.
a) As teofanias ou manifestações de Deus. De acordo com a Escritura Deus não é somente um Deus distante, mas também um Deus próximo. Simbolicamente habitou entre os querubins nos dias do Velho Testamento (Sl 80.1; 99.1). Sua presença foi vista no fogo e nas nuvens de fumaça (Gn 15.17; Êx 3.2; 19.9, 16, 17; 33.9; Sl 78.14; 99.7); nos ventos tempestuosos (Jo 38.1; 40.6; Sl 18.10–16); e no zéfiro suave (1 Rs 19.12). Tudo isto foram sinais de Sua presença, em que Ele revelou alguma coisa de Sua glória. Entre as manifestações do Velho Testamento, a do anjo do Senhor ocupa um lugar especial. Esse anjo não era evidentemente um anjo criado. De um lado é distinto de Deus (Êx 23.20-23; Is 63.8, 9); mas de outro lado é também identificado como Ele (Gn 16.13;31.11–13; 32.28). A opinião dominante é que se tratava da segunda pessoa da Trindade (Ml 3.1). A teofania alcançou seu ponto mais alto na encarnação de Cristo, em Quem habitou corporalmente, a plenitude da divindade (Cl 1.19; 2.9). Nele a Igreja se tornou o templo do Espírito Santo (1 Co 3.16; 6.19; Ef. 2. 21). Uma realização ainda mais plena da habitação de Deus com o homem terá lugar quando a nova Jerusalém descer do céu de Deus, e o tabernáculo de Deus for levantado entre os homens.
b) As comunicações diretas. Deus comunicou ao homem Seus pensamentos e Sua vontade de várias maneiras. Algumas vezes falou aos órgãos de Sua revelação com uma voz audível (Gn 2.16; 3.18, 19; 4.6–15; 9.1, 8, 12; 32.26; Êx 19.9; Dt 5.4;1 Sm 3.4). Em outros casos recorreu a tais meios como a sorte e o Urim e o Tumim (1 Sm 10.20, 21; 1 Cr 24.5–31; Ne 11.1; Nm 27.21; Dt 33.3). O sonho foi um meio muito comum de revelação (Nm 12. 6; Dt 13.1–6; 1 Sm 28.6; Jl 2.28), e foi usado também em revelação aos não israelitas (Gn 20.3-6; 31.24; 40.5; 41.1–7; Jz 7.13). Uma forma semelhante mas superior de revelação foi a visão, muito comum entre os profetas (Is 6; 21.1ss; Ez 1–3; 8–11; Dn 1.17; 2.19; 7–10; Am 7.1–9). Os profetas recebiam estas visões enquanto estavam despertos e algumas vezes na presença de outros (Ez 8. 1ss). Geralmente, porém, Deus revelara-Se aos profetas por meio de uma iluminação mais íntima, pelo espírito da revelação. No Novo Testamento Cristo aparece como o mais elevado, o verdadeiro, e num sentido, o único profeta. Ele comunica o Seu Espírito, que é também o Espírito da revelação e da iluminação, a todos os que crêem (Mc 13.11; Lc 12.12; Jo 14.17; 15.26; 16.13; 20.22; At 6.10; 8.29). Nele todos que são seus têm a unção do Santo e são ensinados pelo Senhor (1 Jo 2.20).
c) Os milagres. De acordo com a Escritura, Deus também Se revela pelos milagres. É especialmente deste ponto de vista que os milagres da Escritura devem ser estudados. Embora excitem um sentimento de admiração, não são, como os chamados milagres dos feiticeiros pagãos, portentos que enchem o homem de espanto. Eles são, acima de tudo, manifestações de um poder especial de Deus, sinais de Sua presença especial, e servem, com freqüência, para simbolizar verdades espirituais. Como manifestações do reino vindouro de Deus, tornam-se subservientes à grande obra da redenção. Assim servem, freqüentemente, para punir o ímpio e auxiliar ou libertar o povo de Deus. Eles confirmam as palavras do profeta e apontam para uma nova ordem que está sendo estabelecida por Deus. Os milagres da Escritura culminam também com a encarnação, que é o maior milagre e o mais central de todos. Em Cristo, que é o milagre absoluto, todas as coisas são restauradas e a criação reconduzida à sua beleza original (At 3.21).
3. O CONTEÚDO DA REVELAÇÃO ESPECIAL. Há três pontos que merecem especial destaque em relação ao conteúdo da revelação especial de Deus.
a) É uma revelação redentora. A revelação especial não serve, simplesmente, ao propósito de comunicar ao homem algum conhecimento geral de Deus. Descobre ao homem o conhecimento específico do plano divino para a salvação dos pecadores; da reconciliação de Deus e dos pecadores por meio de Jesus Cristo; do caminho da salvação aberto por Sua obra redentora, da influência transformadora e santificadora do Espírito Santo, e das exigências divinas para os que participam da vida do Espírito. É uma revelação que renova o homem, que ilumina a mente, inclina sua vontade para o bem, enche-o de afeições santas, e prepara-o para o lar celestial.
b) É uma revelação tanto verbal como factível. Esta revelação de Deus não consiste exclusivamente em palavras e doutrinas e não se dirige meramente ao intelecto. Deus Se revela não só na lei e nos profetas, nos evangelhos e nas epístolas, mas também na história de Israel, no culto cerimonial do Velho Testamento, nas teofanias e nos fatos redentores da vida de Jesus. Contudo, a revelação especial não só comunica ao homem conhecimento do caminho da salvação, mas também transforma as vidas dos pecadores, mudando-os em santos.
c) É uma revelação histórica. O conteúdo da revelação especial foi sendo desdobrado gradualmente no curso de muitos séculos, e é, portanto, de caráter histórico e gradualmente progressivo. As grandes verdades da redenção aparecem a princípio apenas obscuramente, mas aumentam gradualmente em clareza, e finalmente se destacam em toda a sua grandeza na revelação do Novo Testamento. Há uma vinda constante de Deus ao homem na teofania, profecia e milagre; e na encarnação do Filho de Deus e na permanência do Espírito Santo na Igreja atinge o seu ponto mais alto.
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